A Região de Leiria: Identidade e Desenvolvimento * João B. Serra ** |
1. Aceitei com o maior gosto o desafio intelectual de apresentar este trabalho coordenado pela Professora Alda Mourão e editado pelo Instituto Politécnico de Leiria. Oportunidade do tema, mérito da iniciativa editorial do IPL, qualificação da equipa redactora à frente da qual está uma professora e investigadora que recebe a admiração e estima dos seus colegas, entre os quais me incluo. Um apresentador de uma obra é antes do mais alguém a quem foi dado o privilégio de a ler antes do público em geral. Nesse sentido, o que se lhe pede é que transmita aos potenciais leitores as suas notas de leitura, lhes apresente um roteiro compreensivo dos elementos que a compõem, em suma lhes avive os motivos para atentar na obra em apreço. É o que tentarei fazer. 2. O livro abre com uma identificação da região de Leiria no plano geográfico-administrativo. Ocupou-se deste capítulo a Professora Graça Poças Santos. A região de Leiria é aqui definida pelos concelhos que compõem o distrito, acrescentados do concelho de Ourém. A autora refere-se em primeiro lugar às redes de comunicações e transportes que articulam (desigualmente) o território, para em seguida passar em revista as diversas modalidades de agregação do espaço, segundo o critério religioso, estatístico, judicial, municipal, turístico, educacional, de saúde. Critérios que parcialmente se justapõem, sem coincidiram. Trata-se de uma região com acentuado dinamismo demográfico, verificável sobretudo depois da década de 1960 e do surto migratório que nela se inscreveu, quando o afluxo de populações vindas do exterior praticamente duplicou os efectivos populacionais em duas décadas, as décadas finais do século XX. Uma análise mais pormenorizada revela porém que os comportamentos demográficos concelhios são distintos, e que o dinamismo de uns se contrapõe à estagnação de outros; a população concentra-se nuns e rarefaz-se noutros; a parte da população envelhecida também é mais pesada nuns concelhos que noutros. Na demografia, a região (como o país) anda a duas velocidades. No plano das actividades económicas reveladas pelas estatísticas, os indicadores estudados pela Professora Graça Poças Santos mostram que a região de Leiria assistiu nas últimas décadas a uma deslocação da sua base económica - a agricultura - para a indústria e serviços. A população activa do sector primário é hoje inferior a 6%, enquanto o sector terciário ganhou preponderância. Mas, mais uma vez, os números da região não escondem realidades concelhias díspares: concelhos onde subsiste alguma ruralidade, a par de outros onde a terciarização impera, ou onde a indústria oferece um bom desempenho. Concelhos onde a mobilidade intersectorial é mais significativa e rápida que noutros. A Professora Dina Duarte Alves guia-nos numa trajectória da presença humana na região desde a pré-história até à formação de Portugal. Situa Leiria nesse contexto histórico de afirmação de uma entidade autónoma, um processo político complexo que é posto em marcha no século XII e em certo sentido só se dará por concluído no século XVII. Nele, a cidade de Leiria teve um papel político fundamental, da mesma forma que o mosteiro de Alcobaça o teve no domínio económico e social, e eventualmente Óbidos o desempenhou igualmente, como grande senhorio da Casa das Rainhas que foi. O contexto industrial dirigido segundo a inspiração mercantilista no século XVII é objecto de particular atenção, centrada no caso da indústria vidreira da Marinha Grande. Da evolução histórica dos séculos XIX e XX - um processo que titulou de "identidade contemporânea" - se ocupou a Professora Alda Mourão Filipe. Trata-se efectivamente do tempo no qual se tecem as solidariedades do distrito: as trocas comerciais entre concelhos, a especialização e complementaridades produtivas, as malhas viárias regionais, as redes de influência e poder político, o empresariado da região com as suas articulações nacionais e internacionais, os dinamismos urbanos e a criação e transmissão de saberes. Estes três últimos elementos da construção de uma identidade regional foram convenientemente sublinhados: o empresariado, o dinamismo urbano e o sistema de ensino. Centrando a sua análise na história de Leiria, a Professora Alda Mourão pôs em evidência o papel do empresário, não só na liderança económica como na intervenção cívica e política, e mostrou como o urbanismo absorveu as mudanças sociais e económicas ocorridas a ritmo muito rápido neste período. Finalmente a Professora Dina Duarte Alves traçou a evolução do ensino na região, dedicando uma menção especial ao ensino politécnico que celebra agora os seus 25 anos. A obra é ilustrada, em quantidade e qualidade, com fotografias da autoria de Joana Soares. Completam-na diversos gráficos e quadros e anexos estatísticos e bem assim a indicação de fontes e bibliografia. 3. Este livro oferece pois um retrato de uma região. Um retrato que não se limita a ser objectivo e actualizado - o que já seria bastante - é informado e inteligente. Guia-nos através duma reconstituição de trajectos históricos e propõe interpretações apoiadas da evolução recente e sugere, com prudência, pistas para o futuro. Um retrato com elementos bastantes para constituir um Bilhete de Identidade do Distrito de Leiria, nalguns dos seus traços. Certamente por isso, a palavra identidade encabeça o título desta obra. Mas é precisamente neste ponto que peço licença para, abusando um pouco do privilégio do apresentador, deixar aqui uma breve uma nota para uma discussão que acredito se justifica. Para quem, como eu, aborda o tema da identidade regional a partir do "métier de historien" e duma experiência regional descentrada, Leria surge como um dos casos em que a percepção de uma identidade unitária, apresentada como um dado histórico (ponto de chegada e ponto de partida) é mais questionável. O espaço regional basicamente formado pelo distrito de Leiria é talvez daqueles a que mais parece ajustar-se o plural que o singular: identidades em vez de identidade. Não quero ser injusto e favorecer a ideia de que o livro coordenado pela Professora Alda Mourão Filipe não dá conta das diversidades e contrastes existentes na região. Aponta-as e explica muitas delas. Mas não lhes confere, aparentemente pelo menos, o estatuto de identidades. Compreende-se que assim seja, dir-me-ão (ou dir-me-á a Professora Alda): é um problema de escala ou de grelha de análise. Mas se o argumento da escala valer na discussão, então talvez fosse talvez mais operativo partir da escala da região geográfica cujos limites têm sido proficientemente discutidos por Amorim Girão, Orlando Ribeiro, Jorge Gaspar e outros. O que pretendo dizer é que a identidade é o resultado de uma construção histórica, um processo complexo, o resultado do confronto (a afirmação da identidade exige um outro, do qual nos distinguimos) e da composição (este termo é propositadamente retirado de um dos mais estimulantes ensaios históricos do Professor José Mattoso, aliás um leiriense ilustre - "Identificação de um País@). Composição e recomposição. O distrito de Leiria não é um território. Nenhum dos geógrafos que se ocupou da identificação de regiões homogéneas deixou de distribuir o distrito de Leiria por duas ou mais regiões. Nenhuma das divisões territoriais apontadas neste livro toma o distrito de Leiria como base organizativa, excepto o círculo eleitoral plurinominal (exactamente a única divisão que não foi referida nesta obra). O distrito de Leiria tem uma existência histórica pouco densa e de pouco mais de um século e meio. Quando o poder político perguntou aos concelhos como se queriam organizar, eles voltaram as costas ao quadro distrital. Do meu ponto de vista, tal não foi por acaso, embora se possa discutir se não houve precipitação na resposta... Se as identidades são construções históricas, as regiões também o são. Não me recuso a admitir que, no futuro, o distrito de Leiria possa vir a adquirir uma coesão regional em moldes que, do interior e do exterior ,a sua identidade seja reconhecida. É possível. Mas para tal é preciso que outros factores de identificação funcionem. A articulação da rede de comunicações e transportes é certamente importante e deu um passo estratégico com a A8. Mas porque é que, passados estes anos, não se resolve o problema do acesso da A8 a Leiria (ou de Leiria à A8)? Não por acaso, talvez: a A8 foi designada Oeste, como a linha do mesmo nome, e é uma via para Lisboa (ou de Lisboa para o Oeste). A única criação contemporânea que tem uma implantação distrital, que articula diferentes concelhos do distrito, que promove a imagem externa e dinamiza a unidade distrital do motor do desenvolvimento, então o distrito terá adquirido uma alavanca regional e um elemento fundamental ponto de vista da formação é o Instituto Politécnico. Se, como está a suceder, o Politécnico constituir uma plataforma logística para a inovação, ou seja para a mobilização do conhecimento como de identificação. * Alda Mourão Filipe (coord), A Região de Leiria, Identidade e Desenvolvimento: um Percurso Histórico e Geográfico. Leiria, Instituto Politécnico de Leiria, 2005. ** Apresentação efectuada no Instituto Politécnico de Leiria, 23 de Novembro de 2005. |