Exposição San Pedro de Alcântara, Encontro Entre Dois Continentes, em Peniche | ||
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A década de 1780 foi marcada por convulsões políticas no Novo Mundo. A revolução americana, declarada em 1776, consuma a vitória sobre o exército inglês em 1781. A independência dos Estados Unidos da América é reconhecida em 1783. Em 1780, estala no Peru uma revolta contra o domínio espanhol, conduzida pelo chefe inca, José Gabriel Tupac Amaru. O exército colonial põe-lhe termo no ano seguinte, executando o líder e aprisionando o filho. Em Abril de 1784, parte de Lima, Peru, com destino a Cadiz, o navio espanhol San Pedro de Alcântara. É um navio de guerra, de 64 canhões. Vinha carregado com cobre e metais preciosos, produto da mineração do Peru acumulada nos anos anteriores (durante os quais a instabilidade originada pela guerra da independência americanae o embargo britânico impedira o seu normal escoamento para a Europa). Trazia também um conjunto de colecções de artefactos anteriores à presença espanhola, recolhidas por dois cientistas espanhóis em expedições efectuadas a grutas de uma região do Peru. Finalmente, fazia parte da carregamento do San Pedro cerca de duas dezenas de prisioneiros incas, incluindo o filho do chefe executado, Fernando Tupac Amaru. O navio zarpou com excesso de peso, enfrentando por isso diversos sobressaltos na sua longa viagem. Quando chegou ao Chile, viu-se obrigado a deixar parte da carga e a regressar ao Peru para reparações. No Rio de Janeiro, já no ano seguinte, foi forçado a uma imobilização de 4 meses, de novo para reparações. A 2 de Fevereiro de 1786, aproximou-se da costa de Peniche e foi embater violentamente contra as rochas da Papoa. Com o choque, o casco do fundo partiu-se e o porão separou-se do resto da embarcação. O mar estava calmo. O comandante do navio foi traído provavelmente pela maré muito baixa e as imprecisões da carta de navegação. 128 pessoas, entre as quais a maioria dos prisioneiros incas, encontrou a morte no naufrágio. O acontecimento teve uma enorme repercussão internacional e uma extraordinário incidência em Peniche. O governo espanhol não se poupou a esforços para recuperar os tesouros depositados no fundo do mar (calcula-se em cerca de 750 toneladas de cobre, prata e ouro) e contratou mergulhadores e enviou para Peniche equipas técnicas e operários. Durante dois anos, Peniche foi estaleiro destes trabalhos morosos e complexos de resgate. Depois, lentamente, o tempo foi apagando memórias e sinais. Em 1975, um arqueólogo francês, Jean Yves Blot, iniciou o longo processo de devolução desta história ao conhecimento. Começou pela investigação de arquivo, onde encontrou abundantes referencias, em Espanha e por toda a Europa. Passou depois ao local, onde a pesquisa se revelou mais difícil. Identificou a zona de impacte e a área onde se tinham procedido a inumação de cadáveres. Organizou campanhas arqueológicas em terra e no mar. Ontem em Peniche, no Edifício Cultural, Jean Yves, que entretanto implicou no fascínio pelo tema a arqueóloga Maria Luisa Pinheiro, apresentou uma Exposição onde se pode seguir o trajecto e os principais resultados deste longo e persistente trabalho. A exposição é acompanhada pela edição de uma obra intitulada Peniche, Encontro entre Dois Continentes: Concerto para mar e Orquestra. San Pedro de Alcântara, 1786. |
Gravura BNP |
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Ciência Viva | ||
Incas em Peniche | ||
Reconstituição digital do casco do San Pedro de Alcântara | ||
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Naufragio del navio de Guerra de S.M.C. el S. Pedro de Alcantara, sobre la Costa de Peniche... da autoria de Vicente Mariani, 1786 - 1799. Gravura: água-forte. Biblioteca Nacional de Portugal |
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Grilheta de uma dos prisioneiros incas inumados na Papoa. |
Eduardo Prado Coelho: Os amantes da Baía (29 de Janeiro de 2004) | |
É possível que eu projecte sobre a recordação da praia de São Martinho do Porto imagens que nunca existiram - que a praia seja a praia onde eternamente somos, numa adolescência deslumbrada e sem fim. Todas as manhãs corríamos à janela para ver se o tempo estava bom. Mas, enquanto chegavam notícias de que o país era banhado por um sol esplendoroso, São Martinho obstinava-se em ter uma bruma matinal, húmida e fria. "É um microclima", dizia o meu pai. É verdade que por volta do meio-dia desencadeavam-se uns ventos impiedosos que varriam as nuvens e clareavam os céus. Mas o vento instalava-se às vezes de um modo tão intenso que a boca se enchia de uma areia fina, os jornais voavam, os toldos voltavam-se sobre si próprios, as mães vestiam as crianças com casacos de malha. "É um microclima", comentava o meu pai. Mas gostávamos daquele jogo das escondidas com o calor e o sol. Gostávamos de andar com os pés a chapinhar ao longo da baía até chegar às dunas. Gostávamos da rua dos cafés, de subir até ao Facho, de ir a um bar na Nazaré ou de comer pão-de-ló em Alfazeirão, ou javali num restaurante popular da estrada para as Caldas. Gostávamos das mesas nocturnas onde a nobreza doutros tempos e a grande burguesia se lamentava das desgraças do 25 de Abril e chamava "crise" às tostas mistas com que alguns se alimentavam. Gostávamos de andar pelos montes, de ir à capela para ver o pôr do Sol. Num dos poemas que Luís Miguel Cintra escolheu para dizer num livro-disco dedicado à poesia do Ruy Belo (e publicado pela Assírio e Alvim), podemos ler versos que evocam esta espécie de estado de graça em que a felicidade vinha do lado do mar: "O tempo das suaves raparigas é junto ao mar ao longo da avenida ao sol dos solitários dias de Dezembro Tudo ali pára como nas fotografias É a tarde de Agosto o rio a música o teu rosto alegre e jovem hoje ainda quando tudo ia mudar." E mais adiante: "Somos crianças feitas para grandes férias pássaros pedradas de calor atiradas ao frio em redor pássaros compêndios de vida e morte resumida agasalhada em asas Ali fica o retrato destes dias gestos e pensamentos tudo fixo (...) o tempo é a maré que leva e traz o mar às praias onde eternamente somos Sabemos agora em que medida merecemos a vida." Sei apenas que São Martinho do Porto é hoje um lugar estragado pela improvisação, o comércio cego, o mau gosto, a leviandade. O que podia ter sido uma praia encantada é um desastre em todos os aspectos. O ministro Theias - que se confessa "um amante da baía", porque nesta praia passou 18 anos de férias - promete apoiar o projecto de reabilitação de Gonçalo Byrne apresentado pelo presidente da Câmara de Alcobaça, Gonçalo Sapinho. Será desta? |
São Martinho/Foz do Arelho | |
Voltamos então a S. Martinho? Isso quer dizer, caro JJ, que o ajuste de contas não ficou resolvido depois daquela narrativa implacável de uma noite perdida num cinema perdido? E voltamos de que maneira! Guiados nada menos que pelo saudoso Eduardo Prado Coelho, um dos mais brilhantes espíritos do nosso tempo. Bem, EPC sabia do que falava, o pai, Jacinto do Prado Coelho, alugava casa em S. Martinho (lembro-me bem dela). Nos anos 40 e 50, S. Martinho deve ter sido uma espécie de S. Pedro de Moel, procurada por artistas e intelectuais, defendendo a qualidade e equilíbrio da ocupação urbana, tirando partido de uma excepcional vantagem paisagística. Todas a costa Oeste sofreu desde os finais da Idade Média um processo inexorável de assoreamento e a baía de S. Martinho não fugiu à regra. O mar foi recuando desde Alfeizerão (porto ligado à construção naval ainda no século XV e XVI) até à pequena concha que hoje conhecemos. A actividade piscatória foi enfraquecendo e a projecção económica dos três portos (além dos dois já mencionados, Salir) diminuindo. De qualquer modo, lembro-me de ver a baía com barcos de pesca ancorados e assistir à descarga de peixe no cais de S. Martinho. Quando o mau tempo assolava a Nazaré, os barcos aqui registados procuravam refúgio em S. Martinho. A perda de importância portuária da zona encontrou alternativa no turismo. Para isso muito contribuíu a linha de caminho de ferro do Oeste, inaugurada em 1887. A linha do Oeste, prolongando a linha de Lisboa a Torres Vedras até Alfarelos (onde encontrava a linha do Norte), servia as termas das Caldas e a praia de S. Martinho. Nas duas décadas finais do século XIX e primeira metade do século XX, S. Martinho integrou a oferta turística caldense, que dispunha no mesmo “pacote” de termas e praia amena, distantes entre si uma dezena de minutos de combóio. Os médicos das termas receitavam banhos no Hospital aos avós queixosos de reumático e aconselhavam banhos de mar aos netos esquálidos. Quando se criaram, na década de 20, os primeiros estabelecimentos de saúde pública na região, as consultas de saúde infantil orientavam as crianças para S. Martinho. A “descoberta” da Foz por parte dos caldenses e das classes médias caldenses foi mais tardia. Desse ponto de vista, a descrição que aqui foi feita de um acampamento junto à Lagoa, é elucidativa. Em meados dos anos 60, as classes médias caldenses, se queriam ir para a Foz, tinham de se instalar num improvisado Parque de Campismo, desprovido de equipamentos. De facto, penso que foi só a partir dessa altura que a Foz do Arelho adquiriu um favor crescente entre os caldenses, destronando a preferência anterior por S. Martinho. Foi desde essa altura que deixou de se ouvir falar com tanta insistência na pretensão de anexar as freguesias de Alfeizerão a S. Martinho ao concelho das Caldas, um projecto acalentado de ambos os lados, desde pelo menos 1895. A transição de S. Martinho para a Foz (no meu caso, fui para S. Martinho durante a instrução primária, aliás a conselho médico, e para a Foz quando entrei no ERO) não foi, no entanto nem linear, nem absoluta. Mesmo os mais apaixonados pelo ambiente, diríamos hoje “radical”, da Foz, não deixavam de manter alguma atenção sobre o que se passava em S. Martinho. Geração da modernidade como queríamos, partilhando com os jovens de outros mundos gostos e costumes, sabíamos que os ares cosmopolitas corriam mais ágeis e frescos em S. Martinho. Pois! Quem não se recorda da força atractiva que nos puxava para S. Martinho? Davam pela designação genérica (e mítica) de “belgas”... |
As lições do meu Tio | |
O meu Tio anunciava-se em finais de Agosto. Talvez se lhe tivesse esgotado o orçamento pessoal de férias quando rumava às casas das irmãs casadas, uma na Amora (Seixal), outra no Carvalhal Benfeito (Caldas da Rainha). Trazia sempre uma pequena agenda de contactos e um programa de actividades que me era destinado. Os contactos deviam ter origem em Lisboa e incluíam algumas teenagers caldenses ou que passavam o Verão nas Caldas. Perscrutava minuciosamente as deslocações do meu Pai à cidade, negociava com ele horários e, dessa forma, despachava a sua agenda. O resto do programa era ocupado com a minha educação. O meu Tio sempre levava esse tema muito a sério. Passava em revista e aconselhava leituras, falava de assuntos “sérios” e narrava histórias de pessoas e sítios distantes, comentava atitudes, corrigia a linguagem, induzia comportamentos e pontos de vista sobre o mundo. Sempre chegava com uma novidade em que considerava fundamental iniciar-me. Naquele ano foi o twist. |
João Vieira Pereira, médido e jornalista | |
Menos conhecida é a faceta de jornalista deste médico nascido há 100 anos. Foi director do jornal O Progresso , um semanário que se publicou aos Domingos, entre 18 de Agosto de 1946 e 3 de Agosto de 1947. Como se pode ver na imagem da primeira página do primeiro número, a equipa de colaboradores do jornal incluía ainda Acácio de Sotto-Mayor, Felix da Cruz, Maia de Faria, António Moreira da Câmara, Dario Preto Ramos, Eurico Bonifácio da Silva (o meu pai), Marques da Silva, J. Vieira Lino, Justino Moreira, Leonel Sotto-Mayor e Victor Coelho. |
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No seu primeiro editorial, João Vieira Pereira indica os propósitos do periódico: reagir contra a decadência que se encontra a posição das Caldas e região e contribuir para a elevação do nível cultural da população. "Não se vá pensar" - escrevia - "que o nosso papel crítico vai incidir num derrotismo por sistema, e sabemos bem que compete também à crítica louvar e aplaudir. O que pretendemos e o que ambicionamos. o título do nosso jornal o diz na simplicidade de uma só palavra" [Progresso]. O Dr. Vieira Pereira considerava que as Caldas bem se podiam orgulhar dessa nova instituição de saúde e assistência, de que foi seguramente um dos pais fundadores. Colaborou na sua concepção e planeamento, no equipamento das instalações e provavelmente no seu financiamento, conhecida a sua generosidade e o seu proverbial desprendimento. |
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O Lisbonense na década de 10 do século XX | ||
A propriedade "Grande Hotel Lisbonense" era assim caracterizada na década de 10: Edifício principal: Cave - 25 divisões Rés-do-chão - um salão, uma grande casa de jantar, 9 quartos, casa de entrada, casa do porteiro, 2 casas de banho, uma retrete, uma saleta, escritório, copa e casa de jantar (pequena) 1º andar - 30 quartos, uma casa de banho e 2 retretes 2º andar - 31 quartos e 2 retretes 3º andar - 31 quartos e 2 retretes Anexo Rés-do-chão - 14 divisões 1º andar - 21 divisões e 2 retretes Sótão - 10 divisões e 2 retretes Seguimento do anexo Garagem Cavalariças Grande barracão para arrecadações Celeiro Com 2 divisões, telheiro e eira Vacaria Casa ampla para 4 vacas Azenha Casa da azenha, rés--do-chão e 1º andar com 4 divisões cada, e anexo um telheiro e 3 divisões Capoeiras e pombal 5 divisões e pátioresguardado a rede Fossa Para lavagens de limpezas de automóveis Casa de motor - uma divisão |
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Total de divisões - 220
Documento do espólio do Dr. Martins Pereira, médico do Hospital Termal, proprietário da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, que adquiriu em 1908. |
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Verão de 1969. João Jales | |
E o Verão é mesmo muito curto! Os dias na Foz eram passados em intermináveis conversas sobre a chegada da Apollo 10 à Lua (tinha sido em Julho, incredulamente encarada por alguns) mas também sobre os últimos discos dos Beatles ("Get Back", "Ballad Of John And Yoko"),especulações sobre se o lançamento do single "Give Peace A Chance" por John Lennon no princípio de Julho prenunciava o fim dos Fab Four (prenunciava mesmo). "Mais populares que Jesus Cristo" os Beatles eram um assunto importante, nunca antes ou depois um grupo musical teve tal influência na forma de viver, pensar, vestir e agir da juventude. Eu esperava ansiosamente a saída do LP "Abbey Road", anunciada para Setembro. Tenho uma ideia de tentar perceber, das conversas dos mais velhos, o que significavam as demissões de De Gaulle em França e Dubcek na Checoslováquia, amplamente relatadas na imprensa nacional, sempre empenhada em mostrar a "agitação" que se vivia no estrangeiro por contraste com a "paz e ordem" nacionais. A RTP tinha dedicado um "Títulos de Caixa Alta" precisamente à Checoslováquia, onde pela primeira vez ouvi o "Hino a Jan Pallach", uma canção da ultra-direita portuguesa (normalmente pouco dada às artes musicais...). Tudo isto era tema de conversa no círculo dos meus pais, mas eu era novo de mais para compreender o que se passava. Soube, com espanto, que a minha Mãe tinha simpatias monárquicas quando a ouvi, nesse Verão, aplaudir a nomeação, por Franco, de Juan Carlos para seu sucessor. Para mim, isso dos reis era coisa do passado. Para o meu Pai também, pelo que fiquei a conhecer "ao vivo e em estereo" os diversos argumentos da polémica monarquia/república. [http://externatoramalhoortigao.blogspot.com] |
Noite extraordinária (12 de Agosto de 1957) | 12 de Agosto |
Foi arrancado ao sono por um chamado insistente. Tinha o sono pesado, próprio de um rapazito de 8 anos, e certamente levara algum tempo até despertar por completo. Agora estava sentado na cama, um pouco inquieto, quando ouviu de novo a voz que lhe pareceu da mãe. O chamado era entrecortado, como se ela respirasse com dificuldade. Abriu a porta e entrou no corredor. Viu luz no quarto dos Pais e disse: estou aqui, Mãe. A porta estava encostada mas ele não chegou a empurrá-la porque a Mãe lhe ordenou: não entres aqui, vai depressa chamar a tua Avó. Nem um momento duvidou de que a situação era grave. Qualquer coisa naquela ordem da Mãe lhe dizia que não havia tempo a perder. Mas o problema aí estava: como ir sozinho de noite a casa dos Avós? A distância não era grande, percorrida de dia, mas àquela hora parecia-lhe impossível de vencer. Calçou os chinelos e foi até à cozinha. Abriu a porta da rua e perscrutou a noite. Depois de jantar dera uma volta com os Pais no caminho em frente da casa. Estava uma noite quente, era Agosto, de luar cheio e luminoso. Mas, entretanto, a lua tinha-se deixado ocultar e tudo lhe pareceu impenetravelmente escuro. Desceu as escadas e tomou o caminho até às adegas e abegoarias. Ia devagar, para não sair do centro do caminho e dar tempo a que os olhos se habituassem à escuridão. Ia atento aos mínimos ruídos. Entre as abegoarias, havia um serra da estrela, preso, cuja corrente corria ao longo do pátio. Chamou-o: Tejo, sou eu, bom cão, sou eu, com medo que o animal o não reconhecesse. O Tejo surgiu de repente e deu-lhe um encontrão amigável, mas ele estremeceu de susto, antes de respirar de alívio. Havia, a seguir, uns galinheiros semi-abandonados que lhe pareceram particularmente ameaçadores. Vinha depois uma ponte, que atravessou ansioso sabendo que, ultrapassado aquele ultimo obstáculo, poderia embalar a correr na descida só parando em casa dos avós. Quando chegou aqui estava ofegante, mas recuperara a confiança. Tinha ainda de vencer um último obstáculo: ser ouvido por alguém da casa. Bateu à porta e chamou. Bateu também nos vidros e chamou. Foi o avô, de sono mais leve, que o ouviu. Veio pela marquise, com um candeeiro a petróleo na mão, tentando ver através dos vidros quem é que estaria a chamar àquela hora. Éich tu, rapache? Diche lá o que se passa (o avô era beirão e não perdera o sotaque apesar das várias dezenas de anos de aculturação estremenha). É a minha mãe, disse o rapazito. Pediu para chamar a Avó. A Tia, solteira ainda, levantara-se também e vestira um roupão para vir à marquise. Vieste sozinho? perguntou. Rapaz corajoso, deves estar cansado. Vou-te fazer um chá de tília. Em casa daqueles avós bebia-se chá de tília a seguir às refeições e em todos os momentos em que era justificado disponibilizar algum conforto. Enquanto esperava o chá, o miúdo viu a Avó, já vestida, reunindo panos, um alguidar, diversos utensílios, antes de sair para a noite na companhia do Avô. Agora vens comigo, ordenou a Tia. Ele sentiu-se, finalmente em sossego, naquela cama relativamente estreita com a Tia ao lado, velando pelo seu sono. Adormeceu. Foi despertado pela vozearia no corredor. Já devia ir alta a manhã. A Avó estava de regresso e sorria para ele da porta do quarto. A minha mãe? perguntou. Está bem, respondeu. E já lá tens uma irmazita. |
Imagens comentadas. 5 - A Rainha (1935) | ||
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As colchas nas janelas, o povo apinhado no largo com as crianças à frente, as pessoas que subiram à zona das mansardas em busca de um melhor ponto de observação são os elementos que dão a perceber, sem qualquer dúvida, que é de uma festa que se trata. Festa cívica, pois assim se homenageava a Rainha Fundadora. Estávamos em 15 de Setembro de 1935. |
Lisbonense | ||
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Imagens comentadas. 4 - Na confluência das Avenidas | ||
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Por definição, a fotografia mostra um fragmento do real. Empunhada lá de cima, quase na vertical, a câmara registou a primeira surpresa da fotógrafa: a pequena mancha vermelha do automóvel sobressaindo de uma tela azul saturada de riscos e em contraste com um chapéu de chuva "pintado" de branco. |
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Margarida Araújo, Red. |
Memórias dos anos 60 - Do outro lado do espelho | |
Agora que se anuncia o termo deste Diário [vide Diário de 9 de Junho publicado em http://externatoramalhoortigao.blogspot.com/] que o JJ em boa hora encontrou "num sótão muito húmido", tomo coragem e peço licença para comentar. A leitura deste dia 9 foi para mim absolutamente surpreendente. Voltei atrás, ao meu 6º ano de ERO. Imaginei-me como a personagem descoberta por JJ, um diarista. Procurei reconstituir a situação e confesso a enorme perturbação em que me achei. [Originalmente publicado em http://externatoramalhoortigao.blogspot.com/] |
Memórias dos anos 60 - I: O "Sinaleiro" (uma noite de Setembro de 1966) | |
- Tens onde ficar? perguntou-me o Zé Tó, já devíamos estar perto das 2 da manhã. O "Inferno" acalmara. No piso inferior, havia três grupos na cavaqueira. O dos professores primários, um grupo de amigos e familiares dos donos da casa e o dos estudantes universitários. Eu deambulara entre eles. Tinha vindo com o capitão Aventino Teixeira, que encontrara na Zaira ao fim da tarde e com quem combinara ir à noite à Azenha. Tema da conversa: a Faculdade de Direito de Lisboa, onde ambos acabáramos de entrar. Como aluno voluntário, o Aventino queria saber se eu já tomara contacto com os programas e adquirira sebentas e códigos. Estávamos em Setembro. Dentro de pouco tempo a minha vida sofreria uma grande mudança. [Originalmente publicado em http://externatoramalhoortigao.blogspot.com/] |
O "Sinaleiro" |
Os Lusíadas do Século XX | ||
Escolhi um livro para corresponder ao repto da Isabel Castanheira, após muita hesitação. Para ser sincero, não consigo encontrar um livro que se possa impor a todos os outros, que tenha tido um lugar cativo nas minhas preferências ao longo da vida. Como esta já vai quase em seis décadas e os livros sempre fizeram parte dela, ou como pura fonte de prazer ou como instrumento de trabalho profissional, compreende-se que a escolha seja quase impossível. Recordo muitos livros que ganharam um estatuto especial, pelos mais diversos motivos. As séries de romances dos "Cinco" ou de "Emílio Salgari", por exemplo, dominaram as minhas leituras de adolescente. Mas na juventude descobri a grande literatura e deixei-me seduzir pelos romances de Eça, Tolstoi, Scott Ftzgerald, William Faulkner e Sommerset Maugham. Hoje, porém, tirando o primeiro nome desta série, não releio os livros destes autores. Já o mesmo não se passa com os poetas, a cujos livros - ou mesmo só a um poema - regresso em certos momentos, correspondendo a um apelo inexplicável. Neste caso, estão poetas que me acompanham desde sempre, como Pessoa, Eugénio de Andrade e Herberto Helder, outros que entraram mais recentemente, como Fernando Pinto do Amaral, outros ainda que alternam com longas ausências como José Gomes Ferreira, Alexandre O'Neill ou Pablo Neruda. |
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Olhando para as estantes onde acumulei os resultados de aquisições, quase obssessivas, poderia apontar livros a que atribuo um valor singular, sentimental ou científico: na área da cerâmica como na da história contemporânea, na área dos estudos locais como no dos estudos urbanos, na área da fotografia como no dos livros de memórias. |
Imagens comentadas. 3 - O rossio caldense às 10h30. | ||
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Uma centena de anos, praticamente, nos separam deste rossio caldense que um autor anónimo registou (Júlio Paramos?). Uma distância imensa! |
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[Bilhete Postal Ilustrado, "Praça D. Maria Pia", 1903. Colecção de J. Saloio] No verso do postal, editado por Paulo Guedes & Saraiva, Rua do Ouro, 80, Lisboa, está escrito. Para "Jerónimo Silva/ Hotel da Belavista/ Termas de Caldelas.19 -8-06. Parabéns e um abraço pelos teus anos a 21. Recebi postal que agradeço. Amanhã parto para a digressão. Escreverei. Um abraço. Leitão". Laconicamente.
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Rendas de Peniche na Exposição Universal de Paris 1889 | ||
As rendas de bilros de Peniche foram levadas ao Pavilhão de Portugal na Exposição Universal de Paris de 1889. E foram distinguidas com medalhas. Fonte: A. E. F. de Cavaleiro e Sousa,
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Imagens comentadas. 2 - Abril no Quartel das Caldas (1974) | ||
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Quarenta dias antes (a 16 de Março), o País fora acordado com a notícia de uma sublevação no quartel das Caldas. A cidade, passadas as primeiras horas de surpresa e alguma ansiedade, começou a olhar para aquele quartel onde se administrava a recruta a futuros sargentos com uma curiosidade diferente. Interpretando os sinais que dantes tinha negligenciado (sinais de desafectação em relação ao regime, de cansaço de sucessivas mobilizações para a guerra de África, de solidariedade para com os chefes afastados - Spínola, Costa Gomes), espreitando os movimentos de oficiais (os que saíam repentinamente, os que chegavam de novo). |
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Carlos Gil, Manifestação no RI5 (1 de Maio de 1974). Colecção particular |
Peniche, 1860 - Carta de D. Pedro V ao Marquês de Loulé | ||
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O monarca acaba de fazer uma visita a Torres Vedras e Peniche. Dá conta de alguma observações que fez ao Marquês de Loulé, que chefia o Governo. No caso de Peniche, a carta contem preciosas informações: sobre os conflitos entre o Governador da Praça e o comando de Engenharia, sobre a necessidade de reparar a muralha e de fazer do fosso um porto de refúgio dos barcos de pesca. Francisco Fortunato Queirós, D. Pedro V eo seu Pensamento Político. Vol II - Cartas para Marquês de Loulé. Porto 1974. p. 164-166. |
Imagens comentadas. 1 - Mariscadoras da Lagoa de Óbidos | ||
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Em frente, a margem do Bom Sucesso, quando a arborização ainda dominava a natureza cujo equilíbrio o homem não ousara romper. |
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Joaquim António Santos Silva, Lagoa de Óbidos, sem data
(colecção particular) |
Mercado, rossio, praça das Caldas da Rainha | |
Na evolução histórica dos centros urbanos, os rossios começaram por ser espaços de mercado situados em terrenos baldios, relativamente periféricos [1] . A articulação do rossio com a área habitacional fazia-se através de uma rua habitualmente designada por Rua Direita (e da qual por graça se diz que é a rua mais torta da vila ou cidade). O crescimento urbano, sobretudo pós-medieval, absorveu os rossios conferindo-lhes uma centralidade de que não dispunham originalmente. [1] Orlando Ribeiro, "Cidades", in Dicionário de História de Portugal , dir. de Joel Serrão, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971. [2] O novo edifício da Câmara fez parte de um conjunto de obras que D. João V encarregou Manuel da Maia de planear nas Caldas, em 1747. As obras foram iniciadas em 1749 (13 de Agosto) e, segundo inscrição da fachada, concluídas no ano seguinte. [3] A remodelação do Rossio, com demolição da Igreja de Nossa Senhora do Rosário (no topo fronteiro ao actual café Bocage) e do Pelourinho foi efectuada em 1834. [4] As obras de beneficiação do tabuleiro do rossio das Caldas - arborização e calcetamento - foram concluídas em 1883, conforme inscrição nos topos. Foram custeadas por donativo particular, no valor de 2 contos, por Faustino da Gama, grande proprietário rural na região. [5] O processo de transferência de parte do comércio da Praça Maria Pia (hoje da República) para a Praça Nova (5 de Outubro) iniciou-se em 1886. O tabuleiro desta praça teve desenho do mesmo autor do do rossio: Celestiano Rosa, um técnico de Obras Públicas, residente na Amoreira, Óbidos. Na Praça Nova começar-se-ia a edificação de um Teatro, aberto ao público em Setembro de 1900, o Teatro Pinheiro Chagas, cuja planta original pertenceu igualmente a Celestiano Rosa. Repare-se como a ocorrência de uma diversificação e transferência de espaços de mercado se reflecte na toponímia: a Nova Praça, a mais recente, remete sempre a antiga para uma situação nominal de Velha ... [6] A Rua do Jogo da Bola situa-se no prolongamento da Avenida que a partir de 1887 ligará a vila das Caldas à estação do caminho de ferro, o meio de comunicação e transporte que revolucionou a articulação das Caldas com Lisboa e o resto do País. [7] Um dos projectos formulados pelos dirigentes locais republicanos com particular impacte no era o de construír um novo Palácio Municipal no local conhecido por Pinheiro da Rainha, ao cimo da Rua do Chafariz das 5 Bicas (Rua Diário de Notícias). Este edifício ficaria a dominar uma larga avenida rasgada desde o Largo Conde de Fontalva (onde se encontra a estátua da Rainha), passando pelo velho rossio. Por diversas vezes, ao longo do século XX, este projecto seria retomado, felizmente porém sem lograr efectivação. |
Arqueologia da industria alimentar | |
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Boião de Conservas de Mexilhão da Casa Grandella. Provavelmente da segunda década do século XX. Faiança (fabrico da Fábrica de Sacavém ?) |
Um carbonário caldense de 1910 | |
A carta que a seguir transcrevo é um documento a muitos títulos interessante, com a qual me deparei no decurso de uma investigação que estou a realizar no arquivo de José Relvas, em Alpiarça. Relvas foi nomeado Ministro das Finanças do Governo Provisório empossado a seguir à revolução republicana do 5 de Outubro de 1910. Da volumosa correspondencia que consultei relativa a esse período, esta carta enviada por Carlos Ferreira, um funcionário da estação dos caminhos de ferro das Caldas, membro da loja Maçonica "Aurora", de Tornada, e da Carbonária Portuguesa, é deveras singular pelo teor e pelo estilo. Caldas da Rainha, 21-10-1910 |
Lagoa de Óbidos, 1898 | ||
A procura iconográfica, que realizei em Vila Viçosa para um trabalho em curso sobre Hintze Ribeiro, desvenda-me um album de fotografias do Rei D. Carlos, datada de 1898, sobre um passeio na Lagoa de Óbidos. |
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Camponesa dos arredores das Caldas da Rainha (1814) | ||
Legenda (tradução): L'Évêque, Portuguese Costumes . Londres, 1814.
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Camponesa de José Malhoa (1903) | ||
Malhoa encontrou na família Relvas da Golegã/Alpiarça apreço e admiração: primeiro o Pai, Carlos, ganadeiro e fotógrafo, depois o filho, José, agricultor, governante, grande coleccionador de artes plásticas e decorativas. |
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Louça das Caldas no Brasil | |
Conta José Hermano Saraiva, então embaixador no Brasil, um jantar/magusto que ofereceu no jardim da sua casa a jornalistas brasileiros. Como não era adequado usar a louça Companhia das Indias da embaixada, veio às Caldas da Rainha e na Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro encomendou três grandes caixotes de louça para uma refeição. Escreve nas suas Memória s que o Sol vem publicando ("6ª Década", p. 15): "A louça era das Caldas, cerâmicas muito vistosas: as folhas de couve, os cachos de uva, toda aquela fantasia dezanoviana do Rafael Bordallo Pinheiro. A Maria de Lourdes insistia delicadamente, dizendo que a louça das Caldas não pode servir em caso nenhum uma embaixada. Mas o certo é que teve um êxito extraordinário. Os meus convidados faziam à saída, gentilmente, o elogio da louça, e pediam para levar uma recordação. Alguns levaram duas ou três recordações. Naturalmente, cada um levou as que quis. Sempre que era possível, os empregados da embaixada lavavam a louça que estava servida, embrulhavam-na e entregavam-na a quem pedia. Mas muitos nem sequer pediam: metiam os pratos debaixo da roupa que vestiam e saiam apressadamente. Recordo que no fim de servir o jantar, da baixela que eu tinha comprado para duzentas pessoas, já só restava um centro de mesa tão grande e pesado que ninguém o levou. Esse extraordinário êxito da louça das Caldas numa festa de jornalistas foi para mim uma lição. Há riquezas em Portugal que nós desconhecemos". |
Património empresarial do século XX - Fichas | |
Contributo para um inventário das empresas que marcaram a história do século XX nas Caldas, com base em fontes orais. Agora: Seol, Frami e Capristanos. Outras se seguirão. | Seol |
Frami | |
Capristanos |
D. Carlos a banhos | |
O rei D. Carlos permaneceu nas Caldas durante quase todo o mês de Agosto de 1896. D. Amélia veio visitá-lo. A vila a ambos recebeu com as honras da praxe. Rafael Bordalo Pinheiro decorou os Paços do Concelho para receber a ilustre visita. O Futuro das Caldas, Semanário Independente, Noticioso, Agrícola e Literário, dirigido por Ricardo Vasques, e que se começou a publicar a 1 de Agosto, fez o relato das chegadas e noticiou alguns passos do monarca. | O Futuro das Caldas |
A Rainha nas Caldas | |
Sob que fomas a rainha fundadora está presente no património cultural caldense? Que vestígios do seu tempo e da sua acção reconhecemos e conservamos? Como é que a sua memória foi evocada e celebrada nos séculos seguintes? De que modo a criação artística contemporânea tem abordado o legado de Leonor? |
A Rainha nas Caldas |
Outras memórias de Peniche | ||
Livro lançado a 25 de Abril. Exposição de fotografias no Centro Português de Fotografia, no Porto. | ![]() |
Roteiro literário | |
O café Central Voltei ao café onde me levavam João Miguel Fernandes Jorge, Termo de Óbidos, Lisboa, Relógio d'Agua, 2006 |
Comentário ao Mapa de Peniche assinado por Pedro Teixeira em 1634 | |
" É muito interessante pois embora não tenha exactidão de pormenor (o Convento que apresenta não seria de "Santo António" mas de São Francisco - a localização da fortaleza em relação à vila não é correcta - não apresenta o "rio" de Atouguia que desaguava na lagoa, etc.) mas dá uma boa ideia do istmo na época" "Foi a primeira vez que vi atribuida a designação de "Santo António" ao antigo Convento de Peniche. Pertencia à Ordem Franciscana e a sua designação mais conhecida era de "Convento do Bom Jesus" ou "do Bom Jesus do Abalo". Curiosa é também a inscrição "Plataforma" situada a Sul do que seria a "primeira fase" do que é hoje a Fortaleza. Talvez com esta indicação se pretendesse aludir à criação de uma plataforma (então já executada mas recente) sobre um "carreiro" existente no meio dos rochedos sobre os quais assenta a Fortaleza e de que, certamente, conhece o respiradouro. É curioso também que o mapa não apresente o "Baluarte Redondo", tido como parte dos primeiros trabalhos de fortificação do local, mas sim um edifício que poderia ser a "torre" que deu o nome à antiga esplanada da Fortaleza (actualmente em obras), que já foi "Campo D. João IV" e hoje é oficialmente o "Campo da República", mas que toda a gente em Peniche continua a conhecer por "Campo da Torre". Carlos Sá (23 de Março de 2007) |
Peniche na obra de Figueira e Josefa? | ||
Mariano Calado defendeu a hipótese de serem de Peniche as rendas de bilros da túnica com que a pintora Josefa de Óbidos vestiu o Menino Jesus Salvador do Mundo em 1673. Recentemente (exposição Baltazar Gomes Figueira, 1604-1674. Pintor de Óbidos "que nos Países foi Celebrado" realizada em Óbidos, em 2005), o pintor Jorge Estrela viu nos dois quadros representando o mês de Março, da autoria, um, de Baltazar Figueira, o outro, de sua filha Josefa de Ayala, a figuração do porto e casario de Peniche. Cito: "Pesem outras opiniões em contrário, a cidade fortificada é Peniche, num período que precede de pouco a intervenção de Nicolau Langres, no final de Seiscentos, e deixa adivinhar a silhueta medieval. A volumetria, que em Baltazar aparenta seguir a realidade, origina em Josefa uma construção ideal amplificando o modesto casario de Peniche. (...) A pintura de Josefa mostra um acontecimento festivo, com grandes navios ao largo, uma galera engalanada, e a agitação de pequenos barcos junto à porta da entrada da vila. Várias leituras, nem sempre concordantes, tentaram interpretar essas movimentações. A última versão de Vitor Serrão, que supõe que os festejos são uma evocação alegórica do estabelecimento da paz com a Espanha, decidido nas Cortes em Março de 1668, parece resolutamente explicativa". Vitor Serrão, no catálogo da exposição Josefa de Óbidos e o Tempo Barroco (2ª ed. 1993), afastara a hipótese Peniche, anteriormente defendida por Reis Santos. Cito igualmente: "Não deve trata-se de uma perspectiva da vila de Peniche, a partir da praia do Baleal, como não cremos também (como adiantou Hernández Díaz) que seja uma vista da praia de Lisboa. Tratar-se-á de uma perspectiva fantasiosa, quanto ao desenho do casario e quanto ao fundo acastelado, e reforçada por apontamentos de visu nos trechos movimentados de figurinhas e de embarcações, nesse caso quiçá segundo apontamentos "ao natural" da Lagoa de Óbidos ou da Foz do Arelho". |
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Baltazar Gomes Figueira, Mês de Março, c. 1645-1650
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Josefa de Ayala, Mês de Março, 1668
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Peniche em 1634 | ||
Em 1622, o rei Filipe IV incumbiu um jovem cosmógrafo de elaborar um roteiro completo das costas dos seus reinos de Espanha e Portugal. Para cumprir este encargo, não bastaria efectuar uma compilação das informações disponíveis sobre os portos e cidades mais importantes, seria necessário realizar observação directa e local. Tarefa gigantesca que se considerou dever ser executada com um critério unitário, motivo pelo qual foi atribuída a um único especialista. O resultado da empresa tinha sido considerado perdido, esbatendo-se a própria autoria. Descoberto recentemente na Hofbibliothek em Viena, verificou-se que o trabalho tinha sido elaborado pelo cosmógrafo português Pedro Teixeira, nascido em Lisboa em 1595 e falecido em Madrid em 1662. Até agora, Pedro Teixeira - que trabalhou para Filipe III e Filipe IV, ao longo de quatro décadas - era sobretudo conhecido pela autoria do mapa da cidade e das instalações da corte de Madrid de 1656 ( Mantua Carpetatorum ). Membro de uma família de cartógrafos, filho de um cosmógrafo-mor, neto de um chanceler-mor do Reino de Portugal, e irmão de outro cosmógrafo, Pedro Teixeira realizou, desde 1618, levantamentos cartográficos importantes como a dos estreitos de Magalhães e São Vicente e outras missões de reconhecimento em Itália, França, Gibraltar, Norte de África, e naturalmente, em Espanha. |
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Peniche no Atlas |
Introdução à história das Caldas da Rainha: cronologia | |
1. Antes da fundação (1222-1483) | 1222 - 1483 |
2. Fundação ( 1484-1532) | 1484 - 1532 |
3. Estabilização (1533-1705) | 1533 - 1705 |
4. O século das reformas (1706-1799) | 1706 - 1799 |
5. As termas da moda ( 1800-1896) | 1800 - 1896 |
6. Das termas à cidade (1897-1931) | 1897 - 1931 |
7. História recente (1932-1974) | 1932 - 1974 |
Publicado originalmente em João B. Serra, Introdução à História das Caldas da Rainha, 2ª ed., Património Histórico -Grupo de Estudos, 1995 | Cronologia 1222-1974 (pdf) |
Caldas da Rainha: | |
Guião | |
Na segunda metade do século XIX, quando "mudar de ares", no Verão, entrou nos hábitos das elites urbanas, Caldas da Rainha tornou-se um destino quase obrigatório. Além da família real, com residência dedicada na vila, nomes sonantes da política, dos negócios, da vida intelectual, ali permaneciam duas semanas entre finais de Julho e princípios de Setembro, em hotéis, pensões, casas alugadas. A imagem que das Caldas se construiu então, e perdurou pelo século XX, é em boa medida uma imagem literária, alimentada pelo encanto, pela ironia, pela nostalgia dos nossos escritores (a título de exemplo: Júlio César Machado, Pinheiro Chagas, Eduardo Coelho, Fialho de Almeida, Abel Botelho, Manuel de Sousa Pinto, Augusto de Castro, António Ferro, Luís Teixeira). |
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e Guia | |
Caro visitante: a breve introdução histórica que acaba de ler despertou-lhe o interesse em (re)conhecer as Caldas da Rainha? Isso significa que está disponível para percorrer a cidade, descobrir os sinais do tempo, dialogar com aqueles que a construíram no passado e que a fazem hoje, eventualmente participar na identificação das opções e desafios que se colocam ao seu futuro.[...] |
CR Guião e guia |
Paredes de Louça | |
A utilização do azulejo como material de revestimento de fachadas pelos proprietários de edifícios generalizou-se nas Caldas da Rainha no último quartel do século XIX. O período caracteriza-se, aliás, por um surto construtivo, induzido pelo significativo reforço da capacidade de atracção populacional da vila, bem como pela ocorrência de mudancas significativas na oferta local de cerâmica, com a adopção de novas tecnologias e modelos e o lançamento no mercado de novos produtos. Desde então, embora com frequência e ritmo desiguais, não mais o azulejo deixou de assinalar a sua presenca no aglomerado urbano. Em 1993, a associação Património Histórico - Grupo de Estudos editou um trabalho onde se repertoria essa evolução até aos nossos dias. Sobre um levantamento que se pretendeu exaustivo de casos, contemplando não apenas os revestimentos azulejares de fachada, com alguma cerâmica parietal de feição escultórica, operou-se uma selecção segundo critérios de representatividade e exemplaridade. A pesquisa foi realizada por Margarida Araújo. O registo de imagem deve-se a Joaquim António Silva. A acompanhar essa edição, hoje esgotada, foram distribuidos 9 postais que a seguir se reproduzem.
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Azulejo Secla (Ferreira da Silva). R Cândido Reis, 33
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Azulejo de padrão "Quinta da Bacalhoa". P. 5 Outubro, 48
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Azulejo de padrão "Folha". R. Almirante Reis, 34
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Azulejo de padrão "Arte Nova". R. Gen. Queirós, 46
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Azulejo de padrão "Gafanhotos". Museu Cerâmica
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Azulejo de padrão.R. Cor. Andrada Mendoça, 16.
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Azulejos de padrão. R. Heróis G. Guerra, 65
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Painel "Bombeiros" (Herculano Elias). R. 31 Janeiro
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Friso "Arte Nova".R. Miguel Bombarda, 53
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A produção do Oeste | |
Esta área especializada de produção de vinho foi articulada entre si e com a capital no final da década de 1880, através do caminho de ferro. Depois das linhas do Leste (1863) e do Norte (1864), a linha do Oeste, partindo de Lisboa, chegou a Torres em 1886, a Sintra em 1887, e à Figueira da Foz em 1888. De facto a linha tornou mais cómodas e rápidas as deslocações, mais baratos os transportes de pessoas e mercadorias. Ela foi criada para servir o turismo das praias e das termas da região (de Mafra e Torres às Caldas e Alcobaça), a indústria e as frutas (Caldas, Alcobaça) e a saída dos vinhos destinados ao abastecimento de Lisboa e dos mercados coloniais. Mas também ofereceu a toda uma região um eixo estruturante, com os seus apeadeiros e as suas estações, os seus armazéns e cais de embarque e desembarque, em suma um sistema de circulação. Esse eixo tem como polo orientador Lisboa e é tanto mais coerente quanto essa proximidade se faz sentir activamente. |
Do hospital à cidade | |
A fundação, em 1485, do Hospital das caldas de Óbidos inscreve-se num novo modelo de assistência, de que há outros exemplos no País, e numa reformulação de conceitos terapêuticos cuja prioridade para as Caldas da Rainha tem sido destacada. Com as suas 7 enfermarias e 110 camas, este Hospital foi um dos maiores do seu tempo, só ultrapassado precisamente pelo da capital do Reino. Distingue-se porém de todos os outros pela circunstância de recorrer a "uma só medicina de banhos". | Comunicação (pdf) |
Imagens da cidade | ||
O bilhete postal ilustrado, as revistas, guias e folhetos turísticos, os cartazes promoveram uma imagem da cidade: elegeram os pontos fortes, exploraram os elementos de atracção, apontaram o que consideravam pitoresco, orientaram as preferências de visitantes e influenciaram o olhar dos próprios residentes. Esta imagem, capa de um Guia Turístico editado em 1955, é da autoria de Hansi Stael, artista de origem húngara, nascida em 1912 e que trabalhou para a fábrica Secla entre 1950 e 1956. Stael, que trouxe movimento e cor à pintura de faiança - ficaram célebres os seus pratos com cenas populares do mercado e da vida piscatória - desenhou aqui um cartaz alusivo à região e aos seus produtos mais emblemáticos (Óbidos, Alcobaça, Batalha, Nazaré, Foz do Arelho), representando as Caldas através de uma camponesa que vende fruta (e peixe) na Praça . |
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Lagoa de Óbidos e a Foz do Arelho | |
Em 2004 participei num Seminário promovido pela associação Nostrum, organizado por Maria João Carvalho, sobre o "Sistema lagunar costeiro da Lagoa de Óbidos". Reencontrei o guião da intervenção, reli e actualizei a bibliografia e juntei-lhe imagens do precioso espólio fotográfico de Fernando Daniel de Sousa. Viajo entre uma lagoa de camponeses/pescadores-mariscadores e uma lagoa de turistas e de turismo, entre o povoamento num recesso defendido (a aldeia da Foz do Arelho) e o empreendimento que se debruça sobre o mar. | Resumo Seminário |
Apontamento histórico | |
Imagens da cidade | ||
António Duarte é o autor desta capa de um desdobrável editado pela ROTEP sobre as Caldas da Rainha, em 1955. Nasceu em 1912, nas Caldas da Rainha, onde frequentou a Escola Industrial e foi aluno de mestres ceramistas, como Francisco Elias. Diplomou-se pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, onde foi professor titular da Escultura. Tem uma vasta obra como retratista e e autor de obra pública. Legou á sua cidade um acervo de maquetes, estudos e algumas peças suas, além de um espólio bibliográfico e uma colecção de arte sacra. |
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