Migrei. Aliás, acrescentei 15 de Setembro
O que eu andei ... migrou para o blogspot. Agora dá pelo endereço http://oqueeuandei.blogspot.com O site permanece com a estrutura habitual e as actualizações regulares.
 
Yesterday (na cidade imaginária ouvem-se os Beatles e identificam-se imagens) 15 de Setembro

Alan Aldridge coordenou em 1969 e 1971 a edição de dois volumes sob o título The Beatles: Illustrated Lyrics. A obra é constituida pelos poemas das canções cantadas pelo grupo acompanhadas de imagens alusivas. Na página 87, "Yesterday", uma composição de Paul McCartney, é ilustrada com uma fotografia de David Bailey (fotógrafo inglês, nascido em 1938, que registou imagens dos Beatles e de outras figuras muito conhecidas, tendo inspirado a personagem do fotógrafo de moda do filme "Blow-up" de Antonioni (1966).
Bailey associou "Yesterday"(originalmente Scrambled Eggs) a um prato com um ovo estrelado que fora utilizado como cinzeiro.
A fotografia foi também publicada por Luis Pinheiro de Almeida e Teresa Lage, Beatles em Portugal (Assirio & Alvim, 2002, p. 32). Estes autores contam que Paul McCartney esteve em Albufeira em Maio de 1965, onde terminou a composição de "Yesterday", que viria ser gravada em 14 e 17 de Junho do mesmo ano. Não informam, porém, se a fotografia foi tirada durante esssa estadia. O livro de Aldridge (que consultei por empréstimo de João Jales) também não identifica o local onde foi realizada. Mas há particularidade da imagem que merece destaque: o prato, uma peça de faiança branca que foi produzida pela Fábrica Secla das Caldas da Rainha.

 
Picasso: Banhistas a 3 dimensões 14 de Setembro
 
Banhistas (Cannes.1956. Bonze): A saltadora; O homem de mãos juntas; O homem-fonte; A criança; A mulher de braços abertos; O rapaz  
 
Baigneuse alonguée (1931. Bronze) Banhistas (Projecto para um monumento. 1928)  
Na cidade imaginária recorda-se Serge Reggiani (um tempo em que a liberdade excluia o amor) 13 de Setembro

Ma liberté
Longtemps je t'ai gardée
Comme une perle rare
Ma liberté
C'est toi qui m'as aidé
À larguer les amarres
Pour aller n'importe où
Pour aller jusqu'au bout
Des chemins de fortune
Pour cueillir en rêvant
Une rose des vents
Sur un rayon de lune

Ma liberté
Devant tes volontés
Mon âme était soumise
Ma liberté
Je t'avais tout donné
Ma dernière chemise
Et combien j'ai souffert
Pour pouvoir satisfaire
Tes moindres exigences
J'ai changé de pays
J'ai perdu mes amis
Pour gagner ta confiance

Ma liberté
Tu as su désarmer
Toutes mes habitudes
Ma liberté

Toi qui m'as fait aimer
Même la solitude
Toi qui m'as fait sourire
Quand je voyais finir
Une belle aventure
Toi qui m'as protégé
Quand j'allais me cacher
Pour soigner mes blessures

Ma liberté
Pourtant je t'ai quittée
Une nuit de décembre
J'ai déserté
Les chemins écartés
Que nous suivions ensemble
Lorsque sans me méfier
Les pieds et poings liés
Je me suis laissé faire
Et je t'ai trahie pour
Une prison d'amour
Et sa belle geolière

Et je t'ai trahie pour
Une prison d'amour
Et sa belle geolière

[Paroles et musique: Georges Moustaki]

 
 
Até 15 de Setembro ainda há banhistas. A Costa Brava de Dali nos anos 20 13 de Setembro
 
Banhistas de Llané, 1923 Banhistas, 1919
 
Llané, 1923 Cadaqués, 1923. Banhista, 1924

Primeiras obras de Salvador Dali, nascido em Figueiras, em 1904. As paisagens marítimas que o jovem pinta, entre 1919 e 1924, são observáveis das casas de família em Llanés e Cadaqués, na Costa Brava Catalã.

 

 

 

 

Banhista nua, 1922

 
Na cidade imaginária ouve-se Cecilia Bartoli (e ama-se Silvia, apesar das suas advertências, ou talvez por causa delas) 12 de Setembro

Se tu m'ami, se sospiri
Sol per me, gentil pastor,
Ho dolor de' tuoi martiri,
Ho diletto del tuo amor,
Ma se pensi che soletto
Io ti debba riamar,
Pastorello, sei soggetto
Facilmente a t'ingannar.
Bella rosa porporina
Oggi Silvia sceglierà,
Con la scusa della spina
Doman poi la sprezzerà.
Ma degli uomini il consiglio
Io per me non seguirò.
Non perché mi piace il giglio
Gli altri fiori sprezzerò.

Se tu me amas, se tu suspiras
só por mim, gentil pastor,
sinto dor pelo teu sofrimento
e contentamento pelo teu amor. Mas se pensas que eu
só a ti deveria amar,
pastorito, estás sujeito a
facilmente te enganares a ti próprio. A bela rosa púrpura
que Silvia escolherá hoje,
com a exclusão dos seus espinhos, amanhã, então, desprezá-la-á.
Mas o conselho dos homens
por mim não será seguido
Não será porque o lirio me agrada, que desprezarei as outras flores.

 
Página (truncada) de um diário de há 7 anos 11 de Setembro

Levantei-me cedo. Tinha combinado encontrar-me com o P. Reis em Vila Franca de Xira, porque ele vinha de Sintra, tomando a CREL, e não havia necessidade de vir buscar-me a Lisboa. Eu sentia uma espécie de euforia interior, que continha com dificuldade. Dormira muito pouco e acordara numa espécie de estado de urgência. Alguma coisa de novo acontecera e eu não estava preparado para a absorver [...] Apeteceu-me falar sobre isso com o P. Reis, mas recuei perante o que parecia ser uma inconfidência.
Em Viseu tínhamos combinado um encontro com o P. Simões ao fim da manhã. Seguimos para o Hotel Montebelo, onde esperámos por ele para almoçar. Estávamos quase a terminar a refeição, quando alguém nos avisou: um avião despenhou-se contra as Torres Gémeas, em Nova Iorque. Levantamo-nos intrigados e dirigimo-nos em silêncio para junto da televisão, no bar do Hotel. No écran pudemos então ver a repetição da cena do impacte e a rolo de fumo que saía de dentro do edifício. Era difícil compreender o que se passava. Os rostos em volta devolviam-nos incredulidade e receio. De alguma forma sentíamos que o nosso mundo não seria mais o mesmo.

 
Banhistas de Boudin (com os meus agradecimentos a Paula Gouveia) 10 de Setembro
 
Eugène Boudin (1824-1895) pintou, por volta de 1865, diversos quadros sobre a praia de Trouville (Alta Normandia, margem sul do canal da Mancha), então muito frequentada pela imperatriz Eugénia, mulher de Napoleão III.  
Na cidade imaginária ouve-se Chico Buarque 9 de Setembro

Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo - Mudei de idéia
- Quando vi nesta cidade
- Tanto horror e iniqüidade
- Resolvi tudo explodir
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela formosa dama
- Esta noite me servir

Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
- e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tãonobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos

Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni
Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir
Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

 

Geni e o zepelim

De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

"Banhistas" de Paula Rego 9 de Setembro
 
The Pillowman, 2003
The Little Mermaid, 2003 A Mulher dos Bolos, 2004  
 
Pendle Witches, 1996
Cheia, 1996 Procession to the Sea, 1996  
Marie douceur, marie colère 8 de Setembro
Marie douceur c'est ainsi que tu me surnommes
Tu crois bien sûr me connaître mieux que personne
Marie colère existe aussi fais bien attention
Je te l'ai déjà dit cent mille fois sur tous les tons

Marie douceur a beaucoup beaucoup de patience
Oui mais un jour tu verras entrer dans la danse
Marie colère avec des éclairs dans les yeux
Je sais lequel aura le plus peur de nous deux

Marie douceur est avec toi bien trop gentille
Si tu persistes à regarder les autres filles
Marie colère ne sera plus du tout d'accord
Et sautera sur toi toutes griffes dehors

Marie douceur aime bien chanter des ballades
Mais ne t'y fies pas trop un bon conseil prends garde
Marie colère adore les éclats de voix
Alors choisis entre les autres filles et moi

Marie douceur c'est ainsi que tu me surnommes
Tu crois bien sûr me connaître mieux que personne
Marie colère est maintenant là devant toi
Marie douceur n'est plus qu'un souvenir déjà
 
Para ouvir de novo
Summer (short) stories 8 de Setembro
No blog dos antigos alunos do ERO e, ao lado, em Inventário ( mas aqui sem os divertidos comentários do blog)  
Luiz Pacheco na Festa do Avante 5 de Setembro
Por iniciativa do Organização Regional de Setúbal do PCP, a edição da Festa do Avante deste ano a lembrar Luiz Pacheco.  
Gauguin. Banhistas no Taiti 4 de Setembro
 
Paul Gauguin, In the Waves, 1889
The Cleveland Museum of Art
Paul Gauguin 1848-1903), Femmes de Tahiti OR sur la plage, 189, Musee d'Orsay, Paris


Picasso "baigneur" 3 de Setembro
 
Picasso com Dora Maar, Golf-Juan, 1937 (foto Penrose)
Picasso com Dora Maar, Golf-Juan, 1937 (foto Penrose)
Picasso e Edward Quinn, anos 50 (foto Quinn)  
 
Picasso e Claude, Golf Juan, 1948 (foto Capa) Picasso e Paloma, anos 50 (foto Quinn)  
 
Picasso, Françoise Gilot e Claude, Golf Juan, 1948 (foto Capa)
 
Picasso e Françoise Gilot, Golf Juan, 1948 (foto Capa) Picasso, anos 50 (foto Quinn)  
 
Picasso, Françoise Gilot e Claude, Golf Juan, 1948 (foto Capa) Picasso, Golf Juan, 1948 (foto Capa)  
Médico por dever 2 de Setembro

Fui à sessão de homenagem efectuada na Câmara Municipal. O salão nobre estava repleto, o que diz bem da simpatia e carinho com que o Dr. João Vieira Pereira é recordado nas Caldas. Vários oradores lembraram a sua acção, em especial o seu colega Dr. Mário Gonçalves, que falou do médico que conheceu bem, no Montepio, na Misericórdia e no Centro Hospitalar das Caldas da Rainha.
As palavras que ouvi evocaram também as singulares qualidades humanas do Dr. João Vieira Pereira. Nele de facto coincidiram, não apenas as capacidades intelectuais e até artísticas (comuns a outros médicos da sua geração), a curiosidade e o espírito científico que a Medicina instiga, mas sobretudo uma vocação médica entendida no sentido de uma dedicação integral ao combate contra o sofrimento e a doença.
O Dr. Vieira Pereira chegou à cidade das Caldas em 1938, exercendo actividade no Montepio. Trazia consigo já uma experiência de 4 anos como médico rural, em Alvorninha e Alfeizerão. Essa experiência moldou o seu comportamento ao longo da vida, cumprindo os valores que definiram o médico de aldeia exemplar: a disponibilidade 24 horas sobre 24 horas, a total confiabilidade, e, sobretudo, a compaixão (essa qualidade, essa atitude, tão difícil de definir, que é o resultado mais autêntico do humanismo). O médico rural não era visto, sobretudo não era desejavelmente encarado, como um profissional de saúde, ou apenas como um profissional de saúde, mas como alguém a quem se recorria em busca de conforto e de alívio.
O Dr. Vieira Pereira foi um médico de aldeia na cidade grande. Continuou aliás a visitar doentes na zona rural deste concelho. Simplesmente deixou de andar num cavalo para passar a andar num 2 cavalos.
 
Dr. João Vieira Pereira. Caricatura da autoria de Vasco Trancoso
João Vieira Pereira 2 de Setembro

Difícil não gostar deste homem sábio e sereno que a cada um distinguia com uma palavra e um sorriso especial. Fez-me nascer, o que teria sido bem complexo, segundo constava em minha casa. O meu Pai tinha por ele amizade e veneração, a minha Mãe reconhecimento e estima. Faria hoje 100 anos. Foi médico, jornalista, poeta.
Aqui ao lado, em Inventário, reconstituo um pouco da sua aventura como director do jornal O Progresso, em 1946-1947. Foi esse jornal que registou o momento em que se cumpriu uma etapa fulcral do seu sonho de transformar o Montepio, uma mútua de modestas ambições, numa Casa de Saúde moderna para a região.
A Gazeta das Caldas publicou na sua ultima edição um dossier sobre o Dr. João Vieira Pereira, contendo uma entrevista realizada em 1991, dois anos antes do seu falecimento.
Também eu entrevistei longamente em sua casa o Dr. João Vieira Pereira, em 1986. Guardo notas dessa entrevista que portunamente colocarei à disposição dos leitores deste site e do blogue dos antigos alunos do Externato Ramalho Ortigão.

 
Férias 1 de Setembro
Só me ocorre o título da Visão de 28: descansar das férias. Preciso urgente de férias das férias. Sempre achei que o que dá mais trabalho no ano são as férias.
Anotar: há resultados da pesquisa sobre "baigneuses" que não foram incluidos na cidadeimaginaria. Setembro ainda é tempo.
 
Baigneuses de Matisse 28 de Agosto

Henri Matisse. Baigneuses à la tortue, 1908 (óleo sobre tela, 179 x 220 cm).

Três mulheres banhistas alimentam uma pequena tartaruga, na margem de um rio. Estão totalmente moblizadas - atenção, atitude corporal - por esta actividade.
Como notou Pierre Shneider, um sopro mítico atravessa este quadro. Como se Matisse tivesse querido mostrar três deusas em actividades terrenas. A tríade feminina é sublinhada pela composição pictórica, baseada em três cores.

 

Matisse voltou ao tema, no período final da sua vida, numa fase marcada pela utilização da técnica do recorte de papel pintado e, em geral, pelo recurso à cor pura.
Ilustrações desse tipo de trabalhos são as composições Baigneuse dans le roseaux e Piscine 1 e 2, de 1952/1954.

Nos dois casos, estamos perante litografias realizadas sobre recortes de guache.

 
 
Actualizações 24 de Agosto
No Inventário e na Cerâmica  
Renoir. Les Grands Baigneuses 20 de Agosto
Pierre-Auguste Renoir começou a trabalhar neste quadro em 1883 e apresentou-a em público pela primeira vez em 1887. A tela tem 115x170 cm, tendo o motivo sido inspirado por um baixo relevo em chumbo "Le bain des Nymphes " da autoria de François Girardon (1672, uma das fontes do jardim de Versailles).  
Ne me quitte pas. Jacques Brell (1959) 13 de Agosto
  Ne me quitte pas
Il faut oublier
Tout peut s'oublier
Qui s'enfuit déjà
Oublier le temps
Des malentendus
Et le temps perdu
A savoir comment
Oublier ces heures
Qui tuaient parfois
A coups de pourquoi
Le coeur du bonheur
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Moi je t'offrirai
Des perles de pluie
Venues de pays
Où il ne pleut pas
Je creuserai la terre
Jusqu'après ma mort
Pour couvrir ton corps
D'or et de lumière
Je ferai un domaine
Où l'amour sera roi

Où l'amour sera loi
Où tu seras reine
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Je t'inventerai
Des mots insensés
Que tu comprendras
Je te parlerai
De ces amants là
Qui ont vu deux fois
Leurs coeurs s'embraser
Je te raconterai
L'histoire de ce roi
Mort de n'avoir pas
Pu te rencontrer
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

On a vu souvent
Rejaillir le feu
D'un ancien volcan
Qu'on croyait trop vieux
Il est paraît-il

Des terres brûlées
Donnant plus de blé
Qu'un meilleur avril
Et quand vient le soir
Pour qu'un ciel flamboie
Le rouge et le noir
Ne s'épousent-ils pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Ne me quitte pas
Je ne vais plus pleurer
Je ne vais plus parler
Je me cacherai là
A te regarder
Danser et sourire
Et à t'écouter
Chanter et puis rire
Laisse-moi devenir
L'ombre de ton ombre
L'ombre de ta main
L'ombre de ton chien
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

 
Noite extraordinária (12 de Agosto de 1957) 12 de Agosto

Foi arrancado ao sono por um chamado insistente. Tinha o sono pesado, próprio de um rapazito de 8 anos, e certamente levara algum tempo até despertar por completo. Agora estava sentado na cama, um pouco inquieto, quando ouviu de novo a voz que lhe pareceu da mãe. O chamado era entrecortado, como se ela respirasse com dificuldade. Abriu a porta e entrou no corredor. Viu luz no quarto dos Pais e disse: estou aqui, Mãe. A porta estava encostada mas ele não chegou a empurrá-la porque a Mãe lhe ordenou: não entres aqui, vai depressa chamar a tua Avó.
Nem um momento duvidou de que a situação era grave. Qualquer coisa naquela ordem da Mãe lhe dizia que não havia tempo a perder. Mas o problema aí estava: como ir sozinho de noite a casa dos Avós? A distância não era grande, percorrida de dia, mas àquela hora parecia-lhe impossível de vencer.
Calçou os chinelos e foi até à cozinha. Abriu a porta da rua e perscrutou a noite. Depois de jantar dera uma volta com os Pais no caminho em frente da casa. Estava uma noite quente, era Agosto, de luar cheio e luminoso. Mas, entretanto, a lua tinha-se deixado ocultar e tudo lhe pareceu impenetravelmente escuro.[...]

 
Cézanne. Les Grands Baigneuses 11 de Agosto

O tema do nu num ambiente tranquilo, na imediações de um superfície líquida, lago ou rio, interessou largamente Cézanne. Foi nos seus banhistas - femininos ou masculinos - que outros pintores do século XX se inspiraram para as suas composições que, pouco a pouco, permitiram se acercassem também das paisagens de mar.

Les Grandes Baigneuses, 1906. Óleo sobre tela, 208,3 cm X 251,5 cm. The Philadelphia Museum.

 
Dali. Muchacha en la ventana 9 de Agosto


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Na fotografia, Dali e a irmã, Ana Maria, que lhe serviu de modelo em diversas ocasiões, nomeadamente em 1925. É ela a jovem que vemos, de costas, à janela de onde se avista um paisagem marítima, a qual termina numa linha de costa, com uma enseada, junto da qual há um pequeno barco à vela. Possivelmente tratar-se-á de Cadaqués, que também surge na fotografia por detrás dos dois irmãos. A rapariga apoia os cotovelos no parapeito. Numa atitude descontraída, uma perna está flectida, com o pé apoiado apenas no bico do sapato raso.
Dali tinha 21 anos quando assinou este quadro.

Picasso em Juan-les-Pins 7 de Agosto

De Junho a Setembro de 1920, Pablo Picasso está em Juan-les-Pins, uma pequena povoação da comuna de Antibes, na Côte d'Azur. O interesse pelo cubismo começava a ceder. Os inúmeros estudos então realizados sobre os corpos dos banhistas mostram o pintor à procura de uma figura humana menos rígida, estendendo-se e movendo-se ao longo da praia em confronto com um horizonte marcado pela serenidade.

 

 

Juan-les-Pins; Summer/1920; Oil on plywood; [72,5] 73,5 x 92,5 cm; Musée Picasso, Paris Juan-les-Pins; 19-August/1920; Pastel; 64 x 49 cm; The Solomon R. Guggenheim Museum, NYC Juan-les-Pins; [Late-June]/1920; Oil on wood; 81 x 100 cm; Stephen Hahn Collection, NY
Juan-les-Pins; Summer/1920; Pastel on paper;
49 x 64 cm; Christie's
Juan-les-Pins; 2-August/1920; Oil on canvas; 9,7 x 16,9 cm; Musée Picasso, Paris Juan-les-Pins; Summer/1920; Pastel on paper [OiC]; 49 x 64 cm; Private collection, Lusanne
Juan-les-Pins; 19-September/1920; Gouache [tempera] on beige paper; 21 x 27,3 cm; Musée Picasso, Paris Juan-les-Pins; 19-September/1920; Gouache [tempera] on beige paper; 21,5 x 27,3 cm; Musée Picasso, Paris Juan-les-Pins; Summer/1920; Pastel on paper; [49,5 x 64,1] 50,2 x 65,1 cm; Helly Nahmad Gallery, London
Juan-les-Pins; Summer/1920; Pastel on paper [OiC]; 49 x 64 cm; Private collection, Lusanne Juan-les-Pins; 23-June/1920; Pencil on paper;
27 x 41,7 cm; Christie's
Juan-les-Pins; 5-September/1920; India ink on paper; 75 x 105 cm; The Picasso Estate
Documentário sobre Luiz Pacheco nas Caldas da Rainha 6 de Agosto

Um grupo alunas dos Cursos de Teatro, Som e Imagem e Animação da ESAD elaborou um documentário sobre a presença de Luiz Pacheco nas Caldas nos anos 60. O documentário regista depoimentos de contemporâneos e estudiosos da obra de Pacheco (Jaime Salazar Sampaio, Paniágua Feteiro, Luiz Barreto, Tânia Pinto, João Serra). Apresenta uma entrevista e uma performance de Ferreira da Silva. O fio condutor é constituido por uma narração na primeira pessoa baseada em cartas do próprio Luiz Pacheco.
A montagem é viva e o som não desmerece. Há algumas falhas no guião, que poderiam ser supridas com algum trabalho de pesquisa histórica, mas o produto final suscitou aos que assistiram no CCC à sua estreia francos aplausos.
Soube a pouco, podíamos ver outro tanto, dizia muita gente.

 
António Rosado no CCC 5 de Agosto

António Rosado trouxe ao CCC não apenas execução magistral. Mostrou aquilo que raros conseguem: mais do que um diálogo, uma espécie de fusão com o piano.

 
Procissão da Senhora da Boa Viagem 2 de Agosto

A convite do Presidente António José Correia, acompanho pela 3ª vez consecutiva a Procissão no Mar da Senhora da Boa Viagem, em Peniche. Cumpre este ano a 60ª edição. Do barco salva-vidas, assistimos ao embarque das imagens retiradas das igrejas de Peniche, primeiro nas lanchas, depois nos barcos apinhados de gente (pescadores, familiares, amigos) antes de sairmos do porto e em fila descrevermos um grande arco na baía, entre o Carvoeiro e a Consolação. Os barcos iluminados reflectem-se nas águas calmas, destacando-se na noite muito escura e fria. Depois há que repetir a operação, desembarcando as imagens e devolvendo-as ao ponto de partida.
A foto ao lado foi pedida de empréstimo ao abrupto de José Pacheco Pereira e é da autoria de Manuela Bello.

 

O texto sobre a A8 que o Região de Leiria afinal não publicou

1 de Agosto

O Director da Gazeta das Caldas convidou-me para escrever um texto testemunhando a minha participação no processo que viabilizou a A8, com destino a uma publicação conjunta entre a Gazeta e o Região de Leiria. Indicou-me o dia 27 de Julho como data limite para entrega do texto e não me deu qualquer limite de páginas, apesar de eu ter perguntado se exisitiam condicionamentos desse tipo. Na data fixada enviei-lhe um texto com 7141 caracteres. Para o elaborar consultei os dossiers pessoais e institucionais organizados na época (1997 e 1998), o que equivaleu a várias horas de pesquisa e redacção. No dia 29 de Julho, a meio da tarde, fui informado que o texto estava muito grande e que tinha de o reduzir. Emagreci o texto e enviei-o de novo. Pelas 19 horas do mesmo dia, recebo nova comunicação da Gazeta das Caldas informando que de Leiria exigiam que o texto não excedesse os 3000 caracteres, estando ela agora em 4142. Retorqui que o faria, mas que o texto ficaria de tal modo amputado que preferia que saisse sem assinatura. Foi-me em resposta garantido que o texto sairia na página 3, em posição de destaque e que por isso era imprescindível. 20 minutos mais tarde, enviei um texto de 2928 caracteres. Não retirei o meu nome, mas omiti a referencia em nota de pé de página ao facto de ter sido assessor e Chefe da Casa Civil do Presidente Jorge Sampaio. Mas mantive no texto a alusão ao meu papel na questão das portagens. O Região de Leiria porém decidiu eliminar o meu texto do caderno. Não deu qualquer explicação para o facto, que, enquanto o não fizer, me abstenho de interpretar. O texto integral por mim enviado é do seguinte teor:
O Presidente e as portagens do Oeste
João Serra
A decisão governamental de criar uma auto-estrada com portagens entre a CRIL e Leiria foi enunciada num diploma de 10 de Janeiro de 1997. Um mês depois, era publicado o programa e caderno de encargos para o concurso internacional dessa concessão designada Oeste. A oposição parlamentar respondeu apenas com uma sessão de perguntas ao Governo (mas não um pedido de ractificação).
Foi em Agosto desse ano, com a decisão de integrar, para efeitos de conservação e exploração, o lanço Torres Vedras-Bombarral na concessão da Brisa, enquanto a concessão Oeste não viesse a ser atribuída que a controvérsia se instalou.
No último dia de Setembro desse ano, deu entrada na Assembleia da República um projecto de lei cuja primeira subscritora era a deputada Maria José Nogueira Pinto. Nele se previa a revogação do diploma de Agosto, e, mantendo embora transitoriamente os lanços entre Torres Vedras e Bombarral na concessão da Brisa para efeitos de conservação, determinava que aquelas vias e respectivos prolongamentos até Leiria, e bem assim o troço do IP6 entre Peniche e Santarém não fossem portajados. O projecto foi votado a 7 de Novembro com os votos de PSD/CDS/PCP/Os Verdes.
O Presidente da República entendeu suscitar junto do Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma, fundamentando as suas dúvidas nos seguintes pontos: o decreto da Assembleia restringia o direito de propriedade da Brisa que perdia o direito de exploração; frustrava as expectativas dos consórcios concorrentes ao concurso internacional; violava o princípio da separação e interdependência dos poderes dos órgãos de soberania, invadindo o âmbito nuclear do Executivo. O Tribunal Constitucional, porém, deliberou, por maioria, a 23 de Janeiro de 1998, não acolher as dúvidas do Presidente.
Jorge Sampaio quis verificar as hipóteses de uma plataforma que, tanto os partidos que contestavam a concessão Oeste com portagens, como o Governo, considerassem aceitável. Encarregou-me pessoalmente dessa missão que terminei a 1 de Fevereiro.
No dia 2 de Fevereiro, o Ministro com a pasta das Obras Públicas, João Cravinho, dirigiu uma carta ao Presidente da Assembleia da República na qual tomava um conjunto de propostas-garantia para a região, no caso de a concessão Oeste avançar. Entre elas, a da não cobrança de portagens sobre o tráfego entre Torres Vedras e Caldas da Rainha, enquanto a Estrada Nacional 8 não fosse beneficiada. Todos os partidos parlamentares manifestaram concordância com o conteúdo da carta do Ministro.
No dia seguinte, o Presidente comunicou à Assembleia da República a sua decisão de vetar o diploma, justificando: "Entendo que me cabe a responsabilidade de prevenir a ocorrência de tensões institucionais resultantes de uma eventual sucessão de actos legislativos de sentido contrário".
O plano de contrução das auto-estradas A8 e A15 pôde então prosseguir.

Nota final
Entre as entrevistas de utentes publicadas no caderno, há um depoimento de um historiador, Ricardo Pereira, que considera injustificado o facto de não se pagar portagens entre o Bombarral e Tornada. É um curioso comentário emitido por alguém que obviamente não se informou sobre a história que explica essa aparente incongruencia. Se o meu texto tivesse sido publicado, mais alguma informação certamente enriqueceria o conhecimento deste historiador sobre a via que diariamente percorre.

 
Armando Correia 27 de Julho
Despedida de Armando Correia, um dos nomes maiores da cerâmica contemporânea caldense. Representou-a em todas frentes que a afirmam e singularizam: o processo industrial, o artesanato urbano, o design, a aprendizagem escolar e em meio profissionalizante, o sentido decorativo e a aspiração artística tanto de raiz escultórica como pictural, esta última normalmente corporizada no azulejo. A obra pública mais importante de Armando Correia é exactamente um painel azulejar que foi concebido para o salão nobre dos Paços do Concelho das Caldas da Rainha.
Destaque para as elaboradas composições temáticas que dedicou por exemplo a cenas bíblicas, a Gil Vicente ou aos mitos antigos. Armando Correia deixa um trabalho muito meticuloso, de grande apuro formal onde avulta o tratamento do corpo feminino.
Entre os depoimentos publicados sobre A. Correia, ver Hermínio de Oliveira no Jornal das Caldas e Maria Isabel Xavier, biógrafa do ceramista, na Gazeta das Caldas.
 
Armando Correia (à esquerda) e José Paulo Ramos Santos, na Escola Industrial, em 1954. Foto publicada por José Ventura em http://alunosbordalo.blogspot.com/search/label/Ceramistas
Piaff: La foule 20 de Julho
 

Je revois la ville en fête et en délire
Suffoquant sous le soleil et sous la joie
Et j'entends dans la musique les cris, les rires
Qui éclatent et rebondissent autour de moi
Et perdue parmi ces gens qui me bousculent
Étourdie, désemparée, je reste là
Quand soudain, je me retourne, il se recule,
Et la foule vient me jeter entre ses bras...

Emportés par la foule qui nous traîne
Nous entraîne
Écrasés l'un contre l'autre
Nous ne formons qu'un seul corps
Et le flot sans effort
Nous pousse, enchaînés l'un et l'autre
Et nous laisse tous deux
Épanouis, enivrés et heureux.

Entraînés par la foule qui s'élance
Et qui danse
Une folle farandole
Nos deux mains restent soudées
Et parfois soulevés


Nos deux corps enlacés s'envolent
Et retombent tous deux
Épanouis, enivrés et heureux...

Et la joie éclaboussée par son sourire
Me transperce et rejaillit au fond de moi
Mais soudain je pousse un cri parmi les rires
Quand la foule vient l'arracher d'entre mes bras...

Emportés par la foule qui nous traîne
Nous entraîne
Nous éloigne l'un de l'autre
Je lutte et je me débats
Mais le son de sa voix
S'étouffe dans les rires des autres
Et je crie de douleur, de fureur et de rage
Et je pleure...

Entraînée par la foule qui s'élance
Et qui danse
Une folle farandole
Je suis emportée au loin
Et je crispe mes poings, maudissant la foule qui me vole
L'homme qu'elle m'avait donné
Et que je n'ai jamais retrouvé...

 
Requiem por um monumento centenário 10 de Julho
Como se diz das árvores, morreu de pé. Tinha, em triunfo, transitado do século XIX para o século XX, mas foi mal tratado que chegou ao fim do século XX. O progresso foi-lhe fatal, não o passado. Na era da tecnologia que tudo pode, não houve vontade nem saber que lhe outorgassem um destino digno.
Nasceu à sombra da projecção termal. Ele e o Parque D. Carlos cresceram praticamente juntos. Por ali passaram os irmãos Bordalo Pinheiro (Rafael, Columbano, Maria Augusta e Feliciano), Ramalho Ortigão, Pinheiro Chagas, Fialho de Almeida e Gomes de Amorim. João Chagas e José Relvas foi ali que pernoitaram, tal como Joaquim de Vasconcelos, José Queiroz, Egas Moniz. Visitantes ilustres foi ali que buscaram conforto, como os jornalistas Giner de los Rios e Julio César Machado, ou os escritores Julio Dantas e Luiz Pacheco. Ministros, Chefes de Governo da Monarquia, da República, do Estado Novo ali dormiram. Presidentes ali descansaram. No seu livro de ouro estão as assinaturas de José Malhoa e António Montês. Gerações e gerações de caldenses ali buscaram a alegria e o sonho de uma passagem de ano ou de um carnaval.
Ao lado dos ferros retorcidos que uma grua irresponsável empurrou para o abismo, a boa construção antiga mostra ainda as razões que lhe permitiram chegar aqui, apesar da incúria das últimas décadas e do desprezo dos últimos meses. Ironicamente, o painel que devia cumprir o luto pela morte de um monumento centenário ostenta a frase "Uma cidade viva". A representação do que se passou pode ser vista mais abaixo, a caminho da Foz, na escultura que assinala a rotunda dos silos.
 
Imagens do antigo Lisbonense aqui ao lado em Inventário
O que é que correu mal? 5 de Julho
Há 50 anos onde estavam as Caldas? Partindo da constatação de que estamos a fechar o ciclo de desenvolvimento então iniciado, propõe-se uma reflexão sobre as condições da mudança. O que é correu mal, pergunto, propondo o tema ao debate público. Nas páginas da Gazeta.  
Antes e depois das invasões 4 de Julho

Chamada de atenção para a excelente exposição sobre a temática das invasões francesas que abriu, a 4, na Casa Museu João Soares, nas Cortes, concebida e executada pelo seu novo director, Jorge Estrela.
A exposição evita os três riscos habituais: a substituição de um discurso expositivo por um amontoado acrítico de imagens, a redução da história das invasões à história dos movimentos militares, o foco dirigido aos materiais e não ao público contemporâneo.
A Estremadura foi uma das áreas mais atingidas pela guerra e mais devastada pelos seus efeitos económicos e sociais. Num raio de 70 quilometros em torno de Leiria, processaram-se os mais decisivos movimentos de tropas e batalhas. Leiria foi particularmente atingida, podendo falar-se de uma cidade antes e uma cidade após as invasões.
Jorge Estrela reuniu um conjunto impressionante de iconografia oitocentista e interpelou-a. Obrigou-a a sair do preto e branco e deu-lhe a dimensão que garante a legibilidade. Cruzou-a com a história da arte, de que é um dos grandes peritos actuais, assim reenquadrando historicamente obras de arte e pedindo a estas novas informações históricas.
As invasões francesas tornaram Portugal mais conhecido fora e dentro das fronteiras. Milhares de estrangeiros de diversas origens (não só franceses e ingleses) percorreram o país. Milhares de portugueses de diversas origens geográficas e sociais percorreram o país, integrados nos exércitos ou forçados por eles. A exposição da Casa Museu das Cortes regista este facto fundamental e dá-lhe expressão competente e clara.

 
A entrevista do Primeiro Ministro 4 de Julho
O que mais me impressionou na entrevista foi a convicção. Há ministros que parecem ter deixado de governar. Outros falam de metas longínquas, mais ou menos burocráticas. Sócrates fala de política e puxa pelo Governo. Não tem razão deste vez Vasco Pulido Valente.  
Depois do aeroporto, o TGV. Depois do TGV, as eleições 2 de Julho
Não há outro tema de oposição senão as obras públicas. Menezes escolheu o aeroporto. Manuela o TGV. Como se a continuidade do Governo (ou a sua maioria absoluta) dependesse destes projectos.  
Lenços brancos 1 de Julho

Acabou a era Scolari na selecção. O epitáfio do treinador que conseguiu não ganhar nada, que nunca teve um plano B para contrariar a Grécia ou a Alemanha, rezado ontem por Nuno Gomes, dizia: "foi um grande amigo dos jogadores".
Era suposto termos contratado um seleccionador nacional e não um amigo dos jogadores. Era suposto os jogadores, que são profissionais, terem os seus amigos feitos na vida e não nas concentrações organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol.
Uma selecção é um grupo de amigos do seleccionador? Foi por isso que Vitor Baía nunca superou um tal Ricardo? Fica caro contratar amigos de jogadores por quinquénios.

 
Projectos cidades criativas 29 de Junho
Aqui ao lado, na página Cidades Criativas, pode ver uma apresentação sumária dos trabalhos dos meus alunos do semestre que agora termina.  
José Relvas na Assembleia da República 27 de Junho

[...] Para José Relvas, a existência tinha uma ética e uma estética. A ética cumpriu-a na acção associativa e política e no programa de mudança do regime e reforma das instituições - o conspirador. A estética cumpriu-a na reunião de um património artístico - o contemplativo. Ética e estética eram afinal inseparáveis.
Esta exposição conta a história de José Relvas e da sua colecção de arte até 1914. Mas para reconstituir o fio que nos trouxe aqui hoje, importa referir que a Guerra e o Pós-Guerra envolveram o homem num halo de sombra e tragédia. A saída de Madrid em 1914 não foi pacífica. O lugar de senador veio a desistir dele, em 1915, quando o conflito institucional entre o Presidente e o Parlamento se agudizou. Em 1919 aceitou presidir ao Governo numa situação convulsiva, após a morte violenta de Sidónio Pais, mas o seu projecto de refundação do sistema político partidário não se impôs. Ainda em 1919, o único dos três filhos sobrevivo pôs termo à vida.
Personagem de romance, situado entre vários mundos, a sua vida, atravessada por tudo o que faz uma vida interessante, das horas de felicidade às horas de tragédia, daria um grande filme. Viscontiano, evidentemente! [...]

Intervenção do comissário na abertura da Exposição

 
Abertura da Exposição " José Relvas, o conspirador contemplativo" 26 de Junho

A Assembleia da República inaugurou hoje, dia 26, às 18, 30 uma grande exposição sob o título José Relvas. O conspirador contemplativo. A exposição integra-se no programa comemorativo do centenário da República que a Assembleia promove. Teve como comissário o Prof. João B. Serra.
José Relvas foi um dos principais dirigentes do Partido Republicano Português, entre 1907 e 1910, e teve intervenção decisiva na implantação e consolidação da República, entre 1910 e 1914. Empresário agrícola em Alpiarça, nascido em 1858 na Golegã, ali construiu uma sólida liderança regional dos agricultores, que projectou ao resto do país. E para ali atraiu também, a uma casa concebida expressamente com esse objectivo, um grupo de amigos artistas e uma notável colecção de pintura, escultura e artes decorativas.
Faleceu em 1929, legando o seu património à Câmara de Alpiarça.
A presente exposição pretende ilustrar as facetas do trajecto singular deste dirigente associativo e político, o conspirador, e deste homem de grande sensibilidade e gosto artísticos, o contemplativo. Compreende apenas o período que termina em 1914, sublinhando o contributo de José Relvas para a revolução republicana antes do 5 de Outubro de 1910 e na fase imediata, no Governo e na embaixada em Madrid.
A exposição está organizada em 11 secções. Após uma reconstituição do núcleo de ascendentes e descendentes, apresenta-se a sua formação e primeiros passos na administração do património familiar, e a radicação na Quinta dos Patudos, em 1888. Em seguida, é abordado o tema das visitas ao estrangeiro e estabelecido contacto com alguns dos seus amigos artistas.  É documentada a sua paixão pela música. Trata-se do projecto encomendado a Raul Lino de ampliação da sua casa, finalizado em 1906. Acompanha-se a sua luta contra as dificuldades da vitivinicultura e a crítica às políticas governativas. São individiualizadas, seguidamente, as três missões de que José Relvas se investiu entre 1907 e 1914. Em primeiro lugar, organização da Revolução, a seguir, a missão reformadora no Governo Provisório, onde aceitou o Ministério das Finanças. Terminada a fase revolucionária Relvas viajou para a embaixada de Portugal em Madrid, onde se manteve até finais de 1913. No derradeiro item, é apresentado resultado da sua actividade de coleccionador, através de uma pequena mostra da sua vasta colecção de obras de pintura, escultura, mobiliário, cerâmica, tapeçaria e outras artes decorativas.

 

Nicolau Borges (historiador), Joaquim Rosa do Céu (Pres. da Câmara de Alpiarça), Jaime Gama, Vanda Nunes (Vice-Presidente e Vereadora da Cultura da Câmara de Alpiarça), João Serra, antes da inauguração da Exposição
Andar a pé 24 de Junho

A alta dos preços dos combustíveis conferiu acuidade aos problemas da mobilidade e ao planeamento das deslocações no interior da cidade. A cidade que andamos a construir nos ultimos 30 anos mostra-se agora dispensiosa e penalizadora do ambiente. O deficiente planeamento das implantações dos serviços e dos sistemas de transportes e comunicações sobe agora o valor da factura do efeito de estufa e dos custos energéticos.
Em muitas cidades europeias está em curso a recuperação do andar a pé. Tomam-se medidas que favorecem a deslocação pedestre, elaboram-se planos de mobilidade pedonal. As cidades procuram garantir que os percursos para peões sejam seguros, conviviais e atractivos. Em nome da saúde, mas também da qualidade de vida e da reanimação do espaço público.
Num texto intitulado "cidade pedestre, cidade rápida", o geógrafo Jacques Levy propõe um método de análise urbana dos modos de gestão da distância centrada no peão. Denomina essa metodologia de "métrica pedestre". Mede os percursos dos peões em espaços públicos, em espaços semi-públicos ou de acesso condicionado, e em espaços privados. A aplicação da métrica pedestre permite-lhe operar uma classificação de cidades e bairros. A verificação de bons resultados na métrica pedestre equivale a desenvolvimento urbano.
É preciso perceber que os indicadores clássicos da mobilidade urbana - velocidade média da deslocação - são hoje de pouca utilidade. Interessa medir a eficácia relativa da deslocação, que depende mais do objectivo que se pode atingir do que do número de quilómetros percorridos.
Se a qualidade urbana - a urbanidade - depende cada vez mais dessa eficácia, traduzida em modelo de gestão da distância, o que se verifica é que em certas cidades ou em certas áreas das cidades o automóvel não é eficaz.
O automóvel é um grande consumidor de superfícies, por esse facto aumentando as distâncias em vez de as diminuir. De modo que, nas áreas urbanas densas e diversificadas, a métrica pedestre é mais rápida que a métrica do transporte em automóvel particular (Vide o dossiê "Marcher" no nº 359 da Revue Urbanisme , Março/Abril de 2008).

 

O futuro da política 21 de Junho

Do debate suscitado ontem, dia 20, no CCC (apresentação da colecção "Estudos Políticos" da editora Livros Horizonte, dirigida por Pedro Tavares de Almeida) entre David Justino e Luis Salgado de Matos, destacaria três temas. O primeiro é o do nacionalismo enquanto modelo de relação política entre as elites e o povo. Justino defendeu que enquanto a unificação italiana produziu um Estado que "fabricou" os italianos, em Portugal foram os portugueses quem "fabricou" o Estado. Há uma corrente historiográfica sólida que tem salientado as origens medievais da nação portuguesa. Mas cabe inquirir se a poderosa construção que o imaginário republicano fez sobre a ideia de Portugal e dos portugueses não é equivalente ao que aconteceu em Itáilia na segunda metade do século XIX. O segundo é o tema da identidade europeia, que David Justino invocou como um dado e Salgado de Matos questionou. É uma questão controversa que atravessa, por exemplo, o debate sobre a cultura europeia nos objectivos prosseguidos pelo Conselho da Europa e que se manifestou recentemente a propósito do preâmbulo da Constituição europeia. O terceiro tema é o da necessidade de preparação específica para o exercício da actividade política. Salgado de Matos argumentou em favor de uma preparação cada vez mais acurada dos políticos profissionais exigida pela globalização. David Justino salientou as virtualidades da ignorância em face da ocupação do espaço político pelos media. Voltarão em breve discutir as questões em aberto?

 

Ontem ao fim da tarde 20 de Junho

Dia de apresentações dos trabalhos de projecto e avaliações. Ao fim da tarde, o ultimo grupo olha para o relógio e percebe-se que calculam o tempo que falta para o jogo. Vamos trazer a Taça, diz um deles. Não digo eu, vamos perder já hoje contra a Alemanha.
Não sei analisar erros de jogo, mas estão à vista os erros de condução do projecto. Em primeiro lugar, os responsáveis definiram como objectivo apenas passar a fase de grupos e consideraram-se satisfeitos logo que isso ficou garantido. A quebra da equipa foi tão evidente no jogo contra a Suiça que só não percebeu quem não quis que o clima era já de desistência. Não tem sentido argumentar que foi uma selecção B que entrou em campo porque aquele era o jogo mais importante para Portugal tendo em conta que na Suiça há um tão expressivo número de emigrantes portugueses. Em segundo lugar, o sinal que Scolari deu à equipa foi o de que, vencida a República Checa, era tempo de começar a pensar na vida. Ora, pensar na vida é tomar decisões quanto ao futuro, que se ajusta já em Julho. E ainda há férias para gozar e forças para retemperar. Em suma, o comandante foi o primeiro a dizer alto e bom som que acabara o tempo da selecção para começar o dos clubes. Em terceiro lugar, a Alemanha. Antes ser eliminado pela Alemanha que pela Croácia.

 
O Carvalhal: o espírito do lugar 17 de Junho

Falhei o lançamento do livro de Teresa Perdigão e Agneta Ö Björkman que a Isabel Castanheira organizou com o CCC, mas adquiri-o, li-o e gostaria de o recomendar vivamente.
Tal como numa peça de piano ou cravo tocada a 4 mãos, este trabalho exigiu que os dois ritmos, os dois olhares femininos se conjugassem na perfeição. Agneta percorreu o Carvalhal e retratou pessoas e ambientes, registou tempos e atmosferas, descobriu paisagens e construções. Teresa fez falar as pedras e a história, ouviu gente e anotou memórias, descobriu os sonhos e revelou os segredos. O resultado é generoso e inteligente, sedutor e gratificante. Mostra que das diversas formas de dar a conhecer, a que nos conduz por uma espécie de arte poética - como é o caso - é eficaz e autónoma.
Há guias de viagens que nos transportam ao espírito do lugar. Há livros que em si mesmos constituem património. Este é um deles.

 
"Sou de Peniche" 13 de Junho

A Convenção de Peniche está em segunda edição. E eu, nela, também pela segunda vez, numa dupla condição, profissional e cívica. Às raízes sentimentais e de sangue que me ligam à terra soma-se um pequeno património de responsabilidade directa e actual. Aceitei com entusiasmo o convite do Presidente António José Correia para colaborar com a Câmara em estudos e pareceres em domínios nos quais ganhei algum conhecimento e experiência.Procurei que a minha intervenção tivesse como objecto a cidade. Evitei pois centrar a análise só nos problemas, ou só nos actores, ou só nos acontecimentos. Propus-me falar de dinâmicas urbanas e convidei o auditório a olhar para a cidade como um ser vivo, com as suas exigências específicas (por outras palavras, com as suas pessoas, as que nela vivem e todas as que dela precisam para viver).

 
Voltar a Belém 12 de Junho

A sensação de voltar a um local onde se trabalhou (10 anos!) agora como "convidado" é de facto curiosa. Abraçamos os funcionários e colegas que dantes cumprimentávamos apressadamente. Surpreendemos alterações subtis na decoração que agora nos parecem grandes mudanças. Recebemos ordens protocolares que dantes dependiam de decisão nossa. Olhamos para as personagens centrais de um ângulo da sala onde nunca estivemos. Pronunciamos nós com emoção a fórmula de compromisso que outrora ouviamos friamente de tantas e tantas bocas.

 
Regionalismo versus nacionalismo 11 de Junho

Horácio Eliseu e António Montês: nasceram com pouco meses de diferença, em meados da década de 1890, o primeiro em Alcobaça e o segundo nas Caldas. Ao longo do primeiro semestre de 1940 protagonizaram um duro combate pela afirmação de interesses regionais que se mostravam incompatíveis. Por momentos, a história destes dois homens voluntariosos e criativos veio ao de cima no belo edifício do Arquivo Distrital de Leiria. Através da varanda, chegavam até nós os ecos dos golos de Portugal aplaudidos nas praças e nas ruas. A nação venceu.

 
Corredor criativo 9 de Junho

Correspondendo a pedido do Senhor Deputado municipal, Rui Gomes, que preside à Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Municipal, elaborei um documento sintético contendo as linhas gerais de uma proposta de consagração de um corredor criativo nas Caldas da Rainha. A proposta visa articular, sob um dispositivo convergente instituições e empresas, associações e outras entidades interessadas em promover e apoiar a localização de indústrias criativas nas Caldas e em especial nas imediações desse corredor.
Trata-se de um documento de trabalho cuja autoria morre no momento em que a Comissão e a Assembleia o adoptarem, no todo ou em parte, para aprofundar uma ideia e viabilizar os projectos a que ela eventualmente conduza.

 
Figueiredo Lopes 7 de Junho

Estive presente num almoço de homenagem ao Professor António José Figueiredo Lopes, promovido pelo blogue dos antigos alunos do Externato Ramalho Ortigão.
Já o referi aqui noutra altura: os blogues ocupam hoje o espaço mediático, em alternativa aos meios de comunicação tradicionais. Neste caso, e para só referir dois exemplos, o http://externatoramalhoortigao.blogspot.com/ promoveu uma mesa redonda virtual sobre pontos de encontro de jovens dos anos 50 a 70 do século passado, registando dezenas e dezenas de depoimentos memorialísticos, cada um deles suscitando por seu turno diversas reacções (algumas delas polémicas) e uma evocação da figura do Padre António Emílio de Figueiredo, por ocasião do seu falecimento.
A quantidade e a qualidade da informação que em ambas as iniciativas foi mobilizada - registos pessoais, análises, comentários, imagens - excedeu largamente o que os media tradicionais disponibilizaram aos seus leitores. E embora o blogue se dirija a uma comunidade específica de leitores, tem mostrado em diversas ocasiões capacidade de interessar outros universos sociais e culturais. João Jales, o animador do blogue, é um homem com experiência mediática, dotado de sentido do acontecimento, que maneja com àvontade a linguagem dos novos media, e tem também sabido criar um ambiente propício à manifestação de opinião, à intervenção no espaço público.
Julgo que a jornada de confraternização em torno do professor Figueiredo Lopes se prende com este último aspecto. Na origem terá estado a homenagem que o município caldense prestou àquele seu antigo vice-presidente no passado dia 15 de Maio, e de que o blogue fez reportagem.
Assisti a essa sessão e ouvi, com alguma surpresa, desfiar alguns items do notável curriculum vitae de António Figueiredo Lopes, tanto no plano estritamente profissional, como no plano dos contributos para o desenvolvimento das Caldas da Rainha. E interroguei-me sobre se o critério de valoração relativa dos méritos deste cidadão caldense não deveriam ter sido mais generosamente ponderados por parte da Câmara Municipal.
Não guardo da actividade docente de António Figueiredo Lopes memória relevante. As matérias em que adquiriu prestígio e reconhecimento (a Matemática, a Físico-Químicas, o Desenho) - eloquentemente lembrados no almoço do dia 7 - não constavam da minha formação. A decisão de participar no almoço deriva pois da admiração pelo curriculum do visado, da solidariedade com a iniciativa do blogue e da percepção, colhida junto de familiares e amigos, de que o Professor Figueiredo Lopes é uma personalidade humana invulgar que deixa um rasto de autenticidade e de humanidade por onde tem passado.
No ambiente, nos gestos e nos olhares, nas palavras proferidas (Arq. Pereira da Silva e Dr. Mário Gonçalves) tudo isto saiu confirmado. E vincado sobretudo nas palavras do próprio homenageado - uma lição de finura de espírito e grandeza de alma.

 
A selecção nacional 4 de Junho
A emoção popular que envolve a equipa portuguesa não é surpreendente, se tivermos em conta o que se passou há quatro anos, mas tem um traço específico que se prende com a emigração. No mundo global, os sentimentos que nos identificam são nacionais. Há um patriotismo expontâneo, agregador mas sem tutela, que irrompe em certos momentos (percebi-o em visitas do Presidente da República a comunidades, por exemplo) e, neste caso, foi detonado na Suiça, onde vivem milhares de portugueses. Não deixa de ser interessante notar que, no presente caso, o movimento de euforia em torno da equipa portuguesa não foi antecipado pelos media, onde reinou até há pouco, prudência ou mesmo desconfiança em relação às hipóteses de uma boa carreira da selecção nacional.  
Ética e política: um debate promovido pelo PS/Caldas 31 de Maio

O sistema jurídico evoluiu nos últimos séculos ocupando o espaço das obrigações morais. Os regimes legais, impondo em casos concretos restrições às liberdades, autorizam tudo o que não proibem. É nesse sentido que, por vezes se diz, que em democracia a "ética é a lei".
Não era este o entendimento do republicanismo. Baseado no princípio da soberania popular, o republicanismo sempre defendeu a anterioridade da "autonomia pública dos cidadãos" sobre a liberdades individuais.
Uma República só pode viver da dedicação dos cidadãos porque é feita por eles. Dedicação precisamente à res publica , à coisa pública, àquilo que é de todos. É este o cerne da ética republicana: um sistema de obrigações que impendem sobre todos os cidadões. Ser cidadão é ser sujeito tanto de direitos como de deveres, deveres cívicos.
Se todos os cidadãos têm deveres para com a res publica , os que elegemos para nos representarem estão obrigados e uma responsabilidade maior. A ética republicana impõe o estrito princípio de que os titulares dos cargos públicos os não exerçam em benefício próprio. Ela não permite, por exemplo que um partido, seja ele qual for, se aproprie da República. O exercício de cargos públicos deve por isso ser alvo de uma severa fiscalização e de um escrutínio público permanente.
A iniciativa do PS caldense em propor a debate estes temas teve uma boa receptividade, vencendo a aparente aridez do tema. A verdade é que os cidadãos estão preocupados com a transparência da vida política e querem ver debatidos os problemas da ética. Favorável como sou a uma lógica da discussão como metodologia para reconstruir um consenso ético - sem o qual a vida política não deixará de alimentar descrença e desconfiança e a vida social se tornará mais onerosa em termos judiciais - só me posso congratular.

 
A vitória de José Pacheco Pereira 31 de Maio

Em certo sentido, a vitória de Manuela Ferreira Leite, é o regresso à política por parte de uma geração que sempre trouxe para o PPD mais do que ele lhe deu. É uma geração que tem hoje entre 60 e 70 anos, na sua maioria quadros com carreiras profissionais prestigiadas. Repercutiu no exercício de cargos a legitimidade obtida na sua vida pública, e não o favor do aparelho partidário.
Esta vitória teve um inspirador, um "broker" e um animador incansável: José Pacheco Pereira. Demoliu impiedosamente adversários desde o primeiro minuto. Foi corajoso até ao limite da integridade física. O homem que recusou ser embaixador junto da OCDE de um Governo chefiado por Santana Lopes teve nestes meses de oposição sistemática, por vezes isolada, a Menezes, uma das mais duras provas da sua já longa carreira política.
Mas esta vitória parece escassa para possibilitar uma definição clara de autoridade. O número de votantes que apoiou o regresso e velhos senhors da política é um segmento de um universo que maioritariamente queria outros protagonistas e outros métodos. A luta pelo poder interno não terá ficado resolvida. Um duro combate espera Manuela Ferreira Leite e José Pacheco Pereira.

 
Francisco Vicente do Carmo 29 de Maio
Deixou um rasto de fiabilidade e instinto criativo, um composto raro. Gostava da vida e acreditava no progresso, outra particularidade. Um homem sem reserva, um sonhador, com a ingenuidade reflectida dos que acreditam e fazem. Um grande senhor, em suma, e um bom amigo. Justa homenagem neste quarto de século do Cencal.  
Desigualdade 26 de Maio

Os indicadores sociais colocam-nos mal na tabela da riqueza e no painel da sua distribuição. Se não é a nossa pobreza que está na raíz do fosso entre ricos e pobres então é este que agrava aquela. Mas não é para combater esta fatalidade que são formuladas as políticas públicas, designadamente as de solidariedade? De qualquer forma, más notícias a somar às nuvens densas que se abateram sobre a economia, ou seja a produção e o emprego.

 
Arquivo Histórico Distrital 21 de Maio

Estive por duas vezes no Arquivo, ouvindo os colegas e amigos Nicolau Borges e Alda Mourão Filipe apresentar documentos que estão à guarda daquela instituição. O ciclo em que intervieram intitula-se "Uma bica no Arquivo Distrital" e é coordenado e animado pelo seu director, Acácio de Sousa. A próxima "bica", a última desta série, cabe-me a mim prepará-la, motivo pelo qual rumei a Leiria nos dias 19 e 21 de Maio.
A documentação que irei apresentar faz parte do acervo de Horácio Eliseu que seu filho confiou ao Arquivo. Trata-se de um conjunto de dossiês relativos a uma Exposição que começou a ser preparada em Leiria em 1937 e que se pretendia constituisse um momento de afirmação de entidade distrital, contra a projectada criação das províncias. Na arrumação provincial, o norte do distrito era colocado na Beira Litoral, com capital em Coimbra, e o sul na Estremadura, com capital em Lisboa. A Exposição, de que Horácio Eliseu foi comissário, só veio a ser concretizada em 1940. Mas o contexto mudara muito, entretanto, por efeito da conjuntura de Guerra e, sobretudo, pela decisão governamental de promover em 1940 grandes comemorações celebrando o chamado duplo centenario: da fundação da nacionalidade (1140) e da restauração da independência (1640). Não antecipo aqui a conclusão deste episódio interessantíssimo, porque espero que os caldenses mais disponíveis para aprofundar esta problemática histórica possam deslocar-se no dia 11 do próximo mês, às 18 horas, ao Arquivo Distrital de Leiria.

 
Novas entradas 17 de Maio
Actualizações nas páginas Inventário e CV Lusíadas sec. XX
Comissão República
Festa da cultura 15 de Maio

Naquela bela varanda daquela nossa janela

Nos dias das Festas das Cidade só tive tempo para assistir a algumas actividades e só sinto desejo de falar daquilo de que gostei.
Gostei de rever a "Azenha do Inferno", na noite de 14 de Maio, esse espaço mítico da segunda metade dos anos 60, e de aí reencontrar em pessoa e espírito Ferreira da Silva, Luis Barreto e Estefânia Sales Henriques. Gostei também de rever o Pacheco visto por Ferreira da Silva e encontrar pela primeira vez um duplo Cesariny e uma jovem feiticeira de seu nome Irene Matias, todos eles recriados também por Ferreira da Silva. Gostei de ouvir uma jovem actriz do MIO (Movimento Independente do Oeste) dizer um texto irónico, por vezes iconoclasta, com graça e veemência. Gostei da performance que encenou a leitura do texto "Comunicado ou Intervenção da Província", de Abril de 1966, por João Garcia Miguel.
Regressei ao centro da cidade a tempo de ver o final do fogo de artifício. Tinha chovido, mas nas ruas em torno do complexo cultural havia milhares de pessoas. Não arredariam pé até franquearem as portas da nova casa de espectáculos e exposições caldenses. Disseram-me no dia seguinte que houve movimento até às 5 da manhã.
Assisto habitualmente às sessões solenes do 15 de Maio. Houve anos em que fui solicitado até para participar, com uma intervenção a respeito de um ou ou de um conjunto de laureados. Sempre me reconheci nas instituições e personalidades distinguidas. Nunca, até hoje, os critérios de atribuição de medalhas me pareceram descriminatórios ou injustos. Por outro lado, se há momento nobre da vida cívica do concelho é este. Perante nós desfilam rostos e histórias de valor individual e colectivo de que muitas vezes nem suspeitávamos. É o acontecimento mais efémero do espaço público: uma semana depois já ninguém se lembra do sucedido. É igualmente o momento mais generoso de uma dedicação: ninguém solucionou qualquer problema através de um galardão de mérito. E, no entanto, ele suscita um legítimo orgulho e uma satisfação íntima que não tem preço. Mais uma vez, assisti com enorme satisfação interior ao desfile de pessoas e organizações a quem todos manifestamos reconhecimento e gratidão. Ouvi os seus curricula, senti os seus corações, percebi as suas memórias quando se referiam a pais ou conjuges perdidos, entendi as suas razões quando nos explicaram porque aceitavam o justo destaque do seu trabalho. Gostei da homenagem a ao Engenheiro Fonseca Ferreira, nos termos e pelos motivos que foram enunciados. Identifiquei-me com as palavras que Cristina Horta dedicou à cerâmica e aos ceramistas caldenses e julguei compreender na emoção do Presidente da Câmara a convicção íntima de que tinha sabido dar voz a uma imensa cadeia solidária de gente para quem "ser das Caldas" também é "razão de ser".
Gostei do concerto de António Pinho Vargas e José Nogueira, num auditório cheio e gostei que o Presidente da República tivesse entrado no edifício exactamente e apenas para ouvir os músicos, porque ali todas as palavras estavam a mais e era altura de entregar o espaço aos executantes aos técnicos e ao público. Gostei que António Pinho Vargas tivesse feito questão de nos transmitir o gosto que teve em ali estar e o gosto que teria em voltar.
Gostei da exposição de retratos da colecção Berardo, que José Antunes comissariou com profissionalismo e trouxe comigo alguns dos olhares que os retratistas conseguiram fixar.
Ao fim da tarde, no espaço de café do Centro Cultural, constatei que a cidade acabava de ganhar uma nova janela com uma larga varanda. Como no poema de Régio, ali há-de o vento trazer uma sementinha.
Uma janela para se ver a si própria? Uma janela sobretudo para ver o mundo.

 
 
 
 
 
 
Honrar o Presidente 14 de Maio

Em Espanha, a investidura dos Presidentes da Câmara é feita através da entrega de uma "vara de mando", representação do poder municipal. Em Portugal, no Antigo Regime, as varas eram insígnias de juizes (varas brancas) e vereadores (varas negras com o brazão municipal), mas o costume perdeu-se.
Na monarquia espanhola, sempre que o Chefe de Estado visita um concelho, recebe das mãos do Presidente da Câmara, no momento da entrada no território municipal, a "vara de mando". E só a devolve quando se retirar. Enquanto aí permanecer, detém, simbolicamente, a máxima autoridade municipal.
A prática equivalente portuguesa era, no Antigo Regime, a entregar das chaves da vila ou cidade ao Chefe de Estado, óbvia reminiscência medieval, um tempo em que os núcleos urbanos se dotavam de estruturas defensivas. No Brasil, para onde o exportámos, este costume persistiu até aos nossos dias. No nosso país, tem-se difundido nas últimas décadas, para assinalar uma primeira visita de um Chefe de Estado, a entrega do mais elevado galardão municipal. Trata-se de um gesto de cortesia que expressa a honra que o município reconhece na visita do Chefe de Estado. Ao atribuir a sua medalha de honra, as autoridades municipais conferem-lhe o estatuto máximo que os seus munícipes podem receber. É um acto simbólico em cuja origem está o princípio da autonomia municipal, pois são as autoridades municipais que "cedem" o "mando" (em Espanha) as chaves (no Brasil), a distinção máxima (em Portugal).
Aplauso, pois, para a unanimidade com os órgãos autárquicos competentes das Caldas da Rainha souberam manter esta boa tradição, aqui interrompida há uma década, reatando assim o sentido de responsabilidade política e o princípio da dignidade nas relações institucionais com a presidência da República.
Efectivamente, há uma década, houve quem recusasse o seu voto a um gesto identico do Município das Caldas. O seu autor pretendeu, porém, não apenas vincar a sua posição pessoal mas criar um incidente político, multiplicando-se em entrevistas a jornais e televisões, durante a própria visita do Chefe de Estado às Caldas. O Presidente, que não tinha solicitado qualquer medalha e apenas tinha aceite o convite da Câmara para se associar a uma homenagem ao Escultor António Duarte, entendeu que não era justo ser atingido por uma polémica que não suscitara e que punha em causa o princípio do consenso que deve rodear a presença do Chefe de Estado em celebrações municipais. Consequentemente, decidiu suspender a prática de receber as medalhas de honra dos concelhos que visitava. Como se recordarão, ele visitou todos os concelhos portugueses.

 
Não tenho culpa 14 de Maio
Não votei Obama.  
Ferreira da Silva entrevistado por Jorge Silva Melo 13 de Maio
Material em bruto, entrevista ainda não submetida a montagem. Pode ser vista e ouvida clicando na imagem.  
Os professores e a sala de aula 12 de Maio

Publicou recentemente um artigo no jornal Público onde principiava a sua argumentação fazendo referência a uma afirmação do filósofo José Gil: "porquê tanto ódio, tanto desprezo, tanto ressentimento contra a figura do professor?". Por que razão é o professor apresentado hoje como bode expiatório pelas debilidades da educação portuguesa?
Na prática escolar quotidiana é o professor quem continua a estar numa posição charneira, no sentido em que é ele que se encarrega de gerir em tempo real - e esta dimensão do tempo real é muito importante - uma série de problemas que se condensam na sala de aula. Problemas que têm raízes muito diversas, nomeadamente a grande heterogeneidade de origens sociais dos alunos - onde há os que estão muito longe de dominar os instrumentos necessários para entrar em sintonia com aquilo que é dito na sala de aula, e os outros que, pelo contrário, têm por vezes uma aquisição por excesso de instrumentos que lhes dão a ilusão de poderem dispensar a figura do professor para aprenderem e progredirem.
O contacto com as novas formas da cultura massificada e do acesso fácil à informação cria igualmente uma ilusão de dejá vu, fazendo com que para alguns a aula constitua uma maçada e conduza a uma certa incompreensão relativamente ao esforço do professor no sentido de procurar sintonia com eles e com os outros, tarefa que hoje exigiria metodologias muito diversificadas. Ora, esse desencontro é permanente.
Mas porquê a cristalização desse ressentimento nos professores, e nos sindicatos, como refere no seu artigo?
Penso que será o resultado da incapacidade, não sei se intencional, de procurar entender as origens dos problemas. E quando não se quer, ou não se pode, ir ao fundo dos problemas tenta-se encontrar um bode expiatório. E dado que o sistema educativo continua a girar em torno da sala de aula - que considero ser uma forte limitação do actual sistema educativo - e do professor enquanto dinamizador do processo no seu interior, é a este que é assacada a incapacidade para gerir melhor o conjunto de problemas que tem pela frente. Um erro crasso, na minha opinião.
Que razões o levam a considerar a sala de aula como uma limitação do sistema educativo?
Porque a sala de aula, até pela sua configuração física, é um espaço que está em dessincronia com as actuais dinâmicas culturais. Para poder funcionar precisa de encontrar do lado dos receptores da mensagem disposições incorporadas que levem a uma aceitação tácita, no momento em que o professor fala, daquilo que ele está a dizer. Acontece que, por variadas razões, face às quais o professor não tem qualquer tipo de responsabilidade, essa possibilidade de estabelecer uma "transacção fácil", digamos assim, ao nível comunicacional é hoje muito reduzida. Daí o tempo médio muito elevado que cada professor despende para tentar, no local, diariamente, em qualquer aula, estabelecer o tal patamar de sintonia. Que pode levar 15, 20, 25 minutos, se calhar às vezes mais. ..
Será a "falta de autoridade", tantas vezes referida? Os professores perderam de facto essa autoridade?
Em certo sentido, sim, na medida em que quando não estão adquiridos esses dispositivos, o significado objectivo, os alunos não conferem autoridade ao discurso que estão a receber. Poderá haver várias saídas para isso: não ouvir, não estar atento, ser um "dissidente" na sala aula. Noutros casos, evidentemente, acontece sintonia, mas há também a rejeição absoluta, até agressiva, violenta.

Extracto de entrevista do Professor José Madureira Pinto a Página da Educação

Uma entrevista de alguém que conhece, por experiência e estudo, o sistema escolar português. Uma entrevista de um cientista social da mais elevada craveira e rigor intelectuais. Uma entrevista, finalmente, de alguém que acompanhou com particular atenção a formulação e execução de políticas sociais e educativas dos governos de Portugal entre 1996 e 2006.

No blog O Canhoto, Rui Pena Pires, sem discutir uma única das opiniões expressas na entrevista, sugere, com óbvia má fé, que JMP propõe a degradação do Serviço Nacional de Saúde. Se RPP quisesse discutir com seriedade intelectual o tema, deveria perguntar-se se os médicos são os responsáveis pelas insuficiências do SNS e os advogados pelas da Justiça.

Entrevista José Madureira Pinto
Página de Educação Abril 2008
Website Página da Educação
Artigo no jornal Público
Não tem medida 12 de Maio
   
Milton e Chico: o que será?    
Utopia e imitação. Memória do futuro 11 de Maio

Professor P.e Manuel Antunes (1918-1985), meu antigo professor de História da Cultura Clássica na Faculdade de Letras de Lisboa (1968/1969):
Utopia esta sociedade dos nossos desejos e aspirações? Talvez, em parte. Mas, sem um mínimo de utopia, as sociedades humanas em geral e a sociedade portuguesa em particular ou caem na greve dos braços caídos ou entram pelo labirinto de todos os maquiavelismos e oportunismos ou, mais gravemente ainda, sentam-se à beira-nada, esperando, num desespero tranquilo, a própria morte.
Quem recusa essa morte está por isso mesmo condenado a criar - ou tentar criar - novas ideias, novas formas, novos valores, ou, pelo menos a procurar transmitir às gerações futuras, depurando-os das escórias, que o devir histórico sobre eles depoditou, os valores teórico e prático, as técnicas e os princípios, as normas e os estilos de vida que a Humanidade criou, foi criando, ao longo dos séculos e dos milénios. Porque, com o diz Sartre, "une vie c'est fait avec l'avenir comme le corps avec le vide".
Sem esse mínimo de utopia será muito difícil - ou talvez impossível - culturalizar a sociedade e socializar a cultura. Colocado no remoto do passado ou colocado no remoto do futuro será esse mínimo de utopia um dos elementos fundamentais - senão o elemento fundamental - capaz de forjar, de imaginar e de criar as configurações determinantes e superdeterminantes do país novo a que o nosso desejo aspira, a nossa razão postula e a nossa vontade comandará.
O outro elemento fundamental será a imitação. A imitação dos outyros e, sobretudo a imitação de nós por nós. "A invenção, escreveu R. Boirel, começa pela imitação". E Hegel que se conhecia bem e conhecia a filosofia da história: "o pensamento como a vontade devem começar pela obediência". E a autêntica tradição consiste em fazer, aqui e agora, aquilo que fariam os melhores dos nossos maiores se vivos fossem. Por isso Nietzsche tem paradoxalmente razão quando escreve: "é a cultura que dota a consciência de memória, mas essa memória é mais função do futuro que do passado". E ainda: "a primeira categoria da consciência histórica não é a memória ou a lembrança; é o anúncio, a expectativa, a promessa". Para quem redige estas linhas é isso também o que significa "Repensar Portugal".
Cum spe.
Lisboa, 25 de Abril de 1979.

Manuel Antunes, Repensar Portugal. Lisboa, Multinova, 2005. p 33-34

 
Arquivo de José Relvas nos "Estudos sobre o Comunismo" 10 de Maio
José Pacheco Pereira publicou nos Estudos sobre o Comunismo 3 documentos inéditos do Arquivo José Relvas (Janeiro e Fevereiro de 1919) Estudos sobre o Comunismo
Memórias do José Dias 10 de Maio

Na segunda-feira em Braga (Livraria Centésima Página), na terça no Porto (FNAC), na quarta em Coimbra (Almedina Estádio) e no dia 19 em Lisboa (FNAC Chiado), será apresentado o livro Memórias do Cidadão José Dias.
Não conheço a obra, sei alguma coisa sobre a sua génese. A elaboração das suas memórias foi um projecto em que José Dias se aplicou a partir de Março de 2006, quando cessou funções na assessoria política do Presidente Jorge Sampaio e regressou a Coimbra. Com esta edição celebra também o seu 60º aniversário.
Conheci José Dias em 1974, no Movimento de Esquerda Socialista. A partir de 1976 os nossos encontros foram muito esporádicos, com uma ou outra notícia chegando-me através de amigos comuns.
A 24 de Janeiro de 2003, almoçámos em Lisboa. Queria apresentar-me uma iniciativa que estava a preparar em Coimbra para o mês de Abril: um Forum de Cidadania.
Peço licença ao José Dias para tornar público aqui o teor da conversa que retive desse almoço. Dando da pessoa um testemunho expressivo, este relato, também ele memorialístico, fornece um pequeno retrato do autor das Memórias que agora se publicam.

 
Memórias de José Dias (24 de Janeiro de 2003) 10 de Maio

Foi uma convesa extraordinária, praticamente intraduzível. Sem azedume, com uma forte dose, por vezes inesperada, de ironia, José Dias fez um relato da sua vida de militante da democracia desde o final da década de 50 até aos nossos dias. Falou dos amigos, da mulher (Luísa) e da filha (Mariana) do dinheiro (que não tem), do que sabe e do que gosta de fazer, das suas preocupações com a democracia e a política. Insistiu, amiúde, que só se representa a si próprio, e que não pretende "formar um partido", mas sim "um inteiro".
Olhando para trás, vê-se desde muito cedo, desde os tempos da organizações católicas de juventude, como um militante de causas cívicas, um mediador, alguém que não quis nada para si e tudo para os outros, permanentemente disponível para ouvir e ajudar, e que, hoje, tem de seu apenas os amigos e a família. Em política define-se como um "marqueteiro", termo que julga inspirado na figura oitocentista dos homens que os caciques encarregavam de fazer a propaganda pelas aldeias dos candidatos a deputados. Os seus avós eram "marqueteiros" no Minho, um do Partido Progressista, outro do Partido Regenerador. Os "marqueteiros" talvez sejam os antepassados dos "speakers' corners".
Conta um episódio recente: há tempos, de visita aos seus amigos Vitor Wengorovious e Sá Borges [na altura ambos internados numa clínica] viu que tinham com eles um livro dos "Presidentes". Pediu-lhes que lho emprestassem e sentiu uma grande emoção ao ler o seu nome referenciado na biografia de Jorge Sampaio. No dia seguinte, chamou a filha para lhe ler essa passagem, dizendo: "Isto é a única coisa que te posso deixar, Mariana". Se os Pais fossem vivos, dir-lhes-ia: "Eu não foi o doutor que imaginaram e quiseram, mas tenho uma referência na história do meu País".
Sente-se muito próximo do Vitor Wengorovious , para quem tem sido o irmão que ele não teve e a mãe que já não tem. De entre os exemplos que dele recebeu, há um que evoca muitas vezes perante a filha - é a história das agendas. Sempre que um filho lhe pedia apoio para ir ao estrangeiro, o Vitor dizia: "Filho, dinheiro não tenho, mas leva uma das agendas do pai, porque há sempre alguém amigo, em qualquer sítio, que te pode ajudar".
Fala da acção que teve antes do 25 de Abril e de como ela veio a impedir que concluísse o curso que outros tiraram. Gostou de estar no GEPAE [Grupo de Estudos e Planeamento da Acção Educativa, criado no final da década de 60 no Ministério da Educação], com Roberto Carneiro e Adelino Amaro da Costa, donde saiu para o MES [Movimento de Esquerda Socialista]. Lembra a sua actividade no MES a seguir ao 25 de Abril, e a sua ida para Braga, trabalhar no sindicato do têxtil e vestuário, depois que o MES se extinguiu. Tinha à sua responsabilidade 12 mil operárias, no Norte, uma dispersão enorme de unidades, que exigiram dele um esforço tremendo e uma dádiva constante. Depois, quando os políticos começaram a ser arredados dos sindicatos, para voltarem os protagonistas das orientações corporativas hoje dominantes (que afinal nunca tinham sido eliminadas, apenas remetidas a um papel secundário), viu-se, aos 34 anos, de novo desempregado. Pediu auxílio aos amigos da JOC e um deles, administrador da agência Abreu, ofereceu-lhe emprego. Rapidamente tornou-se chefe de delegação, em Braga, e um dos operadores mais bem sucedidos da Abreu. Simultaneamente continuava a ser um militante das causas da democracia em Braga, o que lhe trouxe a animosidade de alguns "poderes locais". Valeu-lhe apesar de tudo, a protecção de D. Eurico [Eurico Dias Nogueira, Bispo de Braga].
Recorda com emoção a primeira campanha presidencial [1995] de Jorge Sampaio em Barcelos e Braga, com alguns, poucos, amigos, no meio de uma descença geral. De como ele e esse conjunto dedicado de amigos andaram com o candiato e adquiriram a certeza íntima, ali mesmo, sobretudo em Barcelos, perante o entusiasmo popular, e apesar da chuva diluviana, de que sairia vencedor. Não esquece que quando o candidato entrou num edifício para saudar a agradecer à multidão, houve quem lhe tentasse barrar a entrada, tendo valido, na altura, Daniel Sampaio que lhe deu o braço, forçando a passagem.
Aceitou com entusiasmo o lugar de director do Inatel que lhe foi oferecido por Eduardo Graça em 1996. Afinal a experiência adquirida na Agência Abreu ser-lhe-ia útil. Entre 1996 e 2002 empenhou-se totalmente em desenvolver o turismo social e promover o bom nome de Portugal no estrangeiro. A família mudou-se para Coimbra, enquanto ele permanecia 4 dias por semana em Lisboa.
Em Maio de 2002, subitamente, esse lugar foi-lhe retirado. Nada havia a dizer do trabalho, a produtividade tinha sido excelente (começara com 20 milhões e acabava com 50 milhões), outros critérios certamente prevaleceram.
Trabalha agora na delegação de Coimbra do Inatel, embora continue a ser convidado para ir ao estrangeiro, sobretudo aos países do alargamento, para comunicar a sua experiência de organização do turismo social.
É um homem por vezes triste, mas não amargurado. Em Coimbra reatou a militância cívica de sempre. Trabalhou recentemente na candidatura a Reitor de José Reis.
Colaborou activamente nas celebrações dos 30 anos da crise académica de 69, como já se tinha empenhado nas celebrações dos 25 anos do MES. Mas sentiu que "a malta não queria mais comemorações deste tipo". Foi assim que decidiu recolher-se para pensar um pouco ("Zé Dias, que vais fazer? O teu país, a democracia, ainda precisam de ti para alguma coisa?") e tomou a decisão de escrever uma carta aos 900 "camaradas" que constam da sua agenda, a dar conta das suas preocupações. E as suas preocupações podem resumir-se do seguinte modo: "A nossa geração não quer ouvir falar mais da democracia. Quando se lhe fala de qualidade de democracia responde "que já deu para esse peditório". Talvez ache que a democracia não tem solução, porque a corrupção é mais forte e se instalou, ou talvez sejam outras as prioridades pessoais. É por isso que sempre que o Presidente fala da democracia, a malta finge que não ouve, desvaloriza as suas palavras.
Das 900 primeiras cartas enviadas, recebeu 100 respostas. Poucas, relativamente, mas encorajadoras, ainda assim. É em consequência que surge a ideia de organizar em Coimbra, a 5 de Abril, um "Forum da cidadania", onde cada orador dispõe de 15 minutos para falar do que entender. Espera que se fale sobretudo das boas práticas cidadãs, que, de Norte a Sul, de forma por vezes ignorada, se desenvolvem.

 
Luis Nuno Rodrigues 9 de Maio

A Isabel Castanheira prossegue a sua missão de dar a conhecer livros e autores. Desta vez, foi a biografia de Costa Gomes elaborada por Luis Nuno Rodrigues.
Ana Sá Lopes apresentou-os. A jornalista veio ao de cima, compreensivelmente, e Ana pareceu bem mais fascinada pela personalidade política de Costa Gomes do que pelo trabalho do historiador. Mas não deixou de se surpreeender com os 4 anos absorventes que Luis Nuno Rodrigues dedicou a este trabalho. Não terá sido aos historiadores que Einstein se referia quando atribuia à transpiração a parte leonina do génio, em detrimento da inspiração?
Do curto debate que se seguiu, destque para o conceito exposto pelo historiador sobre o entendimento moderno de Costa Gomes da função presidencial. O Presidente modera, arbitra, não é parte do jogo. Este foi o Presidente que viabilizou a democracia pluralista e o equilíbrio de poderes do semi-presidencialismo.

 
  2 de Maio

Conheço Zé D'Almeida desde a Gazeta da Semana [1976] , onde fazia cartoonismo. Colaborou no Boletim do Sindicato dos Professores, a convite meu e da Eduarda Dionísio, em 1978/1979. Foi um dos monitores do curso de caricatura em cerâmica realizado no Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica em 1988. Em 1989 participámos na organização de uma exposição intitulada "Rafel Bordalo Pinheiro: Humor e Costumes". Há cerca de um ano trouxe ao Museu do Hospital e das Caldas uma magnífica exposição de composições tridimensionais em torno da música e dos seus executantes intitulada "Humor em Sustenido".
Zé D'Almeida tem um blogue. Como não podia deixar de ser, um blogue de humor gráfico, em cartoon. É imprescindível passar por lá todos os dias.

Blogue do Zé D'Almeida
Na morte de Luiz Pacheco. Recuperação da pergunta com que Pacheco abordava os conhecidos nos anos 60: "Tens aí vintes?"
Directório de 1909 30 de Abril
Escreve José Relvas nas suas Memórias (vol. 1, p. 62-63):
Ao reunir-se o Congresso Republicano de Setúbal (Abril de 1909), o espírito geral do Partido inclinava-se para a eleição de um Directório com o mandato de preparar a Revolução. Dai resultou a escolha de alguns, entre os novos dirigentes, e avotação da proposta Chagas que implicava a obrigação de nomear comités civis e militares, no número necessário para unificar o movimento revolucionário em todo o país. O Directório ficava composto de nomes que tranquilizavamaparentemente os partidos monárquicos. Sistematicamente tinham sido excluídos Afonso Costa, João Chagas, António José de Almeida e outras personalidades, cuja presença no mais alto corpo dirigente do Partido significaria a declaração de guerra às instituições. Foram eleitos Teófilo Braga, Basílio Teles, José Relvas, Eusébio Leão, Cupertino Ribeiro. Entre os substitutos, que tão grande papel vieram a desempenhar na revolução, estavam Inocêncio Camacho e José Barbosa.
O cartaz que se reproduz ao lado representa o Directório republicano eleito em 25 de Abril de 1909 e faz parte do arquivo de José Relvas na Casa dos Patudos, em Alpiarça.
É aqui que tenho estado sedeado nos últimos tempos, ultimando a selecção de peças e a elaboração do catálogo de uma exposição sobre as paixões - políticas e artísticas - de José Relvas que a Assembleia da República irá acolher dentro de pouco tempo.
Assim se explica esta espécie de ausência do ciberespaço.
 
Unidade oestina 29 de Abril
O processo eleitoral em curso no PSD pode originar uma fragmentação do espaço partidário entre 5 candidaturas, mas já teve o mérito de unir no Oeste antigos santanistas a antigos barrosistas, antigos menezistas a antigos mendistas. Uniu o Bombarral, Óbidos e Peniche. Pedro Passos Coelho é aqui o traço de união.  
Imagens comentadas 27 de Abril

Periodicamente, na página da Gazeta das Caldas, publicarei um fotografia com um texto alusivo. A fotografia é escolhida segundo um misto de critérios: significado histórico, nexo afectivo, qualidade do trabalho do fotógrafo. Começo com um comentário a uma fotografia de Joaquim António Silva. O tema é a Lagoa de Óbidos, nos anos 90.
Texto e foto poderão ser encontrados aqui ao lado na página Inventário.

 
Tanto Mar 25 de Abril
 
Chico Buarque canta o 25 de Abril    
Aos que tinham 25 anos em 1974 25 de Abril

Venho lembrar-vos que o 25 de Abril pôs fim a medos. O medo da perseguição e da repressão. O medo da guerra. O medo de ter medo.
Havia também um outro medo, mais difuso mas nâo menos insidioso. O medo que resultava da distância que nos parecia cada vez maior do acesso à cultura, à ciência, ao desenvolvimento integral do ser humano. Estaríamos condenados ao atraso e à insuficiência?
Para a minha geração, o 25 de Abril foi um desafio sem medida, que aceitámos com o mesmo empenho como que nos opusémos à Ditadura, com a mesma generosidade com que quisemos ser livres, mas sobretudo que vivemos como quem subitamente acha tudo urgente e tudo possível. Afinal vivemos o sonho de quem atravessa uma fronteira, exactamente a fronteira para a Liberdade. Esse facto faz do 25 de Abril uma data mágica.
Perguntamo-nos, por vezes, que terá sido feito das ambições (ilusões) que em nós despertou o 25 de Abril. E falamos do paradeiros de algumas com decepção e do destino de outras com desgosto.
Do que estou certo é que posso tecer outras ilusões e com elas ousar novas ambições. E, se de novas ambições me julgar já incapaz, poderei ao menos partilhar o não e fazer ouvir a minha crítica. O 25 de Abril é também isso, o podermos continuar acordados, mesmo quando ainda sonhamos.

 
Manuel Amado , "Quarto com mala". Óleo sobre tela. 1974/1975. ["Este Quarto com Mala é do tempo em que nos tínhamos apeado do "orgulhosamente sós" e tínhamos a mala pronta para seguir viagem"]
Mercado da Fruta 18 de Abril

Exposição na Galeria Osiris das peças que estiveram instaladas na Praça no fim de semana de 6. Catálogo com textos e fotos do making off.
O resultado desta intervenção interpela, desperta, anima. Vai ao coração do património local de saberes e de imagens, reinterpreta-os e actualiza-os. Confere-lhes novas funcionalidades e novos conceitos.
Por isso não pode deixar de nos convocar para o debate e para a acção.

 
Os Pássaros 14 de Abril

Aula aberta "Nas asas do desjo e da violação". Análise de extractos do Filme de Hitchcock, Os Pássaros.

Filme carregado de violência simbólia, os Pássaros de Hithcock propõe uma leitura particular do mito de “Leda e o Cisne” tratada por toda a pintura ocidental, desde Leonardo Da Vinci a Salvador Dali e Matisse. Se inicialmente os pássaros parecem cortejar Melanie,  depressa se tornam ameaças ,ora isoladamente, ora em grupo. Os pássaros exprimem um desejo de posse, de violação, no limite, que não admite negociação nem compromisso.

 
Coro
 
Gaiola
 
Primeiro ataque
 
Lua cheia
 
Tensão
 
Espera
 
Violação
 

 

 
Fotogramas da cena da violação de Melanie no sótão da casa de Mitch  
Artur Maurício 9 de Abril

Jurista emérito, antigo Presidente do Tribunal Constitucional, conheci um pouco da pessoa, quando as funções que ambos exercíamos nos proporcionaram conhecimento mútuo e alguma convivência. Vinham então à baila, com frequência, as Caldas, onde visitava regularmente familiares chegados atingidos por uma tragédia pessoal recente. Presto aqui tributo á memória do homem cujas qualidades humanas e intelectuais pude estimar e admirar.

 
Praça criativa 6 de Abril

O velho Rossio das Caldas da Rainha, cujas origens remontam aos finais do século XV, apareceu diferente este fim de semana. Conseguiu surpreender-nos: pela comoção, pela provocação, pela imaginação.
A escultora Virgínia Fróis, acompanhada com dois outros colegas da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, Sérgio Vicente e Rui Vasquez, coordenou um projecto de intervenção de cerâmica contemporânea na Praça da Fruta. Foi executado por 21 alunos daquela escola. O resultado interpela, desperta, anima.
O projecto foi desenvolvido com o apoio das fábricas caldenses Secla, Molde e Bordalo Pinheiro. No caso da primeira, os alunos puderam envolver-se directamente com o contexto fabril.
Um lote de peças surge montado em armações metálicas, constituindo marcas visuais no tabuleiro da Praça. A secção das peças, como dos plintos, é rectangular, como rectangular são as marcações do terreiro datado de 1883. Assinalam a presença próxima de certos produtos (cestaria, louça, flores, bananas, verdura, bolos secos, etc.).

 

 

 

Prestam homenagem aos vendedores mais antigos. Com os seus vidrados fortes, empresta colorido ao naipe de cores da praça e reflecte o movimento circundante na manhã ensolarada.

 
Um outro lote remete para o jogo de ilusão, engano e humor que é emblema da produção cerâmica caldense. São instalações localizadas sob os bancos, debaixo dos quais saltam as tenazes de um caranguejo, uma rã "arte nova", lagartos e caracóis, um humanóide com cabeça de coelho, uma cidade inteira com os seus prédios cónicos  
 
 

Finalmente, há um belo conjunto de tabuleiros enrugados, vidrados nas cores fortes da cerâmica caldense dos anos 60, susceptíveis de utilização directa para exposição de produtos frescos.

 
 

Esta "invasão" cerâmica da praça tem uma singular pertinência perante a crise da cerâmica e do mercado tradicional. Retoma o diálogo, segundo padrões exigentes e actuais, com uma das raizes da modernidade cerâmica das Caldas, o naturalismo, o chamado "neo-palissy". E se este movimento se traduziu na adopção de uma tipologia de peças baseadas na ilusão da verdade, na recriação de naturezas mortas em faiança, o que os professores e alunos das Belas Artes pretederam foi sinalizar a geografia da praça com um pequenos monumentos cerâmicos alusivos aos géneros que ali se expõem e vendem todos os dias. Realizando as suas peças em fábricas caldenses, todas elas já com uma história importante no sector, este projecto destaca a relação com o local que revivifica.
O centenário rossio caldense sobreviveu até aos nossos dias graças a circunstâncias particulares que hoje estão seriamente ameaçadas. No século XIX, quando outras cidades os substituíam, optando pela tranferência das funções de mercado para recintos concebidos para o efeito, a vila das Caldas optou por regularizar, higienizar e adaptar a sua praça velha. Demoliu uma Igreja para a poder ampliar, dotou-a de um tabuleiro em calçada, retirou para outra praça a venda de peixe e animais vivos e dispôs nos prédios laterais e ruas vizinhas os estabelecimentos e lojas da civilização. Um grande centro comercial, onde o que de mais moderno em comércio e serviços convivia com o comércio tradicional de bens alimentares com origem na produção agrícola regional, sob a égide de um nobre edifício setecentista sede do poder municipal, os Paços do Concelho, foi o que a cidade ostentou com orgulho ao longo do século XX. A Praça passou então a viver uma espécie de esquizofrenia saudável: de madrugada e manhã espaço de mercado, de tarde espaço de serviços urbanos, à noite espaço público convivial.
Este modelo está posto em causa pelas novas tendências do comércio, pelas novas regras de controlo da venda de géneros, pela mudança dos circuitos de distribuição e venda, pelas alterações sociais da urbanidade e dos sistemas de circulação viária, pelos novos hábitos de consumo, pelas modificações da localização dos serviços públicos e dos padrões de acesso dos respectivos utentes. A esta avalanche de mudanças que se abateu sobre o velho rossio caldense nas últimas duas décadas não correspondeu nenhum movimento que contrarie a crise: nem urbanístico nem cívico, nem económico nem institucional.

Um texto sobre história e problemas actuais da Praça pode ser lido aqui ao lado em Inventário
 
Esta intervenção, apesar de efémera, provinda do domínio das artes e da cultura tem o mérito de nos convoca para o debate e a acção. Decorrendo das perspectivas e metodologias das artes contemporâneas, tem em atenção saberes tecnicos e valores patrimoniais históricos. É uma proposta que se pode ligar com a lógica das cidades criativas.  
Celestina 5 de Abril

Escrito em 1904, pouco antes de mudar a residência do Sabugal para as Caldas da Rainha, Joaquim Manuel Correia trabalhou no romance Celestina, que permaneceria inédito até hoje.
Com este romance, completa-se a triologia de romances sobre a região, todos eles escritos nos finais do século XIX e princípios do século XX. Os outros dois são Rosa da Montanha, de António José de Carvalho, publicado em 1871 e Maria Mim, de Nuno Montemor, publicado em 1939.
Natália Correia Guedes, neta do autor e responsável pela fixação do texto, apresenta a obra, no Museu do Sabugal, com o Presidente da Câmara e o Administrador da Sabugal+, responsáveis pela edição.

O texto do prefácio pode ser lido aqui
 
Joaquim Manuel Correia e os Bordalo Pinheiro: encontros e desencontros 5 de Abril

Da estadia de Joaquim Manuel Correia em Peniche, em 1888/1889, ficou no seu arquivo pessoal um interessante registo: dois desenhos assinados, um deles por Rafael Bordalo Pinheiro, outro por Columbano (Bordalo Pinheiro). Datam ambos de Peniche, 26 de Setembro de 1889. O desenho de Rafael - que tem a curiosa menção manuscrita "Para ser melhorado para o anno" - figura-o de pé, de cartola e casaca, segurando um guarda-chuva debaixo do braço, enquanto toma notas num pequeno caderno. Na exposição do Museu do Sabugal são mostradas a cartola, o chapéu e a casaca com que Rafael o desenhou. Columbano, no seu traço inconfundível, deu ênfase à testa e olhar de sonhador do jovem Joaquim, então com 31 anos, praticamente a mesma idade do pintor.

 
Chapéu de chuva, casaca e cartola. JMC acompanhou à guitarra diversos fadistas de Coimbra, nomeadamente Hilário
Que motivo teria levado os dois irmãos Bordalo a Peniche em Setembro de 1889? Sabemos que a irmã, Maria Augusta dirigia na vila uma Escola Industrial, criada por diploma de 30 de Junho de 1887. A criação da Escola Rainha D. Maria Pia visou principalmente a qualificação das rendas de bilros, de que Peniche era um prestigiado centro, tendo a escola de Maria Augusta sido motivada pelas suas comprovadas habilitações no domínio das artes decorativas. A escola abriu em 26 de Setembro de 1887, pelo que a 26 de Setembro de 1889, celebrar-se-iam dois anos de actividade de Maria Augusta na sua direcção. Sabemos também que o trabalho desta irmã de Rafael e Columbano com as rendilheiras de Peniche foi coroado de êxito, de tal modo que na Exposição Universal de Paris, efectuada nesse mesmo ano de 1889, as rendas por si apresentadas obtiveram uma medalha de ouro. O comissário do pavilhão de Portugal foi precisamente Rafael Bordalo Pinheiro.

A 26 de Setembro a família dos Bordalos deverá pois ter-se reunido em Peniche para festejar os sucessos de Maria Augusta à frente da Escola Maria Pia. Pela indumentária de Joaquim Manuel Correia percebe-se que a festa teve exigências protocolares.
Rafael Bordalo Pinheiro instalara-se na região, com a sua Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, em 1884. Na altura a irmã, Maria Augusta, colaborou intensamente no projecto, sendo da sua autoria algumas aplicações cerâmicas da entrada do depósito fabril.
Joaquim Manuel Correia regressou ainda nesse ano de 1889 ao Sabugal e a Coimbra, para completar o curso de Direito. Só voltaria a encontrar os caminhos das Caldas e Peniche em 1905, o ano da morte de Rafael Bordalo Pinheiro. Já não teve oportunidade de lhe pedir que melhorasse o desenho de 1889.
Correia veio tomar posse das propriedades do sogro, falecido também nessa altura, na Columbeira (então Óbidos, hoje Bombarral). Adquiriu casa nas Caldas, na Rua Nova. Ou seja, na rua que a Câmara Municipal da vila decidira em 4 de Junho de 1902, denominar Rua Rafael Bordalo Pinheiro (foto ao lado; a casa de Joaquim Manuel Correia é a última do lado direito).

Os trabalhos de Joaquim Manuel Correia 5 de Abril

Colóquio no Auditório Municipal do Sabugal sobre Joaquim Manuel Correia e o seu tempo.
Intervenções de Pinharanda Gomes, Leal Freire, Adérito Tavares, Meirinho Antunes, João Serra (que, na imagem, apresenta o edital em que JMC proclama a República nas Caldas da Rainha a 7 de Outubro de 1910.

Nascido no concelho do Sabugal, em 1858, Joaquim Manuel Correia, estabeleceu banca de advogado nas Caldas da Rainha em Fevereiro de 1905. As suas simpatias republicanas, j originadas na frequência da Universidade de Coimbra, foram percebidas na vila. Nas eleições municipais de Novembro de 1908, encabeçou a lista concorrente pelo Partido Republicano nas Caldas da Rainha. Presidia à Comissão Municipal Republicana quando se deu o 5 de Outubro de 1910. Consequentemente, foi o primeiro Presidente da Comissão Administrativa da Câmara e Administrador do Concelho das Caldas da Rainha, a seguir à revolução de 1910.
Joaquim Manuel Correia é pai e avô de historiadores: Fernando Correia, Natália Correia Guedes.
 
Abril lírico (1871) 5 de Abril

António José de Carvalho dedica o seu romance Rosa da Montanha, cuja acção decorre em terras quadrazenhas e da Malcata (Sabugal), a uma Excelentíssima Senhora (aliás, Isabel Augusta Bigotte, com quem casaria mais tarde), datado de Abril de 1871.
É de todos o mais risonho o mês de Abril. Dato a dedicatória neste mês, porque simboliza ele para mim as bênçãos da Providência na humanidade.
Mês de Abril! Como é mago e loução com as suas florinhas a estrelejarem o verdejante prado, com o trinar das avezinhas a espreitarem por entre as virentes folhas da viçosa árvore o cristalino riacho, que tranquilo murmura através das penedas enfeitadas de acetinado musgo!
Mês de Abril! Como é sedutor com as tuas serenas noites de alma poesia, quer a lua melancólica se debruce sobre a montanha que de novas galas se reveste, quer o céu estrelado e brilhante envolva em seu dulcíssimo encanto a triste donzela, sonhando com um futuro de rosas, e a inocente criança dormindo perfumada pelo aroma de mil flores.
Mês de Abril! Como és poético com as tuas rosadas auroras, sorrindo prazenteiras para as pérolas de orvalho, que brilham sobre a flor.
Oh, se eu fosse mulher e houvesse de ter um filho, desejaria que ele visse a manhã da vida no encantador mês de Abril; e quando, passados anos, ele me sorrisse, dir-lhe-ia, em idênticos meses, beijando-lhe as faces: és meu filho, como aquelas flores do nosso jardim; nasceste quando elas desabrocharam. Sorriu-te, como a elas, a aurora deste dia.
(...)

 
Manhã de Abril 5 de Abril

Atravessei ontem a Cova da Beira, ao fim da tarde, sob o apelo de memórias longínquas. Por aqui iniciei a vida de professor de liceu, em Dezembro de 1970.
As cidades estendem-se pelos campos de pasto, vinhedo e frutas. As cerejeiras, com as suas flores brancas, encostam-se às paredes das últimas casas e franqueiam os quintais. Deixando a A23, a caminho de Belmonte e Sabugal, contrastam agora com os arbustos pontuados de azul e amarelo que muram as estradas secundárias.
Mas estão por aqui raizes mais antigas. O meu avô paterno e o irmão daqui partiram para as Caldas e Peniche nos princípios do século XX. E antes, o tio de ambos, pai da minha avó paterna. Na segunda metade do século XIX, os filhos das famílias numerosas beirãs emigraram para todo o Mundo: para o Brasil e América e para a Europa; para o litoral português, nomeadamente Lisboa e algumas cidades do Oeste.
Trouxeram consigo, além de uma pronuncia que resistia, reminiscências de aldeias enegrecidas, do frio e da neve, do tratamento dos animais, evocações de sabores fortes como o queijo e os enchidos, de condições duríssimas, desconforto e fome.
Entrei no Sabugal, atravessando o Coa, já de noite. A temperatura baixara em menos de uma hora, de 25 para menos de 10 graus.
Às 8 da manhã, com a terra ainda húmida, a paisagem era assim.

 
Honoris Causa 2 de Abril

"É pelos seus actos, mais do que pela sua condição, que um doutor ganha a sua auréola", terá afirmado Henrique de Gand em 1217, disse o Professor Julio Pedrosa, na abertura da sua oração na Universidade de Aveiro na cerimónia de atribuição do Doutoramento Honoris Causa a Jorge Sampaio.

Doutor no dia da Constituição
 
 

De facto o homenageado recusou até hoje diversas iniciativas de teor semelhante. Penso que o fez justamente porque surgindo elas no contexto das funções presidenciais que exerceu, sempre restaria a dúvida de saber se a distinção lhe era oferecida em razão dos actos ou da condição.
"Estamos perante uma personalidade que prestou relavantíssimo contributo à Edicação Superior, que definiu como "um espaço e cultura, no sentido amplo do termo: cultura científica e tecnológica, ultura humanista, cultura artística e literária", disse Julio Pedrosa, professor da Universidade de Aveiro, antigo Reitor, antigo Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Porrtuguesas e antigo Ministro da Educação.

 
"A educação, a ciência, a inovação, o saber indispensável ao desenvolvimento humano, a sensibilidade, a inteligência, a ética, a civilidade que precisamos de cultivar para sermos pessoas em plenitude, percorrem os textos que o doutor Jorge Sampaio nos legou, testemunho da sua presença na Presidência da República. São tratados de Ciência Política Aplicada, de Filosofia Política e de Educação, inspirados em sabedoria rara, experiência e humanidade, que atestam uma viva inteligência e um exigente esforço de procura. Estão ao dispor dos invstigadores e de outros interessados em Política, em Ciências, em Educação e Cultura; proporcionam saberes preciosos, apresentam resultados de observação, são estudos e reflexões sobre a nossa condição, acerca dos caminhos para desenharmos e termos melhor futuro e com uma grande ambição para Portugal"  
"A busca, a criação e a partilha do conhecimento exigem uma constante atenção e devoção à defesa de uma ética de responsabilidade, ao valor do esforço e do rigor. A abertura aos outros e à discussão livre de ideias estão presentes numa ideia de Universidade que nos interessa cultivar. A preocupação pelo sentido de responsabilidade, pela prestação de contas, pelo valor da confiança mútua, pelas exigências e os princípios orientadores que alimentam a cidadania activa, são valores da Política, da Ciência e da Educação Superior que Jorge Sampaio defendeu e praticou" (Julio Pedrosa).  
Aparentemente não é connosco 31 de Março
Atenção ao texto de Francisco Sarsfield Cabral no Público de hoje. Tripla crise: do dolar, do petróleo, de bens alimentares. Não sabemos a sua exacta extensão e consequentemente não sabemos como lidar com ela. Só sabemos que não a esconjuramos supondo que lhe escapamos. Noutros países, mobilizam-se saberes e políticas para lhe preparar as respostas. Ninguém sabe
 
Democracia e autonomia 30 de Março

A democracia tem tido dificuldade em lidar com Alberto João Jardim e compreender a autonomia, cuja discussão, aliás nunca verdadeiramente aprofundou.
E, no entanto, a autonomia regional foi o modelo definido pela República para compatibililizar, em territórios com especiais fragilidades, a democracia com o desenvolvimento. O balanço de três décadas de autonomia não pode deixar de ser considerado positivo e, como tal, creditado a favor do regime representativo republicano. Fez bem o Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, como antes o fizera o Presidente Jorge Sampaio, em sublinhar esse facto. De outro modo, a quem imputar os resultados de um exercício traduzido em índicadores de desenvolvimento e sucessivamente sufragado? À providência de um líder?
São distintas, historicamente, as situações socio-culturais da Madeira e dos Açores. Desiguais os pontos de partida e as culturas políticas que geraram e nas quais se reconhecem. Ao longo das três décadas já percorridas de autonomia, diversos têm sido também os modos de actuação e os perfis políticos das lideranças das duas regiões autónomas. Decerto que a diferença de protagonistas reflecte a seu modo a diferença de condições em que se inscrevem.
Teve pois razão Jaime Gama em sublinhar que o conceito de autonomia é mais do que um assunto de ordem política e jurídica é uma tema de "luta, tenacidade, dinâmica e afirmação em crescendo, o qual deve ser "reconhecido e valorizado".

 
Inquietações pedagógicas 28 de Março
A propósito do incidente na escola do Porto, cujas proporções mediáticas são evidentemente potenciadas pela frente política de contestação à actual equipa do Ministério da Educação, ver o que se reflecte no blogue de Ana Maria Bettencourt e Maria Emília Brederode Santos. Inquietação
 
Na morte do Padre António 23 de Março

16 horas: cerimónia de exéquias do Padre António Emilio, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, presidida pelo Cardeal Patriarca de Lisboa. Igreja apinhada.
Durante cerca de uma hora, uma dezena de padres celebra uma missa, sem que, sobre a pessoa que ali chamou centenas de amigos e admiradores tivesse sido produzida mais do que três escassas palavras: Padre António Emílio.
Tudo o que os diversos oradores tiveram para nos dizer foram considerações abstractas sobre morte e ressurreição, sentidos para vida, lições divinas. De concreto sobre a vida e obra do homem cujo corpo estava ali presente, entre familiares e amigos, nem uma breve alusão.
Aquele silêncio absurdo incomodou-me.
Mas à tardinha, no regresso do funeral, passei pelo blogue dos Antigos Alunos do Externato Ramalho Ortigão. Aqui estavam as palavras necessárias, a lembrança, o tributo generoso (http://externatoramalhoortigao.blogspot.com). A vida, como ele a amava.

 
Nuno Brederode Santos 23 de Março

Hoje, na sua coluna semanal do Diário de Notícias:
"Escassos foram, durante a ditadura, os que arriscaram alguma coisa a combatê-la. É, de resto, sempre assim. Os resistentes não são conquistadores precisamente porque são minoritários. E, se as ditaduras reprimem as minorias que as combatem, é para se assegurarem da omissão amedrontada da maioria que submetem. Nesta reside a chave (ou, se quiserem moralizar), a culpa. É, afinal, com essa amarga maioria que os ditadores governam, ainda que o façam também contra ela. E é no dia em que se prova que a resistência já é, ou pode tornar-se, maioritária, e que o medo e o desespero cedem perante a coragem e a vontade, que a ditadura deixa de ditar e a oportunidade da liberdade acontece.
É claro que, logo após a manhã libertadora, ninguém diria que as coisas foram assim. A vida de quem foi livre antes do tempo é banalizada pelas biografias de ficção dos que só se libertaram do medo quando já não havia razões para ele. E é precisamente por estes serem maioritários (e submergirem os outros) que "as revoluções devoram os seus próprios filhos". A menos que haja, da parte destes, o realismo - outros dirão a "sensatez" - de abdicarem dos seus pergaminhos e aceitarem um código do esquecimento. Então, sim, a História poderá ser reescrita de modo a circunscrever a explicação do alfa e ómega de um regime num chefe, mais umas centenas de legionários e uns milhares de agentes da polícia política -que é como explicar a treva generalizada por uma lâmpada fundida. Os que se ficaram pela omissão, os que voluntariamente se tornaram prisioneiros de projectos de uma vida medíocre, aconchegada e sem risco, reclamarão agora para si um novo passado. Desenganem-se os indignados: ainda que em legítima defesa, a democracia transigirá com esses, permitindo- -lhes reinventar uma vida inteira. Porque ela própria só faz sentido e só subsiste enquanto regime maioritário.
Em consequência, não fica bem aos donos de um passado ilustre - que o é porque foi devotado aos outros - reivindicarem agora tal sangue azul contra os demais. Se o querem merecer, a devoção e o desinteresse devem continuar a guiá--los e reivindicar privilégios não é decerto o melhor modo de o fazer. Aguentem-se com as comendas morais e com o que a memória salvar. Mas pior fica, aos que primaram por prudência, silêncio e omissão durante os tempos difíceis, virem agora servir-se do esquecimento pactuado e quererem impor aos novos as fantasias e jactâncias que lhes podem conferir currículo e "moralidade". Porque estes abusam do pacto. E contra eles é legítimo desenterrar todas as verdades."

 
Padre António Emílio (1926-2008) 22 de Março

O Padre António Emílio Martins de Figueiredo foi o primeiro director do Externato Ramalho Ortigão, depois que o estabelecimento foi adquirido pelo Patriarcado de Lisboa. Estava-se em 1959 e a Igreja decidira intervir no ensino secundário, numa altura em que a procura deste sector de ensino dava sinais de algum dinamismo.
O Padre António Emílio, então com 33 anos, poderia ter sido uma das figuras mais emblemáticas dessa nova iniciativa. Estava muito à vontade no meio juvenil, encarnando com desenvoltura o gosto pelo contacto com a natureza, pelos jogos, o relacionamento normal e desinibido entre rapazes e raparigas e entre gerações. Tudo nele contrariava a imagem de uma Igreja desconfiada da juventude e das suas aspirações, centrada nas questões morais e indiferente aos valores da participação e entreajuda.

 

 

A nomeação para um dos colégios com que a Igreja iniciava esta nova modalidade de intervenção social, deve-a ter recebido com entusiasmo. Além de prova de confiança nas suas capacidades, permitia-lhe reencontrar a cidade onde nascera, onde os seus pais residiam, bem como muitos dos seus amigos. A instituição que lhe foi confiada seria em breve dotada de novas instalações, o que constituiu certamente um aliciante suplementar para as novas funções.
Conheci o Padre António Emílio exactamente no exercício dessas funções de Director no ano inaugural das instalações do colégio, ao cimo da Rua Diário de Notícias, em frente à Mata, em finais de 1960.
Presumo que se tenha empenhado particularmente na programação do novo edifício, aliás executado em tempo recorde, cerca de um ano. A concepção moderna, os amplos recreios, o ginásio e laboratórios, salas de convívio e jogos, tornavam-no modelar. Aqui iria ser ministrado o curso liceal, em todas as sua alíneas, além de um Curso do Magistério Primário, a funcionar em regime de internato. O colégio teve nessa altura também uma colónia de férias em Salir do Porto. No que parece ter sido um ensaio de alternativa à Mocidade Portuguesa, lançou as bases para um organização católica de inspiração escutista, os "Cavaleiros do Santo Graal" e as "Guias de Portugal".
A direcção do Padre António era exercida em clima de proximidade com os alunos. A fonte da disciplina era a persuasão e o consentimento, não o temor e o castigo. A exemplo do que se passava com o seu gabinete, de ordinário de porta aberta, uma cultura de convivência e abertura era estimulada. O director era um confidente e um amigo, antes de ser o detentor do lugar de topo da hierarquia. Tinha mais ou menos a idade dos pais dos alunos, com muitos dos quais andara na escola. Conhecia-os, pois, o que reforçava o clima de confiança sobre a escola e dentro da escola.
Deve ter sido com surpresa que o Padre António Emílio recebeu a informação, em 1963, de que teria de trocar a direcção do ERO por um lugar na Casa Pia.
A direcção que lhe sucedeu, mais próxima de uma gestão tradicionalista, sublinhou o carácter profundamente inovador da forma de entender o papel do director num estabelecimento de ensino. Nas vidas dos adolescentes caldenses dos primeiros anos da década de 60, o Padre António Emílio ficou associado a espírito de equipa, motivação e curiosidade, competição saudável, convivência e companheirismo.
Num texto que publicou em 1982 sobre a vida religiosa caldense dos 50 anos anteriores, procurou esconder a decepção que porventura lhe causou o termo da experiência como director do Colégio:
"Valeria a pena escrever uma páginas sobre a acção na formação cristã e humana das crianças e da juventude das Caldas, quer através das aulas de moral e religião das Escolas, quer através da criação do novo Externato Ramalho Ortigão, ou do acompanhamento a Grupos de Jovens que anseiam por fazer a sua caminhada na vida, à luz do Evangelho. Este artigo já vai longo e não me sinto à vontade para falar de um trabalho em que empenhei o melhor da minha vida e da minha saúde".
Na Casa Pia, o novelo que lhe veio parar às mãos e cuja meada tentou desatar constituiu certamente uma terrível experiência. Em 1969, impulsionou a organização de uma corajosa denuncia de práticas de pedofilia na instituição. A denuncia subiu à Secretaria de Estado da tutela e chegou aos tribunais de família. Mas o processo foi interrompido de forma abrupta, deixando no Padre António mágoa e revolta, de que se fez eco em diversas entrevistas em finais de 2003.
O trajecto deste homem que parecia talhado para ser o rosto da renovação do ensino não confessional da Igreja nos anos 60, orientou-se a partir daí pela actividade como pároco. Em Lisboa e mais tarde em Salir do Porto, no concelho onde nascera em 1926.

 
Jorge Silva Melo entrevista Ferreira da Silva 21 de Março
Jorge Silva Melo, grava, no Museu do Bombarral,longa entrevista com Ferreira da Silva. Temas: Jorge de Almeida Monteiro e a "Cerâmica Bombarralense" nos anos 40; Pomar e Alice Jorge; a Secla dos anos 50, o Estúdio; Santiago Areal; O Curral; trabalhos actuais do artista. Um excelente registo que em muito excede o projecto inicial do realizador.  
Portugal a preto & branco 15 de Março

O fascínio de António Barreto pela fotografia tem nesta edição uma prova concludente. Por ocasião das filmagens do Retrato Social, o autor registou na sua câmara imagens do Portugal contrastado que estudou e viu. O seu ponto de vista transmite-nos a desolação de um país fragmentado. No preto & branco as manchas de branco são raras e quase todas resultantes de uma iluminação forçada. Um manto cinza enegrecido é afinal o traço de união da insanada dualidade do Portugal moderno e antigo.

António Barreto, Ponto de Vista. Portugal, Um Retrato Social. Lisboa, FNAC, 2008.

António Barreto, Arredores de Felgueiras

 
Pela política 12 de Março

Só hoje li a entrevista que o Presidente da Câmara Municipal das Caldas concedeu ao Jornal de Leiria (6 de Março) publicada num caderno sobre Caldas da Rainha.
É um exercício sereno que merece referencia. O entrevistado não se refugiou em respostas evasivas perante as questões delicadas, fez a crítica sem acrimónia pessoal ou recurso à demagogia, ou seja, evitou fórmulas correntes neste género de intervenções das quais, aliás, ele próprio se serviu abundantemente no passado.
Argumentou com solidez e realismo sobre temas como o novo aeroporto internacional de Lisboa e o sistema de compensações que o Governo propõe ao Oeste. Admitiu o desejo de se recandidatar a mais um mandato na Câmara das Caldas, mostrando com clareza que essa é a consequencia lógica de uma opção de vida. Apontou o dedo às situações de promiscuidade entre política e negócios privados, considerando que só os sistemas de valores permitem aos políticos que os seguem "dormir descansados".
Não foi, a meu ver, convincente, quando defendeu uma regionalização que tenha por base o distrito. Mas essa é uma velha divergência entre nós, que com o tempo me parece cada vez mais uma divergência do passado. Defender que o distrito funcione como ponto de partida para uma regionalização é supor que é possível, por um passe de mágica, anular um histórico de separação, de querela ou de indiferença, a ausência completa de tradição de negociação e composição de interesses intra-distrital. A prova desse vazio está nas próprias palavras de Fernando Costa, quando reconhece que até mesmo para negociar compensações da Administração Central pela deslocalização do aeroporto não foi possível contar com Leiria.
Uma entrevista que substitui a querela inútil pela serenidade e convicção como arma política. Uma entrevista pela política.

 
Rogério Ribeiro 11 de Março

Faleceu ontem Rogério Ribeiro, professor da Faculdade de Belas Artes de Lisboa e director da Casa da Cerca, em Almada. Nascera em 1930, em Estremoz. Mestre de pintura e desenho, também se dedicou à cerâmica, sobretudo à disciplina da azulejaria. É o autor das decorações ajulezares de estações do metropolitano em Lisboa (Avenida e Anjos- ampliação) e Santiago do Chile (Santa Lucia), bem como da estação ferroviária de Sete Rios e da Casa de Portugal na Cidade Universitária de Paris.
Recordo-o aqui especialmente pelo acompanhamento que nos proporconou, a mim e ao Escultor António Vidigal, na criação da Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha, em 1989-1990. Rogério Ribeiro era então Presidente do Conselho Científico da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, a instituição a que estava também ligdo o Escultor Vidigal. Colaborara activamente na reforma que conduzira à criação dos Cursos Superiores de Design (hoje integrados na Faculdade de Arquitectura) e era, ao tempo, professor de Design de Equipamento. A ESAD e as Caldas devem à sua memória justificada gratidão.

 
Jorge Sampaio, 2 anos depois 9 de Março

Jorge Sampaio na "Sic Notícias", em entrevista a Raquel Alexandra, passados dois anos sobre o termo dos seus mandatos em Belém. Registo de um Presidente que, cumprida a missão, aceita como natural uma nova página da sua vida. Igualmente intensa, igualmente de serviço público, igualmente entusiasmante. Uma análise serena da vida pública portuguesa: elogio aos resultados obtidos na redução do defice, no combate à evasão fiscal e ao plano de reforma da saúde apresentado por António Correia de Campos. Rarefacção de compreensão e conforto para todos os que têm sentido de forma mais acentuada os efeitos da crise financeira. Destaque para a estabilidade da interpretação dos poderes presidenciais feita pelos presidentes eleitos na vigência da Constituição de 1976 e do entendimento claro que da actuação presidencial têm os portugueses.

 
A rua e as mediações políticas 8 de Março

José Pacheco Pereira no Público de hoje:
Estando Governo e oposição na "rua", frente a frente, estamos numa situação em que se vai para a "rua" por falência (ou inexistência) de mecanismos institucionais que impliquem mediações no processo político. Falência do Parlamento, em primeiro lugar, dos partidos, em particular do PSD, na oposição, e do PS como apoiante do Governo, falência de muitos instrumentos de mediação. Por isso é que, estando toda a gente na "rua", nem sempre se sabe como de lá sair.
A crise dos partidos, enquanto instrumentos fundamentais de mediação política na democracia, não é de agora, como aliás Pacheco Pereira bem sabe. Mas não há aqui também uma ausência significativa do Presidente da República? O Presidente esteve na rua contra o Ministro da Saúde. E agora?

 
Luiz Pacheco na Universidade de Coimbra 8 de Março

A Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra organizou uma exposição bibliográfica e documental sobre Luiz Pacheco, integrada na Semana Cultural da Universidade. O escritor, o editor, o escriba e a sua circunstância, as atribulações de uma vida de risco perpassam pelas vitrines com cartas, livros anotados, edições, manuscritos, panfletos, os sinais de um percurso fragmentário de um dos grandes prosadores da segunda metade do século XX. O site da Biblioteca Geral passou a dispôr de uma página onde esta documentação está online (ver ao lado)
As Caldas, onde Pacheco viveu 3 anos fulcrais, estão presentes na mostra, através de desenhos de Ferreira da Silva e documentos da minha colecção particular.
Do colóquio em que também participaram Vitor Silva Tavares, jornalista e editor, Fernando Pinto do Amaral, escritor e professor universitário, além de Paulo Pacheco, filho do homenageado. O retrato que saíu das diversas intervenções pôs em destaque os dois ângulos de abordagem de LP: o escritor, um clássico, ou melhor um autor que trabalhou sobre os clássicos, da Comunidade , do Teodolito , etc., textos fundamentais da literatura portuguesa da segunda metade do século XX; a personagem em confronto (consigo próprio, a família, o stablishment social, literário e político).
Isabel Xavier confirma a intenção da associação PH, a que preside, de organizar proximamente uma iniciativa similar nas Caldas da Rainha.

Exposição Luiz Pacheco
 
Joel Serrão 7 de Março

Numa altura em que o ensino universitário da História mal ousava espreitar para cá do Marquês de Pombal, Joel Serrão publicava os seus Temas Oitocentistas (1959) e Temas de Cultura Portuguesa (1960), colectâneas de estudos que desbravaram a história política e das ideias do Liberalismo e da Primeira República. Professor do ensino secundário, metodólogo no Liceu Pedro Nunes onde orientava a profissionalização de professores de Filosofia e de História, o meu primeiro contacto com a sua obra ocorreu através de dois volumes de uma Antologia Filosófica (dedicado um à Psicologia e o outro à Teoria do Conhecimento), que organizou com Jorge Borges de Macedo. Nos anos 60 coordenou, para a Iniciativas Editoriais, dirigida por João Fernandes Fafe, a obra pela qual certamente mais merece ser lembrado, o Dicionário de História de Portugal, incialmente publicado em fascículos. Os 4 volumes finais do Dicionario mobilizaram a melhor historiografia portuguesa da época, num trabalho de síntese profundamente inovador. Algumas das suas entradas marcaram uma viragem na forma de perspectivar problemáticas da história de Portugal. Foi o caso, por exemplo, de ensaios assinados por Vitorino Magalhães Godinho, por Jorge Borges de Macedo, por Orlando Ribeiro e pelo próprio Joel Serrão.
Convidado para se ocupar da área de História Económica no antigo ISCEF (Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras), actual ISEG, já na dévada de 19170, aí constituiu uma equipa de que fizeram parte, entre outros, Vasco Pulido Valente, César Oliveira, António Ravara e Gabriela Martins.
Conheci e convivi com o Professor Joel Serrão na segunda metade da década de 1980. Era já então já Professor Catedrático da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, também lançando uma nova geração de historiadores, como Fernando Rosas, António Reis e Maria de Fátima Bonifácio. Muitas vezes o visitei no seu modesto gabinete da Faculdade ou, ali ao lado, no da Fundação Calouste Gulbenkian, de que era administrador. Aproximando-se da idade de reforma (nasceu em 1919), o Professor Joel Serrão queria estabelecer as modalidades de revisão e continuação do seu Dicionario, cujos direitos tinham sido adquiridos pela Figueirinhas do Porto, e pediu-me ajuda para definir o quadro conceptual e contratual mais adequado.
Entendo que a obra do Professor Joel Serrão vale sobretudo pelas hipóteses que lançou e que estimularam e iluminaram muitos dos caminhos que a actual historiografia vem trilhando. Está nos antípodas da monografia, da especialização num tempo e até numa problemática específica. Profundo conhecedor das fontes literárias, foi com elas que trabalhou a história cultural e das mentalidades, tão ao gosto da escola dos Annales de que foi um dos primeiros discípulos em Portugal. De Sampaio Bruno, a Henriques Nogueira, de Herculano a Cesário Verde, de Oliveira Martins a Fernando Pessoa, de Antero de Quental a António Sérgio foram inúmeras as figuras cujos textos editou e comentou com elegância e perspicácia. Mas também nos deixou ensaios pioneiros de história da indústria, de história demográfica e das emigrações, de história social, de história política e das ideias políticas.
Morreu ontem este grande Mestre da minha geração. Há anos que a doença o afastara do convívio dos amigos.

Bibliografia do Prof. Joel Serrão
 
Águas de Março 7 de Março
   
Elis Regina    
Revisão do PDM 6 de Março

A Câmara Municipal propôs-se realizar uma sessão de apresentação do processo de revisão do Plano Director Municipal e a direcção da Escola Superior de Artes e Design anuiu. Intervenções estimulantes do responsável político e (vereador João Aboim) e de um dos elementos da equipa técnica (Dr. Carlos Gonçalves, geógrafo).
Três temas inevitáveis no período de debate. À sombra do actual PDM, a Esad foi "descentrada", uma vez que ficou separada do centro da cidade por uma circular e uma carga excessiva de habitação no antigo leito da ribeira do Avenal. A acessibilidade ao campus ficou praticamente limitada ao automóvel. Não há transporte público, o acesso pedonal é perigoso e a bicicleta desaconselhável, em face dos obstáculos criados. É necessário minorar as consequências deste erro no quadro da revisão do PDM.
Carlos Gonçalves chamou oportunamente à discussão a problemática das cidades criativas, mas não ficou claro que a revisão inclua dispositivos nesse sentido. Devia. A exemplo do que tem sucedido noutras cidades, a definição de um corredor criativo articulando recursos do território tem toda a justificação. Poder-se-á adaptar uma das figuras utilizadas pla Unesco para a classificação patrimonial, promovendo a classificação de uma área cultural intermunicipal , ligando os centros históricos das Caldas e Óbidos. Com o que se ultrapassaria barreiras administrativas que não fazem sentido num mundo global e competitivo que aquele onde operam as cidades.
Finalmente, o tema da fraca repercussão que os valores culturais gerados e polarizados pela ESAD têm nas políticas municipais. Tema complexo, dominado pelo queixume. A necessitar de aprofundamento, ou seja de trabalho da análise e de proposta.
O follow-up desta sessão seria uma reunião de trabalho com representantes da ESAD e da Câmara para identificar as áreas de tensão, desenhar respostas aos problemas, estabelecer compromissos em torno de objectivos e programa de acção calendarizados.

 
Caixa de Pandora 6 de Março
Alcochete já prometeu um, talvez dois, Hospitais, dois, talvez três, troços de caminhos de ferro. Anuncia-se que também cede um novo traçado de TGV que não "passe por Alcobaça". É o regresso do "velho" Oeste.  
Painel azulejar da EBI Sto Onofre 5 de Março
 

Autor do painel: Maria da Natividade Mendes (Natas)
Assinatura: Maria Mendes
Data: 1993
Autor da fotografia: Xaneca (2008)

Ver ficha sobre a Ceramarte, fábrica do Bombarral, na página Cerâmica deste site
Ainda o Hospital Oeste Norte 3 de Março

O processo de tomada de decisão sobre o novo hospital apresenta incoerências que comprometem, pelo menos, a sua indispensável clareza. Trata-se de uma decisão que responsabiliza a Administração Central. O Ministério da Saúde encomendou à Escola de Gestão do Porto um estudo sobre dimensionamento hospitalar na Estremadura-Oeste, o qual concluiu pela necessidade de criar dois novos hospitais, um a Norte e outro a Sul, recomendando que aquele ficasse localizado em Alfeizerão e este em Torres Vedras. Mas esse estudo apresentava inúmeras fragilidades, logo apontadas por diversos observadores e até por um deputado da maioria governamental (requerimento de António Galamba). De qualquer modo, um estudo não é uma decisão política, como está abundantemente comprovado, e o Oeste aguardou serenamente pela avaliação e decisão governamental. Tanto quanto se sabe, a hipótese de um novo hospital foi posta, um pouco surpreendentemente, em cima da mesa da primeira reunião entre o Governo e os autarcas do Oeste, imediatamente a seguir à decisão de construir no Campo de Tiro de Alcochete o novo Aeroporto Internacional de Lisboa. O Primeiro Ministro adiantou, por iniciativa sua, essa proposta, no quadro das compensações devidas ao Oeste pelo abandono do projecto de Ota, pedindo aos autarcas que se pusessem de acordo quanto à localização do novo Hospital.
Não parece adequado este procedimento. Se o Governo quer avançar com um novo Hospital deve precaver-se com os relatórios técnicos susceptíveis de sutentar a melhor localização. Desafiar os autarcas para um consenso em tal matéria não é avisado nem provavelmente justo.

 
"A Gravura: esta mútua aprendizagem" 1 de Março

É o título do documentário que Jorge Silva Melo (Artistas Unidos) tem em mãos.
Escreve:
"A Gravura iniciou-se numa garagem de Algés, passando depois para um andar da Rua das Taipas e instalou-se finalmente a naquela que seria a sua sede, oficina e galeria, na Travessa do Sequeiro. Ela correspondeu à necessidade que os jovens artistas sentem de aprender novas técnicas em conjunto, de ultrapassarem as suas limitações académicas. E a forma encontrada envolve a sociedade intelectual: a cooperativa funciona com um número considerável de sócios (que não são artistas), companheiros de interesses políticos e estéticos, num intercâmbio que foi único, nunca existira e não voltará a existir.
Trata-se de um momento único de camaradagem, aprendizagem, intercâmbio, um momento político na História das Formas e das Ideias.
Este documentário, cujo título provisório é A GRAVURA: ESTA MÚTUA APRENDIZAGEM, abordará a origem da cooperativa nos movimentos de oposição e associação gerados pela experiência do MUD Juvenil. Mas também percursos individuais dentro da cooperativa. E cruzará depoimentos de alguns fundadores com a análise da história da cooperativa, das formas e da determinação de um gosto estético que marcou as décadas de 60-70".
Uma parte desta história passou pelo Bombarral (Jorge de Almeida Monteiro e a sua prensa de gravura) e pelas Caldas (Hansi Stael, Ferreira da Silva, encontros no Estúdio da Secla).

O projecto
 
CTT/DECO 29 de Março
Incrédulo, vi ontem na Sic Notícias, a forma truculenta e desabrida como um Administrador dos CTT discutia com um cordato representante da DECO. Não quero cair naquele efeito fácil de separar a contenda pelo lado do Estado e do cidadão, num relacionamento marcado pela arrogância e o autoritarismo do primeiro relativamente ao segundo. Mas que o modelo de resposta adoptado pela pessoa que o Governo nomeou para os CTT vem reforçar uma cultura de empresa e uma imagem exterior de um serviço público que recusa as observações críticas e as propostas de melhoria dos procedimentos, lá isso vem.  
O carteiro de Pablo Neruda 28 de Fevereiro

Embora o embate entre a Ministra e os Sindicatos me pareça muitas vezes mais uma uma questão agravada por uma quezília, não deixo de experimentar alguma emoção ao ver na liça tanta gente da minha idade que fez das escolas a sua vida. Olhando para trás, se há traço de união numa vida tão fragmentária como a minha, esse traço é talvez a docência. Não me lembro de um único ano em que não trabalhado com alunos, desde que comecei a dar "explicações" de História e Latim com 17 anos. Assaltou-me em seguida, uma evocação de George Steiner, que demorei a encontrar. Aqui está, numa passagem de entrevista publicada em Junho de 2006 por Le Magazine Littéraire:
Pergunta: O ensino ocupou um lugar essencial na sua vida. A literatura comparada, que ensinou durante mais de 50 anos, é para si, mais do que uma disciplina, uma visão do mundo.
Resposta de G. Steiner:
"Para o meu pai, fiel nesse aspecto à tradição judaica, o ensino era a suprema vocação. É o "rabinato" laico. O comparatismo faz parte da minha condição de peregrino. Estou a andar. As árvores têm raízes, eu tenho pernas. A literatura comparada tem sempre as malas feitas. Coincide com a minha natureza profunda. Lembro-me da resposta de Roman Jacobsen ao presidente de Harvard que lhe dizia: "Roman, dizem que fala 17 línguas..." - Sim, senhor presidente, mas todas em russo!" Procuro fazer literatura comparada falando "Homero" ou "Dante". O comparatista ultrapassa as fronteiras, legal ou ilegalmente. É preciso coleccionar passaportes como quem colecciona selos. Se não se pode ser um grande criador, podemos ser carteiros - postinos, como no belo filme sobre Pablo Neruda - aquele que leva as cartas. Um professor leva as cartas. É um privilégio imenso, e toda a sua arte consiste em escolher as boas malas, as que garantem que as cartas sejam lidas e amadas."

 
A fronda dos professores 27 de Fevereiro
Manuel Carvalho em editorial do Público aponta o concurso para professores titulares como estando na origem da convulsão actual das escolas. Na Quadratura do Círculo, Pacheco Pereira aponta na mesma direcção. Amigos meus, professores, mostraram-me com exemplos ineludíveis as injustiças e distorsões que tais concursos introduziram no corpo docente das escolas, pelo facto, que também me pareceu absurdo, da desvalorização dos curricula pessoais anteriores aos últimos 7 anos. Corrigir esse erro de base é absolutamente crucial. Editorial
 
"Olá a todos, deixem-se estar aí" 25 de Fevereiro

"As cartas por responder acumulam-se na mesinha. Caixotes de livros. Sorrisos de pessoas de quem gostei e a morte levou. Levou, mas continuam comigo, tão presentes. Respiram. De algumas oiço-lhes a voz. Olá a todos, deixem-se estar aí. Embora finja que não, necessito tanto de companhia. Um estar aí que já é muito".

António Lobo Antunes, crónica "Agora que já pouco te falta", Visão, 21 de Fevereiro de 2008

Crónica
 
Casinos: alteração legislativa de 1995 25 de Fevereiro

O Decreto-lei nº 10/1995 de 19 de Janeiro estabelecia no seu artigo 27º, nº 3, que o decreto regulamentar que abra o concurso de exploração de jogos de fortuna ou azar "poderá determinar que os casinos que não sejam do domínio privado do Estado não venham a reverter para este no termo da concessão".
O Decreto-lei nº 40/2005 de 17 de Fevereiro passou a considerar que os casinos que não integram o domínio privado do Estado só são para ele reversíveis se tal for determinado pelo decreto regulamentar de abertura do concurso.
Tem-se falado muito do decreto de 2005 mas não do de 1995!
Este foi aprovado por um Governo presidido pelo Primeiro Ministro Anibal Cavaco e Silva, a 20 de Outubro de 1994, e promulgado a 29 de Dezembro do mesmo ano.

 
O "distrito" 24 de Fevereiro

A realidade vai-se encarregando de, lentamente embora, desfazer os mitos criados e mantidos pela política e o seu específico modo de voluntarismo. Caso exemplar, num e noutro sentido, é o do distrito de Leiria.
Aglomerações de concelhos, os distritos foram criados em 1835, no rescaldo do fracasso das grandes regiões de inspiração francesa que Mouzinho da Silveira tinha projectado em 1832, estruturando uma quadricula de controlo político-militar sobre as populações e elites locais. Pouco a pouco, o liberalismo fez dos distritos a base do novo mapa desenvolvimentista, desconcentrando nesse nível as obras públicas, o ensino, o fisco e a polícia (mas não a justiça, por exemplo). Nos finais do século XIX, a estas funções territoriais, o distrito somou a de circunscrição eleitoral. As sedes do distrito passaram a ser a cabeça de círculos plurinominais, o que provocou uma adopção do modelo distrital pelos partidos e fez coincidir no Governador Civil frequentemente a figura do chefe partidário regional. Como é sabido, durante o Estado Novo, o distrito manteve as funções de círculo eleitoral e a Democracia não alterou esse regime.
Os distritos foram perdendo nas últimas décadas as funções que tinham desempenhado no Estado territorial. Em primeiro lugar, porque um dos fenómenos marcantes da Democracia foi o da emergência de um poder local com o qual o Estado contratou e continua a contratar a gestão de equipamentos e a prestação de serviços públicos. Em segundo lugar, porque a expansão urbana e as mudanças nos sistemas de comunicações obrigaram o Estado a procurar uma outra escala de racionalidade territorial. Surgiram assim as regiões-plano, na terminologia dos Planos de Fomento, as NUTs II, na terminologia do planeamento actual. Os distritos revelaram-se demasiado estreitos ou demasiado extensos.
Como referi no último Congresso da ADLEI, a única entidade que mantinha uma lógica distrital (embora "imperfeita") era o Instituto Politécnico de Leiria. Mas no mesmo Congresso, o seu Presidente preferiu designar por Leiria e Oeste o âmbito do Instituto. Decorrido pouco meses, eis que enuncia publicamente a disponibilidade para participar num consórcio de Institutos, onde certamente estarão, pelo menos, os de Santarém e Tomar. Ou seja, o ambito distrital do Politécnico está desfeito.
Parecem pois completamente deslocados os apelos avulsos lançados por algumas personalidades estimáveis à unidade do distrito. Fora do tempo e, sobretudo, fora do espaço de interacção em que hoje se definem territórios. Um governador civil recém-chegado que se acha representante do distrito junto do Governo, por exemplo. Mas não são os deputados quem tem legitimidade para representar distritos, nos quais foram eleitos? Um deputado que ciclicamente invoca a necessidade de recuperar um poder político distrital supostamente perdido. Mas há algum tabuleiro onde se jogue o confronto e a composição de poderes que coincida com a área de jurisdição do Governador Civil? Um director de jornal que se lamenta que as elites locais se tenham esquecido do plano distrital. Mas esse esquecimento não terá uma forte razão - o distrito não lhes deu respostas?
Neste cortejo inglório, entrou também recentemente o meu amigo Carlos André, intelectual de primeiro plano, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, escritor de reconhecidos méritos, político experiente e dotado, antigo Governador Civil de Leiria. Pronuncia-se, em recente entrevista a um periódico que se pretende "distrital" (Expresssões, 22 de Fevereiro) sobre o Oeste, equacionando as hipóteses de crescimento do Oeste e concluindo pela impossibilidade de todas elas. Tais hipóteses não fazem sentido. Os processos de recomposição territorial não são administrativos, são logísticos, baseiam-se não na rivalidade entre protagonistas locais mas na articulação de interesses. Demonstrada a inviabilidade do Oeste, Carlos André aponta o caminho: o distrito. "A solução é perceber que o distrito de Leiria tem um identidade que assenta na diferença". Caro Professor: além do distrito de Leiria, Portugal, a Europa e o Mundo. O Universo. Tudo isto apresenta uma unidade feita de diversidades. Até o Oeste, a bem dizer.

 
"Regeneração" 22 de Fevereiro

Mais uma apelo à regeneração do país centrado na reforma do Estado e da política e na autonomia da "sociedade civil". Li o relatório da Sedes à procura de uma ideia nova, de uma proposta generosa, de um elan aglutinador. Debalde. É mais do mesmo: banalidades, lugares comuns. Espuma dos dias, em suma.

 
"Sob influência" 22 de Fevereiro

Versac, bloguista (blogador?) influente de Paris, com 5 anos de presença na blogosfera (http://www.versac.net) escreve:
"Cansa-me toda esta reflexão permanente sobre a influencia dos blogues. Em contrapartida, há uma coisa que sei: sou um bloguista intensamente sob influencia.
Sob influência dos meus comentadores que, quando escrevo, me fazem evoluir (mesmo quando não o digo, tenho orgulho neles).
Sob influencia dos blogues que leio e me fazem descobrir, evoluir, mudar de opinião, compreender melhor os tons das coisas. Pessoas que aprendi a descobrir, respeitar e valorizar.
(...) Se somar o tempo passado neste ultimos anos a ler blogues, postar comentários, blogar e interagir, tudo isso atinge vários meses.
Não foram meses perdidos. Cresci graças a eles. Não estou cheio, nem (ainda) louco".

 
Desindustrialização em França 22 de Fevereiro

Disse o economista Elie Cohen, investigador no CNRS, em encontro promovido pelo Le Monde:
"Assistimos a uma 2ª vaga de desindustralização em França, desde 2002. Perdemos desde essa data 500 000 empregops industriais. Não tínhamos tido nada de tão significativo desde o período 1978-1985. Nessa altura perdemos quase um terço dos empregos industriais.
Podemos inquietarmo-nos legitimamente com a aceleração da desindustrialização em França, tanto mais que constatamos que outros paises fazem bem melhor, industrializando-se alguns como a Espanha e a Irlanda, ou atravessando uma desindustrialização menos acentuada, como a Alemanha e a Itália.
O fenómeno da desindustrialização manifesta-se em primeiro lugar pelo declínio da parte do emprego e da produção industrial no valor acrescentado.
Trata-se pois de um fenómeno relativo, que traduz o facto de a industria pesar menos na actividade económica nacional, enquanto sectores como os serviços às empresas, os serviços às pessoas, a construção civil e as obras públicas vêm subir o seu contributo para a actividade nacional.
Mas o que torna a situação actual crítica é que se assite a destruições líquidas de empregos industriais, na sequência do fecho de fábricas. A desindustrialização em França deixou de ser um fenómeno relativo para ser um fenómeno absoluto.

 
8 de Março em Coimbra, Colóquio sobre Luiz Pacheco 21 de Fevereiro
Segundo a Lusa, Luiz Pacheco vai ser lembrado na sua semana cultural da Universidade de Coimbra, que decorre de 1 a 8 de Março.
De uma exposição bibliográfica sobre o "escritor maldito e libertino" Luiz Pacheco, que a Biblioteca Geral da Universidade tinha previsto como participação neste evento, passou-se para um modelo mais abrangente após a morte do escritor.
Alguns textos de Luiz Pacheco vão ser encenados e recriados em vários espaços da universidade e na rua, e haverá um colóquio com estudiosos da sua obra, entre os quais Alberto Pimenta, Francisco Pinto do Amaral, o seu editor da & etc, Victor Silva Tavares, e o seu filho Paulo Pacheco.
A exposição bibliográfica reunirá alguns textos originais de Luiz Pacheco, e ainda a sua obra "O Libertino Passeia por Braga, a Idólatra, o Seu Esplendor", escrito em 1961, e que se insere na corrente que o próprio designou por "neo-abjeccionista".
O colóquio, previsto para 8 de Março na Biblioteca Geral da Universidade, compreenderá um longo intervalo para assistir a um espectáculo de teatro e dança, "Lembranças", concebido a partir de excertos de textos de Luiz Pacheco. Haverá também a recriação dessas prosas de Pacheco em espaços públicos e em salas da Faculdade de Letras.
 
Tempo real 20 de Fevereiro

Atenção, de novo, para Rui Correia e uma excelente equipa de professores e alunos da Escola Básica de Santo Onofre, que ao longo de um ano projectaram e desenvolveram um trabalho crítico e criativo em torno de notícias de crimes na imprensa portuguesa.
O seu coordenador descreve-o assim: "um exercício de análise crítica da linguagem jornalística. Procurou-se, com ela, transformar o mau jornalismo numa única obra artística, procurando, no seu decurso, equipar os miúdos com uma habilitação crítica para surpreenderem os recursos retóricos e as figuras de estilo pretensamente noticiosas que actualmente procuram amplificar o pavor das notícias, as mais das vezes com os mais exorbitantes e injustificados fundamentos. A sua dedicação ao projecto foi completa e o trabalho foi demorado e rigoroso. Trata-se de alunos do 8º ano de escolaridade. Cada um deles preencheu uma tela com recortes de notícias que, em seu entender, consideraram alarmistas, promotoras de indignações deslocadas ou alarmes sem fundamento. O resultado foi uma instalação de quarenta telas num total de seis mil recortes que está em exposição no átrio da Escola Básica Integrada de Sto. Onofre. Este projecto é concorrente do certame “Promovendo a inovação e a criatividade: as respostas das escolas aos desafios das sociedades do futuro”, promovido pela Presidência Eslovena do Conselho da União Europeia".
Pode seguir este projecto num site que lhe é dedicado, com fotografias, textos e um video de apresentação.

Tempo real
 
Restauros 19 de Fevereiro

Guiado pelo olhar experiente e entusiástico de Arlinda Rosendo, visita à Charola do Convento de Cristo de Tomar, alvo de uma campanha de restauro. Uma equipa de dezena e meia de especialistas revela, desvela, repõe, consolida uma história de sucessivas intervenções num dos mais significativos patrimónios edificados do País.
Repare-se, na fotografia junta, do lado direito, um sector de aplicações em gesso, antes e depois do restauro.
À esquerda dois aspectos das "tecnologias" utilizadas nas operações de restauro.

 
Alice Jorge 18 de Fevereiro
Passou, com Julio Pomar (seu marido na altura), pelo estúdio da Secla nos anos 50. Trabalhos seus desse tempo estiveram presentes na Exposição que o Museu Nacional do Azulejo dedicou aos artistas fundadores da Secla. Também frequentou o círculo de amigos do bombarralense Jorge de Almeida Monteiro, ainda nos anos 40. Morreu Alice Jorge
 
Velásquez 17 de Fevereiro

Vencidas com denodo as grossas filas para aceder ao Museo del Prado, mergulha-se no fascinante mundo da pintura de Velásquez. O pintor subverte a relação entre mitologia e vida quotidiana, entre sagrado e profano, entre mundo ideal e mundo real. A exposição mobiliza também obras de grandes mestres de pintura e escultura coetâneas, propiciando o confronto de modelos e soluções formais. Um imenso banho de criatividade.

Fábulas de Velásquez
 
A Democracia perante a República 16 de Fevereiro

Resumo
 
Participação no seminário organizado no Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, em Madrid, intitulado "Elecciones, Diputados y Actividad Parlamentaria en España (1875-1923) e Portugal (1878-1926). Presentes pela parte portuguesa Pedro Tavares de Almeida, Fernando Catroga, Manuela Tavares, Paulo Fernandes, Paulo Ferreira e Sousa, Marta Santos e João B. Serra. O resumo da minha comunicação está disponível aqui ao lado.  
Viajar na Ibéria 14 de Fevereiro
A Ibéria permite o "overbooking". Cheguei ao balcão da Ibéria no aeroporto de Lisboa às 15,30 para fazer o "check-in" de um voo para Madrid que partia às 16,50. Fui informado que estava em lista de espera. De nada me valeu argumentar que tinha comprado e pago o bilhete a 11 de Janeiro. Só parti às 20, 30. Conselho de gato escaldado: não voe na Ibéria, a não ser que possa fazer o "check-in" pela internet.
Segunda nota: durante o voo, a Ibéria nem um copo de água fornece aos seus passageiros. Qualquer consumo é pago. Outro conselho: não voe na Ibéria, a menos que prefira pagar mais 40 euros do que num voo "low cost" onde também qualquer consumo é pago.

 


Os custos locais e regionais de um solução não caldense para o Hospital Oeste-Norte 12 de Fevereiro

Uma boa parte das decisões que afectam os factores competitivos das cidades são tomadas pelo poder central (aí residindo, aliás, a raíz da contra-defesa da descentralização e da regionalização). O traçado de uma via, a localização de um grande equipamento, a implantação de uma estrutura logística afecta o destino das cidades, abruptamente, sem que o respectvo impacte tenha sido negociado com a inteligência do território, ou seja absorvido e integrado na lógica de desenvolvimento endógeno.
A minha pergunta é: quanto custa às Caldas deixar de dispor do seu Hospital?
Para medir este custo, teremos, em primeiro lugar de ter em atenção que tal hipótese nunca foi prevista. Isto é, o modelo de desenvolvimento sucessivamente delineado e renovado ao longo do século XX e, sobretudo, depois de 1970, assentou na existência de uma unidade de prestação de cuidados diferenciados de saúde de nível regional. O Hospital Distrital, herdeiro do Hospital de Santo Isidoro (1893), constituiu uma trave mestra da centralidade caldense.
Quanto custa a uma cidade perder um factor-chave da sua centralidade?
Quanto custa em tempo? Em tempo para gizar novo modelo, encontrar novas disponibilidades, prescrutar novas parcerias? Tempo para erguer alternativas?
Quanto custa a uma cidade recuperar de um golpe que afecta profundamente a sua atractibilidade, a sua economia, a densidade das suas relações sociais?
Quanto custa a uma cidade retomar um lugar perdido no quadro das polaridades regionais?
O desenvolvimento de uma região, sobretudo de uma região com uma matriz de relativa diversificação de actividades, assenta num jogo de complementaridades entre os vários polos dinâmicos. Alguém duvida que o contributo das Caldas tem assentado até hoje basicamente em dois ou três factores de "especialização", um dos quais é precisamente a saúde?
A pergunta pode então ser feita de outro modo: quanto custa para o desenvolvimento regional a destruição de um dos activos com que as Caldas entram para o conjunto: o Hospital?
Sem o Hospital das Caldas perdemos todos. Ficamos mais pobres. É um custo elevadíssimo. Por isso que, no Oeste-Sul, todos convieram que a melhor solução seria manter e modernizar o Hospital de Torres Vedras. E no Oeste-Norte, vamos deixar-nos conduzir pelo curto prazo?

 
Cerâmica do Bombarral 11 de Fevereiro
A história da cerâmica tem no Bombarral duas páginas importantes: a Cerâmica Bombarralense (1944-1954) e a Ceramarte (1969-1991). À primeira está ligado o nome de Jorge de Almeida Monteiro, ao segundo o de Virgílio Correia e sua mulher, Maria da Natividade Mendes (Natas).
Na página "Cerâmica" deste site pode ler uma nota biográfica sobre Jorge de Almeida Monteiro.
 
Hernâni Lopes e Jorge de Almeida Monteiro
O Hospital Oeste Norte ou o Hospital das Caldas 10 de Fevereiro

A discussão política sobre a estratégia de saúde regional não pode fazer-se nos limites dos partidos. Há argumentos a favor de cada uma das soluções advogados por simpatizantes de todos os partidos. A opção pelo novo hospital e a opção pela ampliação do Hospital das Caldas têm defensores distribuídos por todos os quadrantes políticos.
Há aspectos surpreendentes neste debate, um dos quais é certamente a sua súbita irupção, mercê de um estudo que, quanto a este tema em concreto, é argumentativo, e não contém elementos de prova. Menos surpreendente, mas a meu ver igualmente inconsistente, é a posição dos que advogam um novo hospital, a ser criado nas Caldas.
É uma típica posição táctica num debate que pode descansar consciências bairristas ("sol na eira e chuva no nabal"), mas não resiste à lógica e, sobretudo. talvez não resista aos factos.
O principal argumento a favor da ampliação do Hospital das Caldas é simples: este Hospital tem um área de influência consolidada, serve uma área onde residem muitas dezenas de milhares de utentes, tem 150 camas e está bem colocado nos rankings de eficiência. Com a ampliação, crescendo em número de camas, alcançará as 200 previstas para o novo hospital e ultrapassará a capacidade de serviço a mais de uma centena de milhar de pessoas. Fazer evoluir o hospital das Caldas para o patamar seguinte é apostar numa massa crítica já formada e rentabilizar um capital de prestígio e reconhecimento adquirido na região.
A argumentação a favor de um novo Hospital faz tábua raza, ou desvaloriza, estes factores do histórico e adquirido da instituição. Considera que um hospital criado de raiz é vantajoso para a região, colmatando as falhas dos equipamentos existentes, em termos técnicos e humanos.
Ou seja: o que separa os primeiros dos segundos é precisamente o distinto lugar que cada um atribui ao Hospital das Caldas. Para uns é parte da solução, para outros é parte do problema. O primeiro considerando a favor de um Hospital nas Caldas é o facto de existir um bom Hospital nas Caldas. O primeiro considerando a favor de um Hospital Oeste é o facto de o Hospital das Caldas não ter condições - mesmo com ampliação - para responder às necessidades futuras.
Quem defende a solução de um novo Hospital não poderá pois, em boa lógica, sustentar a solução de um novo Hospital nas Caldas. A força do seu argumento reside exactamente na ponderação negativa dos factores de centralidade caldense.
Só há uma via coerente de defender um novo hospital Oeste nas Caldas: é mostrar que a ampliação é a solução mais vantajosa.

 
Cultura e regeneração urbana 9 de Fevereiro

Entre 2004 e 2006, a Agencia de Desenvolvimento e Urbanismo de Lille Metropole coordenou uma rede 16 cidades europeias integradas no programa URBACT num projecto intitulado "Actividades culturais e industrias criativas motores da renovação urbana".
Com a rede colaboraram 4 especialistas: Paul Rutten, para odesenvolvimento económico, Jean Hursten, para a coesão social, Jordi Pascual, para a regeneração física, e Charles Landry para uma visão integrada. Estão publicados os relatórios parciais e uma recolha de estudos de casos. As conclusões e recomendações podem ser consultadas aqui.

Conclusions et Recomendations
 
Indignação ou resignação? 8 de Fevereiro

Um texto notável de Elísio Estanque publicado há cerca de um ano no Jornal de Coimbra intitulado "Governança e Democracia na Cidade" (que pode ser consultado aqui). Breve excerto:
" Verdadeiramente, só faz sentido a reconversão patrimonial e paisagística da cidade se ela souber valorizar a dimensão social e cultural. É possível atrair novos investimentos e aumentar a capacidade competitiva das cidades, preservando ao mesmo tempo a sua pluralidade cultural e social. Daí que estes programas pretendam também estimular uma "esfera pública" dinâmica, informada e interventiva. É preciso contar com o voluntarismo cívico e associativo para transformar o "inferno" da vida urbana actual em ambientes agradáveis, onde se goste de viver. A alternativa é resignarmo-nos perante o transito caótico e a cultura de massas monolítica e consumista que hoje nos é imposta com a profusão de MegaShoppings e centros comerciais que ameaçam."

 
Conclusões a pedido 7 de Fevereiro

Absolutamente demolidora a análise do parecer do LNEC feita esta noite por João Cravinho na Sic Notícias. Um dos critérios apresentados como definitivamente favorável a Alcochete, o dos custos, é afinal definitivamente favorável a Ota. Conclusão clara: o LNEC manipulou as conclusões.
O Eng.º João Cravinho é um homem conhecido pelas suas opiniões desassombradas, pela sua coragem moral e política e pela sua competência técnica. Esta sua intervenção deveria originar um pequeno terramoto no LNEC e no Ministério das Obras Públicas. E talvez até no Oeste, se aqui não estivesse a toda a gente obcecada com as compensações. Ou me engano muito, ou veremos amanhã toda a gente a assobiar para o ar. Ninguém vai achar nestas afirmações matéria sequer de comentário. Querem apostar?

 
Precipitação 6 de Fevereiro

Que quis exactamente dizer Alípio Ribeiro quando admitiu precipitação na constituição como arguidos dos pais de Maddie? Precipitação de quem? Da polícia, do Ministério Público, do Juiz? Os jornalistas "esqueceram-se" de fazer as perguntas pertinentes...
A afirmação do Director da PJ é consistente com o que aqui escrevi na altura: o resultado útil da constituição do casal como arguidos foi a sua saída de Portugal. As fontes internas ao processo andavam há semanas a repetir "esta história não é nossa, é inglesa; o caso é em Inglaterra que tem de ser resolvido".

 
Comemorações e História (3) 2 de Fevereiro

Como aqui referi, em tempo, um princípio de precaução deve rodear as comemorações históricas, o que significa atribuir-lhes como primeira prioridade aprofundar o conhecimento histórico, com base na investigação e na revisão crítica da historiografia anterior. Se assim não for, as comemorações não passarão, na melhor das hipóteses, de mero pretexto para efectivar um programa de animação cultural ou, na pior, de uma ocasião para ajustes de contas com o passado.
O discurso político abunda no recurso a efeitos retóricos que invocam uma função legitimadora da história: "a história me julgará", "aguardo com serenidade o veridicto da história", "é preciso ouvir as lições da história". Ora, o papel da história não é julgar, o conhecimento histórico não é um veridicto, a tentativa de extrair lições da história é um exercício empobrecedor da disciplina.
Algumas evocações a que temos assistido do regicídio de 1908 têm incorrido neste resultado perturbador. O centenário é uma ocasião para aprofundar o conhecimento sobre o curso dos acontecimentos, as motivações das personagens, as instituições sociais e as organizações políticas em presença, as escolhas e os desafios, os contrangimentos e as possibilidades existentes, percebidos ou não, à época? Ou antes um ensejo para julgar de novo vencidos e vencedores, redimir as vítimas ou absolver executores, desfazer e refazer as linhagens de que nos querem fazer herdeiros? Como se as heranças históricas não fossem afinal o resultado tanto de continuidades como de rupturas.
Defendi aqui, a propósito do modelo comemorativo da República nas Caldas, por exemplo, que um programa de trabalhos deveria incluir a investigação sobre a actividade da monarquia a partir de 1907/1908. Ficou demonstrado que esta orientação, se tivesse sido seguida também para as comemorações nacionais teria evitado ou pelo menos isolado as tentações de alguns historiadores de obter o seu momento de glória á custa do palco mediático para a sua palavra justiceira.
Segui com atenção a forma como em Espanha se tem vindo a celebrar os acontecimentos de 1808. A bibliografia sobre o tema da Guerra da Independência, 1808-1814 (título de um livro de um dos mais importantes historiadores castelhanos, Miguel Artola). Um dos resultados da "avalanche" historiográfica, com o titulava El País de ontem, foi o de pôr em causa as visões dicotómicas com que frequentemente são evocados estes momentos críticos. Espanha não se dividiu entre patriotas e traidores, como por vezes se pretendeu fazer crer. Se as elites espanholas não adoptaram uma atitude unânime face a Napoleão, havendo quem recusasse mas também quem apoiasse, também eram atravessadas por escolhas quanto ao regime a adoptar no seu país (absolutismo ou liberalismo). Além do exército regular, que adoptou a posição das chefias, emergiu na situação um exército guerrilheiro, no qual também é possível observar distintos objectivos nacionais e regionais.
Estamos, em suma, perante uma esforço que vai no sentido não do comemorativismo de cerimónia e animação mas de enriquecimento do saber sobre o passado, enriquecimento que neste caso assenta na recusa de visões parcelares e fragmentárias.

 
Confraternização 30 de Janeiro

Este é talvez o termo que melhor define o sentido do almoço que ontem nos reuniu, em torno da memória do Luiz Pacheco. Éramos 9: Ferreira da Silva, Vitor Fernandes e António Barros, dois membros do PCP caldense, Carlos Cipriano, da "Gazeta", Valdemar Santos, funcionário do PCP em Setúbal, Betia Monteiro, Zeferino Ribeiro e Pedro Soares, amigos de Pacheco e camaradas de partido em Setúbal. Na origem mais imediata deste encontro está a tentativa de localização de um retrato de Pacheco efectuado por Ferreira da Sllva em 1966. Ferreira estava convencido que Pacheco o oferecera ao Partido. Cipriano enviou fax à sede nacional pedindo confirmação. Na Basílica da Estrela, no velório do Pai, coloquei a questão a Paulo Pacheco que, ignorando a existência do retrato, me apresentou Valdemar Santos. Este prometeu procurar. E passados poucos dias ali estava a resposta: o desenho existia sim, encontrava-se exactamente na sede do PCP em Setúbal. Com uma proposta anexa: almoçarmos em data próxima, nas Caldas, onde Valdemar se deslocaria com um grupo de amigos de Pacheco. Concordamos no dia 30.

 
 
Ferreira da Silva, Luiz Pacheco no Bombarral, 1966 Ferreira da Silva, Luiz Pacheco no Bombarral, 1966  
Cada um contou a sua história: Betia era uma menina quando os pais alugaram parte da casa, em Setúbal, a Pacheco e Irene. Trazia uma fotografia de Irene, jovem e bonita, com um filho ao colo e outras crianças junto de si. Zeferino queria sobretudo reconhecer em Ferreira da Silva a imagem que lhe fora transmitida por Pacheco. E Ferreira falou do "mano", mas como é reservado quanto a pessoas, e tem pudor de revelar o íntimo, evocou com emoção a criatividade e a espontaneidade que os juntou. Valdemar ironizou com a adesão de um homem imprevisível a uma organização disciplinada e coesa como o Partido Comunista. Pedro Soares narrou a primeira visão que tivera do Pacheco, numa discussão em que um homem magro com uma calças de Vasco Santana apertadas à cintura com uma corda fazia calar o todo poderoso director de "O Setubalense".
A conversa continuou a fluir enquanto deambulávamos por entre o trabalho que Ferreira da Silva tenta concluir junto ao edifício Berquó, agora para as hipóteses de ajuste colaborações, entre Caldas e Setúbal, no video, no teatro, na edição, na cerâmica.
Pacheco está vivo, entre nós, disse alguém na tarde fria.
 
Valdemar Santos, Zeferino Ribeiro, Pedro Soares, Vitor Fernandes e Ferreira da Silva, em visita à instalação que este último está a construir entre o edifício administrativo do Centro Hospitalar e o Hospital Distrital.  
Luiz Pacheco no PCP 30 de Janeiro

Entrevista de Carlos Quevedo/Rui Zink, na revista Kapa, Julho de 1992:

"K: O facto de ter sido simpatizante do PC nunca lhe facilitou...
Não. Nunca, eu até acho que fui saneado, não sei porquê, paguei ontem a quota de Junho. Não me deram o cartão este ano, convencidos que eu me importo com isso. Eu continuo a votar no PC. No PC, na CDU, nessas coisas, mais ou menos por uma questão de simpatia. Não fui para o PC para arranjar empregos. Eles tiveram lá a minha ficha mais de seis meses. Eu tinha posto 100$00 de quota, acho que é o mínimo que se pode pôr, e ao fim de seis meses perguntei o que se passava, disseram que a tinham perdido e pedi outra e pus 200$00 de quota e admitiram-me e tive o cartão. Agora este ano tinha que o renovar. Ontem fui lá e passaram-me para a DORS de Setúbal e desculparam-se com o computador... e eu disse que não pagava mais até vir o cartão, já lá vão seis meses...
Não fiz nada, a não ser que dei 1000$00 para a nova sede aqui de Setúbal do PC e disse: «Há lá um tijolo que é meu», e eles agora vão transformar a sede num centro comercial e vão alugar aquilo para lojas e casas de família. Então o meu conto foi mal empregado, mas calculo que seja isto, eu andar ali em Setúbal com um rapaz das FP-25, que todos os fins-de-semana tem que se apresentar em Azeitão, à polícia. Esteve cinco anos preso como autor moral de um crime de delito comum. Eu também não vou perguntar, quando chegarem as eleições ponho lá o meu voto. Não se pode julgar um partido pelo Comité que de repente é um desastre não é? Também não podes julgar a igreja pelo padre da Madeira, ou pelo padre do Alentejo que fez lá o desmancho à rapariga. Se um tipo tem simpatias, tem uma tendência por uma religião ou por um partido político, mantém! Essas repressões a título pessoal, a título de dirigentes, basta ver o que deu na Rússia e nestes lados todos. Ai não querem? Está bem. Agora enquanto não vier o cartão não pago mais quota nenhuma. Eu fico na mesma, para mim o PC ainda é o partido que se aproxima mais da classe trabalhadora - muito aburguesado, muito isolado mundialmente, mas ainda é a coisinha melhor que há aí para mim, como pessoa. Eu até talvez arrisque um bocado esta bolsa da SEC, a dizer que sou comunista. Bah! Também se a SEC me tirar os 50 contos vou para um asilo ou meto-me debaixo de um comboio... Ou então este gajo (o Paulocas) que me sustente!... (risos)"

 
O afastamento do Ministro 30 de Janeiro

Vital Moreira no Causa Nossa
"O afastamento do Ministro da Saúde na esperada remodelação governamental constitui uma clara vitória da rua, do aparelho do PS e da oposição. Decididamente é impossível fazer reformas contra os interesses estabelecidos, contra as visões localistas e contra o clamor demagógico dos média.
Resta esperar que a reforma do SNS que Correia de Campos concebeu e iniciou - absolutamente necessária para a sua sobrevivência - não fique pelo caminho, para gáudio dos que apostam sobretudo na sua insustentabilidade. Mas o mais prudente nestes cenários é temer a contra-reforma...
Bem gostaria de saber, mas é fácil adivinhar, o papel que os interesses da indústria e do comércio farmacêutico, a quem Correia de Campos cortou um bocado dos seus fabulosos proveitos, teve na óbvia campanha de "assassínio político" do ex-Ministro da Saúde. Como é bem sabido, os interesses não dormem... "

José Pacheco Pereira, no Abruto
"Substituir o Ministro da Saúde neste momento é um grande sinal de fraqueza do Primeiro-ministro. A Ministra da Cultura há muito que era irrelevante estar lá ou não, por isso não conta para nada. Na verdade, a remodelação é só de um ministro e dá um sinal aos outros que acabou o período em que o Primeiro-ministro era indiferente aos assobios e a Manuel Alegre. Os manifestantes da rua, os assobiadores da CGTP e Manuel Alegre é que fizeram a remodelação. Mau sinal."

Causa Nossa
Abrupto
 
Marinho de Pinto 29 de Janeiro
O Bastonário da Ordem dos Advogados disse ontem:
"Existe na sociedade portuguesa um sentimento generalizado de que a corrupção e o tráfico de influências - dois dos delitos que mais ferem o Estado de Direito – se entranharam nas estruturas do Estado.
Não há uma obra pública, seja qual for o seu valor, que seja paga, afinal, pelo preço por que foi adjudicada. É sempre superior. As contrapartidas por vultuosas aquisições de bens e equipamentos por parte do Estado, não são cumpridas ou são-no apenas em ínfimas parcelas. E o financiamento dos partidos políticos continua sem dar sinais de transparência democrática."
Discurso Abertura Ano Judicial
 
António Correia de Campos 29 de Janeiro
A substituição do Ministro da Saúde não constituiu surpresa, mas não era inevitável. António Correia de Campos conhecia como ninguém o sistema nacional de saúde e tinha uma larguíssima experiência internacional de perito na áreas das políticas de saude e de segurança social. Se alguém no Partido Socialista tinha uma ideia de reforma integrada do sector era ele. Estudou-a, como ninguém, preparou-a longamente, com trabalho e saber crítico acumulado. Foi Ministro no último Governo de Guterres, enfrentando com coragem politica a necessidade de inverter a ineficiência do sistema de saúde. Regressou com Sócrates para realizar, com um horizonte de legislatura, a reforma então esboçada. Em pouco mais de dois anos, os resultados da sua identificação clara das prioridades e do seu ânimo generoso aí estão: ganhos no acesso, ganhos na qualidade da prestação de cuidados, eficiência na gestão. A sua saída, quando o cabo da reforma estava a ser dobrado, penaliza politicamente o Governo. Em primeiro lugar, porque perde o político mais bem preparado para exercer a função de Ministro da Saúde e, dado o tempo e a forma da exoneração, perde a possibilidade de contar com a sua experiência noutra pasta. Em segundo lugar, porque permite que se instale e generalize a dúvida sobre o futuro da reforma, ou pelo menos, do futuro da reforma integrada da saúde. Em terceiro lugar, porque autoriza a interpretação de que o Presidente da República exerce um "droit de regard" sobre as actuações dos ministros para lá das áreas tradicionais da defesa, segurança e assuntos externos.  
Coro de Belém 28 de Janeiro
Depois do Presidente (mensagem de fim de ano), são os eternos candidatos à Presidência que pedem a cabeça de António Correia de Campos: Marcelo ontem, Vitorino hoje.  
História do Ensino Secundário Liceal (1926-1945) 27 de Janeiro

Efectuei uma primeira pesquisa sobre o ensino secundário particular nas Caldas da Rainha em 1986, no âmbito de um estudo então iniciado sobre a formação das elites urbanas entre 1887 e 1941. Realizei na altura entrevistas aprofundadas com diversos actores qualificados, como o tenente-coronel Justino Moreira, o Professor José Lalanda Ribeiro, o Dr. José Venâncio Paulo Rodrigues e o Dr. Aníbal Correia, e consultei a imprensa local. A investigação foi no entanto interrompida e só muito recentemente retomada, no quadro da realização de provas académicas.
Mas o impulso decisivo para tornar público um ensaio historiográfico sobre este tema, numa forma ainda incipiente, veio do blog dos antigos alunos do Externato Ramalho Ortigão, do seu principal animador, o João Jales, e da sua colaboradora Margarida Araújo.
O João Jales publicou uma "Breve História do Externato Ramalho Ortigão, 1945-1973" onde incluiu referências a um período anterior a 1945, com identificação de algunas unidades e professores, baseando-se fundamentalmente em fontes orais. Facultou-me acesso ao texto, no decurso da sua própria elaboração, assim desencadeando um desafio estimulante que me "forçou" a ocupar-me de novo da questão. No diálogo que travámos, quase sempre a desoras, "intrometeu-se" a Margarida Araújo. A Margarida, a quem me une uma amizade com longínqua origem, precisamente na docência da história, foi colocando em cima da mesa (ou seja, nas nossas plataformas digitais) uma sucessão "interminável" de informações colhidas em edições da Gazeta das Caldas. Como dizia o João, fomos todos tentando compor o puzzle, ou, como na imagem inspiradora dos trabalhos de Penélope, fazendo, desfazendo e refazendo a história.
Aqui está o resultado (provisório) a que chegámos. Digo "chegámos" com inteira verdade: eu escrevi, eles foram participantes e cúmplices activos.

 
História do Parlamentarismo 23 de Janeiro
Reunião na ESAD do grupo de trabalho português da História do Parlamentarismo em Portugal e Espanha, "Das Urnas ao Hemiciclo", sob a coordenação do Prof. Pedro Tavares de Almeida. A prosopografia relativa aos deputados e a estatísticas das eleições e da vida parlamentar mostra como é desproporcionada, enganadora e injusta a imagem do parlamentarismo: absentismo, fraca produtividade, impreparação técnica. O desprezo com que os intelectuais da geração de 70 trataram o parlamento está na origem dessa imagem que resistiu mais de um século.  
O Aeroporto de Lisboa e o Oeste (4) 21 de Janeiro

Os partidários da solução Alcochete para o novo aeroporto de Lisboa, entre os quais agora se inclui o recém-convertido Mário Lino, procuraram apresentar a sua vitória como o resultado normal de um parecer técnico independente. No programa televisivo Prós e Contras do dia 14, coube a Henrique Neto, José Reis e Fernando Costa desmontar essa gigantesca mistificação.
Henrique Neto demonstrou que a escolha de Alcochete favorece os sectores da economia assentes na especulação imobiliária, em detrimento do empresariado produtivo de pequena e média dimensão. José Reis demonstrou que opção pela península de Setúbal implicava o abandono do projecto de um Portugal mais solidário e regionalmente equilibrado. Fernando Costa demonstrou que a luta política em torno da localização do aeroporto fora tão intensa que técnicos tinham aceite realizar estudos para todas as soluções: Ota, Alcochete, Portela+1, Portela+2, Portela sózinha. Consequentemente o Governo não se podia esconder atrás do biombo técnico na sua decisão.
O Engenheiro João Cravinho publicou recentemente um texto fundamental (sobre o qual, aparentemente, os técnicos do LNEC não trabalharam (está disponível na net em www.ces.uc.pt/misc/Dossier_Sintese_Joao_Cravinho.PDF). Intitula-se "Ota, a melhor solução nacional" e nele são destruídos, um a um, os mitos em que assentam os supostos pontos fortes da solução Alcochete e os presumidos pontos fracos da solução Ota. Aconselho vivamente a sua leitura. Nele se explica, por exemplo, como os partidários de Alcochete têm "ignorado" que só a servidão militar que impende sobre o Campo de Tiro é que impediu a inclusão daquela área na Zona Especial de Protecção do Estuário do Tejo, pelo que, desaparecendo essa afectação, o ex-Campo de Tiro deverá passar a integrar essa Zona Especial. Por outro lado, os custos de preparação do terreno para a aviação civil têm sido menosprezados, o que talvez não seja correcto.
Finalmente, quanto à questão levantada pelos três "mosqueteiros" Ota do "Prós e Contras" - a decisão é técnica ou política, é do LNEC ou do Governo? - eis o que diz o ex-Ministro do Equipamento Social, João Cravinho:
"Ao contrário do que se vem defendendo em certa comunicação social, a decisão final sobre o novo aeroporto é política, necessariamente em alto grau. Não é de engenheiros, economistas, homens de negócios, peritos financeiros ou especialistas do desenvolvimento territorial. Só pode estar na disponibilidade do Governo, atenta a reserva de competência que a Constituição lhe fixa. É preciso manter sempre meridianamente claro quem é quem neste processo, sem subversões ou confusões de legitimidade. O processo de decisão tem de obedecer a regras e procedimentos transparentes, devidamente fundamentadas e justificadas, o que não exclui a aplicação de juízos puramente politicos e não susceptíveis de redução a qualquer expressão monetária. Se tudo se resumisse a calcular, somar e subtrair valores validáveis pelo mercado, as coisas seriam bem mais fáceis e consensuais. A política une mas também divide, em função de princípios, aspirações e visões do futuro, conjugando-se Estado e mercado em proporções variáveis de acordo com as opções ideológicas de cada um. Ao mercado o que é do mercado, ao Estado o que é do Estado. O que é do Estado é determinante no caso do novo aeroporto mas não arbitrário. Logo, o que se fizer em nome e pelo uso poder de Estado tem de ser feito sempre com transparência e justificação responsavelmente assumida por quem recebeu legitimidade democrática para escolher e governar".

Ota: a melhor solução nacional
 
Exactidão 17 de Janeiro

"Por que razão sinto eu a necessidade de defender valores [exactidão que significa rigor da definição do projecto, nitidez da evocação das imagens e precisão do uso da linguagem] que a muita gente poderão parecer óbvios? Creio que o meu primeiro impulso provém de uma hipersensibilidade ou de uma alergia: parece-me que a linguagem se usa sempre de maneira aproximativa, casual, descuidada, e isso provoca-me um aborrecimento intolerável. Não pensem que esta minha reacção corresponde a uma intolerância para com o próximo: o aborrecimento pior sinto-o ao ouvir-me falar eu próprio. Por isso tento falar o menos possível, e se prefiro escrever é porque ao escrever posso corrogir as frases quantas vezes forem necessárias para chegar, não digo a ficar satisfeito com as minhas palavras, mas pelo menos a eliminar as razões da insatisfação de que me consigo aperceber."

Italo Calvino, Seis Propopstas para o próximo milénio. 3ª ed. Lisboa, Teorema, 1998, p. 73-74.

 
O Aeroporto de Lisboa e o Oeste (3) 15 de Janeiro

A decisão aí está, numa reviravolta que em Maio ninguém ousaria prever, e forçoso é, depois de por diversas vezes aqui ter abordado o tema do novo aeroporto de Lisboa, sobre ela alinhar duas ou três notas.
1. A iniciativa governamental, tomada em Junho de 2007, de encarregar o Laboratório Nacional de Engenharia Civil de proceder ao estudo comparativo de duas localizações, Ota e Alcochete (esta última acabada de propor através de um estudo promovido pela Confederação da Indústria Portuguesa), foi erradamente interpretada pelos comentadores. Com Marcelo Rebelo de Sousa à cabeça, a maioria considerou este expediente uma manobra dilatória. O Primeiro Ministro decidira afastar a pressão do Presidente da República, da CIP e de uma parte da opinião publicada, no início da presidência portuguesa da União Europeia, criando um mecanismo de legitimação reforçado para uma opção já tomada e que não seria modificada. O facto de o Minitro das Obras Públicas ter de seguida recebido os autarcas do Oeste para os tranquilizar quanto à localização do novo aeroporto parecia dar razão a esta interpretação. Esta ideia era consistente com a imagem pública que esses comentadores haviam difundido do Primeiro Ministro: um político teimoso, apostado em contrariar ponto a ponto a imagem de um Primeiro Ministro que acautela as escolhas, esgotando todas as hipóteses de diálogo a ponto de correr o risco de paralisia da decisão. Em suma: Sócrates jamais deixaria cair Ota, porque isso seria pôr em causa os traços fortes da sua autoridade: persistência e convicção.
2. Como se lembrarão alguns leitores desta página, foi outra a minha interpretação dos factos. Em Abril e Maio tinham-se avolumado os argumentos críticos da solução Ota. Entre eles, sobressaindo pela qualidade e pertinência das razões, o argumento do Professor Augusto Mateus, questionando o facto de Ota permitir um aeroporto, mas não uma cidade aeroportuária. De tal forma que, no Congresso do Oeste, realizado em Maio de 2007, em Alcobaça, a intervenção que me pareceu desajustada não foi a de A. Mateus, mas precisamente a do Ministro das Obras Públicas, que se dedicou à demolição política dos adversários da Ota. Este caminho considerei-o perigoso para o Governo: a partidarização da localização do aeroporto inquinaria o debate técnico, obscurecendo a legitimidade e transparência da escolha final. O Primeiro Ministro, apercebendo-se do risco, tomou uma medida equivalente à que adoptara no caso da co-incineração: entregou a última palavra a uma espécie de Comissão Científica Independente, neste caso o Laboratório Nacional de Engenharia Civil.
A conclusão do estudo do LNEC foi adoptada pelo Governo menos de 48 horas após a sua entrega formal. Houve quem (como José Pacheco Pereira e António Barreto) visse nisso mais um sinal das "mudanças de certezas" do Primeiro Ministro. Passou-lhes despercebida a lição da co-incineração (que aqui detidamente lembrei): se o parecer técnico da última instância não for de imediato validado, o cortejo de dúvidas, opiniões e pareceres suportados pelos técnicos agora "derrotados" soergue-se, num novo esforço de protagonismo, e a confusão instala-se outra vez no espaço mediático. O Primeiro Ministro quis evitar esta possibilidade.
3. A audiência que se apressou a agendar com os autarcas do Oeste tem a mesma lógica política: dissipar rapidamente a contestação, que agora virá do lado derrotado, virar a página para o pós-decisão.
As questões enquadráveis numa pós-decisão são, porém, muito complexas e o risco de serem tratadas expeditivamente como compensações deveria também ser evitado. Para os autarcas do Oeste esta reunião ocorre talvez cedo de mais, antes de terem procedido a uma avaliação aprofundada da extensão das consequências da relocalização do novo aeroporto.
De facto, a decisão de construir um novo aeroporto de Lisboa em Ota foi tomada em Julho de 1999, reiterada em Novembro e Dezembro de 2005, e em Maio de 2007. Durante este tempo, o Oeste foi integrando Ota no seu "modelo de desenvolvimento". Algumas opções cruciais de planeamento e de investimento (quer público, quer privado, tanto nacional como internacional) foram tomadas tendo essa possibilidade (uma possibilidade progressivamente tornada real) no horizonte. O aeroporto da Ota foi incluído nas estratégias pessoais e institucionais, internas e externas à região, tanto de instâncias locais como regionais e centrais.
É por isso que ponderar o impacte da alteração não se reduz a um jogo de compensações. Implica, em primeiro lugar, ajustar o tal modelo de desenvolvimento do Oeste a um aeroporto localizado na margem sul. E implica, agora por maioria de razão, conhecer a resposta à pergunta que o Professor Augusto Mateus andou a fazer em Abril e Maio (contra a Ota): afinal que tipo de aeroporto vamos ter em Alcochete? Ou seja, Câmaras, Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, equipa do Plano de Acção do Oeste deveriam começar já a equacionar estes problemas e preconizar as medidas apropriadas.
Um exemplo de como esta reunião (escrevo num momento em que se deconhece o seu conteúdo) pode passar ao lado de aspectos centrais. Li na imprensa que os autarcas vão levar ao Primeiro Ministro propostas de mais ligações rodoviárias regionais e inter-regionais. Não li nada ainda sobre ligações ferroviárias. Mas a modernização da linha do Oeste, em condições de a tornar competitiva e articulada com a plataforma da Estação do Oriente, é a única "compensação" que me parece ter alguma coisa que ver com o tal modelo de desenvolvimento em curso e a sua sustentabilidade.
Por outro lado, considerar que, como as infraestruturas aeroportuárias respeitam às Obras Públicas, as ditas compensações devem ser mantidas nesse âmbito, seria um erro de visão grosseiro. A natureza desta infraestrutura é global, pelo que só um plano integrado pode dar garantias de correção e reorientação dos caminhos delineados e trilhados até aqui.
O principal argumento a favor de Ota foi, pela banda dos cientistas sociais, o de que o aeroporto potencia desenvolvimento nas regiões que já dispõem de potencial humano e empresarial instalado. Deste ponto de vista, a inversão da decisão, a favor de Alcochete tem um custo duplo: precisa de instituir esse potencial na região onde ele não ainda não existe, e, simultaneamente, de salvaguardar as expectativas da região onde ele já existe.

 Post Scriptum
A forma apressada de algumas reacções dos defensores da Ota foi patente nas declarações de Henrique Neto e, sobretudo, na conferência de imprensa efectuada no dia em que se soube da decisão do Governo, a qual juntou um bloco central exclusivamente leiriense, da Presidente da Câmara ao antigo Governador Civil. Reduziu-se a representatividade em vez de a ampliar, enfraqueceu-se a voz, em vez de a fortalecer.

 
O Aeroporto de Lisboa e o Oeste (2) 14 de Janeiro

Vital Moreira (no blog Causa Nossa - http://causa-nossa.blogspot.com - 11 de Janeiro):
"No entanto, o estudo do LNEC não é menos discutível do que qualquer outro estudo. Ora, há aspectos incompreensíveis, como por exemplo:
a) Por que é que o custo da nova travessia rodoviária do Tejo, tornada necessária pela nova localização (como o LNEC demonstra), não foi incorporado nos custos globais da sua equação financeira, o que provavelmente faria pender a balança desse factor a favor da Ota?
b) Por que é que entre as desvantagens de Alcochete para a grande maioria dos utentes directos (incluindo os residentes em Lisboa), em termos de tempo e distância de acesso ao aeroporto, não foi calculada e contabilizada também a componente do custo, notoriamente agravada pela portagem da travessia do Tejo?
c) Como é que foram consideradas equivalentes a passagem directa da linha de TGV pelo aeroporto (caso da Ota) e a construção de um ramal de acesso (caso de Alcochete), o qual que só será acessível por uma parte dos comboios que vierem de Lisboa (os que não se destinem a Madrid), sendo inacessível aos que vierem do Leste?
Mais importante foi a surpreendente verificação de que, contra todas as indicações (incluindo as que foram filtradas para a opinião pública), o LNEC não se limitou a avaliar separadamente cada um dos sete factores analisados, tendo-se permitido declarar um vencedor aos pontos (4 contra 3), numa avaliação global que deveria ter sido deixada para o poder político, depois da devida ponderação do peso de cada um dos factores.
Essa inesperada, e despropositada, conclusão global do estudo (fazendo equivaler a importância de todos os factores) permitiu ao Governo limitar-se a endossar o veredicto "técnico" e desresponsabilizar-se pela sua decisão eminentemente política. Mesmo que a decisão devesse ser a mesma, ela deveria ser uma decisão governamental, politicamente fundamentada, e não um simples expedito carimbo numa opinião pretensamente "técnica", que convenientemente já trazia uma conclusão (política).

 
O Aeroporto de Lisboa e o Oeste (1) 13 de Janeiro

Hábil a forma como Marcelo Rebelo de Sousa evitou hoje reconhecer o erro do seu juizo de intenção de há 6 meses. De facto, Marcelo encarou o recurso ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil como um mero expediente para aliviar a pressão política anti-Ota, e nem por um momento lhe ocorreu a hipótese inversa. Exactamente a que aqui foi sustentada: a interrupção tão abrupta do processo de decisão pró-Ota, após a iniciativa da Confederação da Indústria Portuguesa, só teria sentido se se destinasse a ganhar tempo para "engordurar" a decisão alternativa, pro-Alcochete.

 
Luiz Pacheco nas Caldas 11 de Janeiro
É possível seguir o rasto de Pacheco nas Caldas através da correspondência e outros textos, na sua maioria publicados. Fiz essa investigação em 1998 e 1999, preparando a edição de "O libertino passeia nas Caldas" que inclui em Continuação, livro publicado em 2000. Recuperei agora esse trabalho. Um versão resumida foi publicada hoje na Gazeta das Caldas, num suplemento de evocação de LP. Em breve, a versão mais desenvolvida ficará disponível neste site, na página "Inventário" Suplemento Luiz Pacheco (G.C.)
 
Ironias do destino 8 de Janeiro

8 de Janeiro de 2007. Velório de Luiz Pacheco. Amigos das mais variadas gerações, grupos de pertença, companheirismos, vagabundagens, perdições e reconhecimentos. Uma bandeira do PCP cobre o corpo de Pacheco. Um padre católico oficia a despedida. Na Basílica da Estrela.

José Casanova, membro do Comité Central do Partido Comunista, falou no cemitério, antes da cremação. Fora ele quem assinara a ficha de inscrição do Pacheco. Que então lhe colocara duas condições. «Quando eu morrer, quero ter um funeral como o do Ary: com a bandeira do Partido e com discurso».

Avante, 10 de Janeiro
 
Roteiro Caldense de Luiz Pacheco 7 de Janeiro
Locais da cidade das Caldas da Rainha da segunda metade da década de 60 referenciados na obra fragmentária de Luiz Pacheco.  
Bairro das Morenas Gosto muito de Caldas da Rainha, É uma terra, etc. Tem um bairro de lata, as Morenas (como todas as cidades que se prezam).

Cadeia das Caldas

Estou com Tedral (remédio contra a asma e fortíssimo, perigoso para o coração como a breca). Mas principalmente à noite, isto é irrespirável. Meu rico ar da Rochida em que não tive asma quase um ano a fio, nem no Inverno!
Café Central

Entrevista imaginária com o cangalheiro que "fomos encontrar em pacata vilegiatura nas Caldas da Rainha, sentado no Café Central remexendo a bica em rápidas rotações de colherada, muito incomodado e muito enjoado por uma data de quadros (referência a exposição de Figueiredo Sobral) que se viam penduricados nas paredes. Copla: "Na paz do Café Central /Onde os democratas piam/ Há agora um festival/ De pinturas que arrepiam"

Café Central

...estava (eu) pacatamente entristecido envilecido no Café Central de Caldas da Rainha, naquela paz de café de Província onde democratas piam (à falta de militância decidida) ...

Casa do pão de ló Logo a seguir apareceram 2 Manas (bonitas a valer) e fomos a Alfeizerão. Brancos e pão-de-ló. Música de máquina automática e bidu-bidu . Eis o quadro.
Ferro Velho Imaginária passagem de ano no Ferro Velho, uma ceia com cabrito assado e muito regada , depois da qual Virgílio Ferreira surge dançando o ié-ié, cantando baladas coimbrãs, tocando violão, incendiando a mesa com anedotas picantes, saltando para um banco ao dar a meia noite
Frami

Vou ver se entro hoje para a fábrica dos bolos. - Açúcar é caloria!

Garagem dos Capristanos Lembras-te daquele caso [uma aventura sexual] aqui nas Caldas, na garagem dos Capristanos?
Hotel Lisbonense

Pode ficar no Hotel do Paulino ou não (depois de me ter posto a mim na rua, não se atreverá a repetir a gracinha contigo, espero).

Hotel Rosa Ele (o escritor Santos Fernando) trazia-me frequentemente de manhã fruta excelente de que se privava ao pequeno almoço no Hotel Rosa.
Inferno d'Azena e Ferro Velho Aquele painel da Tertúlia, o belo mural em casa do Vitor Sebastião, o Ferro-Velho do Vasco Luís (autêntico Museu Ferreira da Silva), as esculturas e decorações do Inferno d'Azenha.
Lagoa de Óbidos Quando os cisnes sobem a terra, muitas muitas criancinhas descem ao fundo, vão parar à Lagoa de Óbidos pelos esgotos da cidade e dali ao vasto mar.
Manas, Cova da Onça Luiz Pacheco é sócio honorário da Sociedade de Geografia da Cova da Onça, vulgo as Manas, nas Caldas da Rainha.
Montepio

Lá em baixo (na casa da cidade) havia a sopa a dois passos, o banco do Montepio para os tremeliques meus, farmácia, os fiados de dois anos de estadia, o café que fia a bica, o bagaço. Aqui, ir buscar a sopa é uma aventura: vai ela?

Parque A passear no Parque, em conversa monologal com os cisnes do lago, e leio, com espanto! ..., com um frisson inesperado, uma crítica saída no Diário de Lisboa de 5ª feira passada, do Eduardo Prado Coelho.
Parque

Gosto muito de Caldas da Rainha. É uma terra muito bonita que tem um Parque muito catita. Ah, também tem uma mata muito bonita com plátanos, mas fica mais acima. Tem uma igreja muito velha. Tem gente muito velha como todas as cidades de Província e gente que parece gente. Gosto muito de passear no parque das Caldas. Tem árvores flores um cinema muito velho um museu quase novo.

Pavilhões do Parque

Não diz muito mais nem melhor, um guia turístico que reza assim: Caldas da Rainha (com o espantalho monstruoso dos pavilhões do Parque a ilustrar)
(Outubro de 1966, Maravilhas & Maravalhas Caldenses)

Pensão Estremadura

E aqui estou na minha "cela" de vinte ou mais quartos, pensão fantasma, onde falo sozinho e com o retrato da Irene - que é, em retrato, emoldurada, muito mais tratável do que antes".

Praça Estou a ver que tenho de desistir destes trabalhos literários e ir vender couves para a Praça das Caldas ...
Praça É vê-lo [Ferreira da Silva] cá fora na Praça, e isso Caldas inteira reparou já; é ouvi-lo como ataca, irado, as vaidadezinhas dos amadores, só simpáticos na sua pertinácia e, vá lá, úteis como público mais esclarecido num meio restrito como é o caldense.
Secla

Os que são de Arte inlustrados/ Preferem uma outra tecla:/ Compram os barros assados/ Na padaria da Secla.

Secla e cemitério Nesse dia tinha eu ido à Secla (já te falo nesta) pedir algum dinheiro para as papas. Mas estava tão desanimado ou abatido, que passei uma hora ou mais a uns metros da porta da fábrica, e mais pertinho da porta do cemitério que é ali mesmo defronte, e nem coragem tive de pedir a massa
Secla e Praça À humildade do artesão - Ferreira da Silva (é vê-lo na sua oficina da Secla, como reparei e sublinhei numa entrevista publicada no Jornal de Letras e Artes ) - alia-se o orgulho, a imponente, espectacular arrogância do Artista (é vê-lo cá fora na Praça, e isso Caldas inteira reparou já; é ouvi-lo como ataca, irado, as vaidadezinhas dos amadores, só simpáticos na sua pertinácia e, vá lá, úteis como público mais esclarecido num meio restrito como é o caldense).
Tertúlia Vi o recente fracasso dum rapaz daqui, e não dos piores, que expôs uma série de quadros numa galeria, a Tertúlia, que tu já conheces.
Memórias de Luiz Pacheco (1965/66) 7 de Janeiro

Nas Caldas de meados da década de 60, a sua presença era tão ostensivamente chocante que não podíamos deixar de nos beliscarmos, como nos romances, para nos certificarmos de que não sonhávamos, interrogando-nos como seria possível subsistir uma contradição tão viva com a ordem local estabelecida.
Tudo na sua vida era marginal e provocatório. Assumia a condição de escritor maldito e comprazia-se mesmo nela, ou pelo menos procurava tirar partido da sua própria maldição, reforçando-a sempre que lhe parecia que o "stablishment" intelectual se preparava para lhe "deitar a mão". Recordo-me que quando editou os Textos Locais, um pequeno livro de recolha de textos, em 1966, Virgílio Ferreira lhe enviou um postal elogiando a obra com uma frase em que aludia à possibilidade de ele ser um dos mais brilhantes escritores da actualidade e perguntando qual o preço do livrito para amigos (no boletim de encomenda, admitiam-se dois preços, um para amigos e outro para inimigos). Rápido, Pacheco respondeu qualquer coisa deste género: "Agradeço o elogio, que só é justificável porque eu ainda não publiquei tanto como o Virgílio. Quanto ao preço: são 50$00 para inimigos; 100$00 para amigos como Você ".
A sua condição pessoal era degradante, sob qualquer padrão de análise commumente aceite, no pardieiro que habitava com a rapariguita sua companheira e a prole que gerara, na ausência de auto-suficiência económica e na dependência alcoólatra que exibia (muitas vezes mais inconsequente do que parecia). Transformava essa condição em material literário, do mais fascinante que pude conhecer, e nisso ele era absolutamente único.
Aquele homem, que nos improváveis momentos de sobriedade era culto, vivo e arguto, ia perdendo as faculdades intelectuais ao longo da tarde e noite, cambaleando e falando de modo cada vez mais imperceptível. Só muito raramente, todavia, se deixava abater. Os gestos provocatórios eram proverbiais. Recordo-me de um no Café Central quando um dos empregados lhe chamou a atenção pelo facto de não efectuar qualquer despesa: pediu um café, tirou as meias, meteu-as dentro da chávena e estendeu as pernas magras com os pés nus por cima da mesa.
O ínfimo orçamento da família (composta por 3 filhos pequenos - num total de 8, os restantes dispersos - mais o casal) era suportado pelo salário da sua companheira, Maria Irene, que trabalhava na fábrica de bolos da Frami, e pelas aleatórias fontes de financiamento de Pacheco: colaborações em periódicos, nomeadamente no Jornal de Letras e Artes , vendas de publicações da Contraponto, a sua editora, algumas das quais a "stencil", penhores sobre todo o tipo de bens que pudesse possuír (do mobiliário à própria máquina de escrever) dádivas de mecenas (Manuel Vinhas, e, nas Caldas, António Maldonado Freitas e Vasco Luís), apoios irregulares de amigos regulares (Natália Correia, Mário Cesariny de Vasconcelos, Jaime Salazar Sampaio, Manuel de Lima, Bruno da Ponte, António José Forte, Ricarte Dácio, Serafim Ferreira, Vitor Silva Tavares, Ferreira da Silva) e cravanços ocasionais a admiradores ocasionais (a quem se dirigia com a frase proverbial: "Arranja-me aí vintes?").
Luiz Pacheco aportou às Caldas em finais de 1964, vindo de Setúbal. Começou por se hospedar no Hotel Lisbonense, antes de alugar casa na Rua Rafael Bordalo Pinheiro, nº 2, r/c. Visitei-o aqui, uma ou duas vezes. Em Julho de 1966 mudou-se para uma habitação no Casal da Rochida, estrada do Coto.
Tinha 39 anos. Dispunha já então de um curriculum apreciável, como editor, como tradutor e como observador crítico da vida literária e artística portuguesa. Os traços da sua personalidade intelectual estavam definidos: discernimento e ousadia raros como editor, irreverência contundente como comentador, independência e lucidez incómodas como crítico. Efectuara duas incursões no domínio da ficção literária, O Teodolito e Comunidade, que tinham circulado a stencil, em 1962 e 1964, respectivamente. Não publicara qualquer livro.
A vinda para as Caldas suscitou em Pacheco o projecto de uma vida dedicada à literatura. Depois das grandes convulsões amorosas da década anterior, parecia ter encontrado alguma estabilidade. A sobrevivência também parecia assegurada com as colaborações no Jornal de Letras e Artes e na Notícia , com a coordenação de dois ou três grande projectos editoriais, e, claro, a disponibilidade mecenática de alguns capitalistas e o amparo dos inúmeros amigos e admiradores. Nascera em 1925 e aos 40 anos pensava justamente que chegara o momento de fazer prova definitiva do seu talento.
Nada desse projecto pode porém ser cumprido. Um a um os seus pressupostos foram ruindo e a vida pessoal do escritor foi atravessada por tempestadas algumas novas outras perseguindo-o desde o passado. Procurei reconstituir esses tempos no capítulo "O Libertino Passeia nas Caldas..." inserido no título já referido Continuação.
Guardo de Luiz Pacheco, entre outras, duas saborosíssimas (embora, para infelicidade minha, profeticamente erradas) notas pessoais: uma é constituída por uma carta que enviou ao jornal República e que Carlos Saudade e Silva republicou na Gazeta, e intitulada "Atenção para João Bonifácio Serra" (13 de Agosto de 1966). A carta comentava em tom benevolente uma entrevista (certamente entre o ingénuo e o pedante que é o destino quase inexorável de um jovem que se julga destinado ao estrelato literário antes de fornecer qualquer prova sólida do seu talento) que eu dera ao suplemento República Juvenil. De qualquer modo, encerrava um voto de grande simpatia para com os meus 17 anos: "Que nesse jogo de inteligência ele se afirme, e faça obra original como desde já no-lo promete, é o que lhe deseja, apostando em bom augúrio, um camarada mais velho que também por aí passou". A outra nota é a dedicatória do seu livro Crítica de Circunstância , e datada de 4 de Setembro de 1966, a qual reza como segue: "Para o João Bonifácio Serra passando o facho para o seu talento promissor, esta Crítica de Circunstância (enterrada a tempo ou não?".
Em Dezembro de 1966, quando cheguei das minhas primeiras férias de Natal de estudante em Lisboa, encontrei um postal do Luiz Pacheco: "Meu Caro João Bonifácio Serra: Tenho no meu estaminé, no Casal da Rochida provisoriamente e até fins deste mês, uma papelada que gostava de depor no teu sapatinho ... desde que pendures uma de vintes na minha árvore de Natal." A papelada formava três dossiers de que me pediu ficasse fiel depositário. Assim sucedeu até Dezembro de 1998, quando, motivado pela escrita de uma memórias (Continuação: Crónicas dos Anos 50/60, Caldas da Rainha, 2000) resolvi deitar-me ao caminho: procurá-lo a ele e aos seus dossiers. Encontrei estes num velho sótão da casa de família no Carvalhal e soube do paradeiro o escritor num lar em Palmela. Escrevi-lhe. Trinta e tal anos e muitos lances esquinados volvidos, não seria razoável admitir que Pacheco me incluísse nas suas memórias vivas. Mas as Caldas, essas ficaram-lhe bem gravadas, como se pode ver nesta naco da carta manuscrita que me enviou a 17 de Janeiro deste ano: "Você não pode imaginar como as Caldas me estão na memória. Aliás, o texto O Caso das Criancinhas Desaparecidas é um relato, rápido e humorístico assim-assim, dessa época de fins de 64 a 66 e, depois, por duas vezes na cadeia velha até 1968. Um filme que a RTP fez comigo , aí em 1989-91, e passou, apareço eu a falar com o Silva, carcereiro, ao balcão. E não adianto mais, por uma razão (talvez estúpida): gostava de ler ou saber a memória que ficou, em si, de mim".
Apenas duas notas de rodapé a esta carta.
Escrito entre 1968 e 1971 , O Caso das Criancinhas ... , foi editado em 1981 pelo Círculo de Leitores. O leit-motiv do texto está encerrado nesta frase "Caldas da Rainha é a terra onde desaparecem mais criancinhas. Eu que o diga! Gostava muito mais de Caldas da Rainha se por ali não me tivessem desaparecido bastante umas quantas". Pacheco esteve detido pela primeira vez na cadeia das Caldas em Maio de 1967. Transcrevo de carta a Mário Cesariny de Vasconcelos datada de 29 de Maio de 1967: "O calabouço é, no dizer do próprio Dr. Delegado do Ministério Público daqui, uma pocilga. Somos poucos, 5; a comida é bastante boa. Mas o ar é infecto, asma todas as noites, e o coraçãozinho a badalar. Mas Lá Fora está-se bem melhor!". Treze meses mais tarde escrevia a Serafim Ferreira (27 de Junho de 1968): "Fui apreendido. Corolário lógico: depois de encafuarem os livros, segue-se o Autor". Manteve-se na Cadeia das Caldas até 14 de Agosto do mesmo ano, data em que foi transferido para a cadeia do Limoeiro. E que eu saiba jamais regressou à cidade de D. Leonor.

 
Luiz Pacheco (1925-2008) 6 de Janeiro

Calou-se A voz, ora grave ora jocosa, de um exilado do interior, um quase expulso da Cidade, um contemplativo da infância (que é a suprema liberdade e inocência) com os olhos postos no futuro (que é para todos a Caveira). Decerto um burguês. Talvez um inconformista. Talvez, ainda, um jogador, um patriota. Quem sabe se um palhaço? Mas sempre um espectador atento e apaixonado do seu tempo e da sua própria personagem.

 
Filipe Duarte Santos 6 de Janeiro

Arquitectura e Vida (nº 88, Dezembro de 2007) entrevista Filipe Duarte Santos, professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, investigador em Ciências Ambientais e do Espaço e especialista internacional em alterações climáticas (e também pintor, aliás com fortes ligações às Caldas da Rainha, filho do escultor António Duarte).
Três observações do entrevistado:
"Esta fortíssima urbanização na nossa zona costeira penso que não é sustentável, até porque, e isto também está relacionado com as alterações climáticas, se começa hoje a fazer o estudo dos impactos das alterações climáticas sobre o turismo é muito provável que os fluxos turísticos se alterem".
"Algo que me surpreende sempre em Portugal é o nível muito baixo de utilização de energia solar térmica. Vamos a países como a Grécia ou o Chipre, onde há condições de utilização de energia solar muito comparáveis com as nossas, e observamos uma utilização intensiva desses sistemas solares térmicos".
"Não é viável continuarmos a utilizar de forma intensiva o veículo automóvel nas nossas cidades. Não só é uma destruição das Cidades como também representa um gasto enorme de tempo para as pessoas".

 
Continuidades 6 de Janeiro

A Bial fez um acordo para a comercialização de um medicamento baseado numa molécula sintetizada nos seus laboratórios. A inovação tem, neste caso, um particular significado. É, antes do mais, o primeiro medicamento desenvolvido por uma empresa portuguesa. Em segundo lugar, ocorre num quadro de perda de posição das empresas europeias para os Estados Unidos e o Japão da posição liderante que outrora tinham exercido neste sector.
O investimento necessário para produzir um medicamento é vultuoso e arriscado, tendo em conta o período longo que medeia entre a descoberta o registo da patente do princípio activo e a produção, teste e licenciamento do produto final. A continuidade do esforço financeiro da empresa tem se ser suportada por apoios estatais, eles também com garantia de continuidade (acima das flutuações de conjunturas políticas e até financeiras). Conheço bem algumas das dificuldades que, neste caso, foi preciso vencer para impedir que essa continuidade fosse posta em causa.

 
Os livros do Pai Natal (2º saco) 5 de Janeiro

O 2º saco inclui o resultado das negociações: livros que o Pai Natal me autorizou a trocar, livros que o Pai Natal recolheu de uma lista de sugestões que lhe fiz chegar e livros que o Pai Natal me destinou noutras árvores.
- Valentim Alexandre, O Roubo das Almas. Após uma longa investigação sobre o sistema colonial português desde a segunda metade do século XIX até 1974, Valentim Alexandre estuda o salazarismo nos anos 30. O ponto de aplicação da investigação é a evolução da situação internacional: salazar e o salazarismo num exercício complexo, perante a emergência dos totalitarimos, a guerra civil de Espanha e as relações com a Inglaterra.
- Joaquim Vieira, Fotobiografias do Século XX: Almada Negreiros. A ida de Almada, em 1969, ao programa Zip-Zip, de Carlos Cruz, Fialho Gouveia e Raul Solnado teve um impacte inesperado. A sala onde o programa foi gravado (o Vilaret), com algumas filas ocupadas por estudantes da Faculdade de Letras arregimentados pelo José Nuno Martins sentiu verdadeiro fascínio por aquele "provocador", então com 76 anos. Estive lá.
-Billy Kluver, Um dia com Picasso. 29 fotografias de Jean Cocteau. Edição brasileira de uma curiosíssima reconstituição das relações de Picasso em Paris, entre as duas Guerras, feita por um especialista da obra de Cocteau, a partir de fotografias que constam do respectivo espólio.
- Pablo Picasso: Erotic Sketches. O erotismo tem uma presença forte na obra de Picasso, sobretudo no desenho.
-Augusto Nascimento, O Fim do Caminhu Longi. O autor efectuou estudos académicos sobre a estrutura social e a vida quotidiana nas roças de S. Tomé e Principe do século XIX. Neste livro, de 2007, segue, através de depoimentos orais recolhidos em S. Tomé, a vida dos serviçais para ali enviados de Cabo Verde, enquandrados no regime colonial. São histórias de perda, exclusão e desdita.
-Augusto Nascimento, Entre o Mundo a as Ilhas. Nos finais do século XIX e primeiras décadas do século XX, em S. Tomé, como, de resto, no Portugal "metropolitano", assiste-se a uma densificação da vida urbana, expressa em múltiplos indicadores. Augusto Nascimento estuda neste livro um desses indicadores: o associativismo, designadamente o de expressão política, e a representação de interesses que promove.
- Carlos Filipe Gonçalves, Kab Verd Band. Um verdadeiro achado para quem, como eu, admire a música e os músicos caboverdianos. Editado pelo Instituto do Arquivo de História Nacional, este livro percorre todas as manifestações musicais do arquipélago, origens e características, identifica instrumentos e ritmos, vozes, géneros e estilos, compositores e intérpretes.
Renzo Piano: Visible Cities. Uma apresentação das principais intervenções deste arquitecto e urbanista nascido em Génova em 1937.

 
Almada no Zip-Zip (1969)
Modigliani, Picasso e André Salmon em Paris em 1916
Vista do Centro Pompidou

Picasso, O Artista e o seu Modelo, 1933

Picasso, A Tentação de Santo António, 1967

Alcobaça Revisitada 4 de Janeiro

Jorge Pereira de Sampaio organizou uma recolha e apresentação de fotografias sobre o concelho de Alcobaça. O trabalho resultou de uma encomenda do Mosteiro e teve o apoio empenhado da Câmara Municipal. Instituições e particulares cederam os seus albuns para a mostra, que atingiu um total de 1600 fotografias. Acontecimentos, pessoas, paisagens rurais e urbanas do século XX ficaram registadas nesta gigantesca colecção.
Não é ainda claro o destino deste conjunto de imagens. Com a exposição - de legibilidade diminuida pela profusão de imagens - foi editado um catálogo. Alcobaça passou assim a dispor de um instrumento primeiro e essencial para a constituição de um arquivo municipal de fotografia. Esperemos que dê esse passo.
 
Um blog entre historias 3 de Janeiro

A exclusiva instalação de liceus em capitais de distrito constituiu, até à década de 70 do século passado, um obstáculo ao acesso das restantes localidades ao ensino superior. A via do ensino técnico, sobre a qual não impendia aquela restrição, não facultava entrada directa na Universidade. Restava por isso o recurso ao ensino secundário liceal particular. Os colégios surgiram, depois da Segunda Guerra, como forma de tornear essa dificuldade, oferecendo preparação para exame nos Liceus às famílias que pretendiam (e para tal tinham posses) que os seus filhos fizessem percursos universitários.
Em 1945, por iniciativa de um sector das elites locais liderado pelo Dr. Júlio Lopes, foi criado o Externato Ramalho Ortigão. Em 1959, o Patriarcado de Lisboa, certamente pressentindo o crescimento da procura de ensino secundário, adquiriu a empresa. Em 1973, na sequência da abertura do Liceu das Caldas da Rainha, o Ramalho Ortigão cessou as suas actividades neste ramo do ensino.
Antigos alunos do Externato Ramalho Ortigão das Caldas da Rainha partilham memórias, histórias e registos destas duas décadas num blog dinâmico, bem escrito e jovial, à imagem de João Jales, um dos seus grandes animadores.

Antigos alunos ERO
 
Seduções 2 de Janeiro

Com o "Nespresso" a Nestlé introduziu no mercado um novo conceito de consumo: a máquina é que induz o produto. Anteriormente, todas as máquinas eram universais: produziam a bebida com café moido de quaquer fornecedor. Os actuais aparelhos, sejam eles Miele, Krups ou Ziemans, só trabalham com cápsulas de café fornecidas pela Nestlé. É como se uma marca de frigoríficos só estivesse preparada para receber manteiga, yougurtes e leite Mimosa, ou uma máquina de lavar roupa para receber meias CD e uma máquina de lavar louça pratos da Vista Alegre. Trata-se de facto de uma revolução no mundo dos bens de consumo duradouros. Representa uma captura do consumidor por uma multinacional. Uma tenatativa mais de esmagar as pequenas produções como as da Nicola ou da Delta. Como sempre a classe média portuguesa deixou-se seduzir pela tecnologia e iludir pelo "encanto" de George Clooney.

 
Desistência 31 de Dezembro

Declarações do vereador Tinta Ferreira à edição de "Tabu" (Sol, 29 de Dezembro) sobre o mercado da Praça da República: "Mais é difícil. Imagine esta praça cheia de bancadas de alumínio, com toldos de lona todos iguais. Muita gente deixava pura e simplesmente de vir fazer compras e grande parte dos vendedores desistia".
Exactamente o contrário, palavra por palavra, do que penso.
Mas agora fica claro que o conformismo municipal face à degradação das condições físicas e estéticas da praça é deliberado. Que o facto de a praça corresponder cada vez menos às exigências dos consumidores quanto à qualidade dos géneros é tolerado pela Câmara.
Esta opinião, vinda de um vereador com a experiência política e responsabilidade acumulada do Dr. Tinta Ferreira é o espelho do conformismo e da ausencia de impulso modernizador da Câmara. Mais até é fácil.
Estou até convencido que a praça, em lenta agonia, desaparecerá em breve se não se dotar de equipamentos higiénicos e funcionais, com um design consistente, confortáveis para vendedores e compradores, atractivos e modernos.
A praça acabará, não por intervenção da ASAE, mas por negligência da Câmara.

 
Os livros do Pai Natal (1º saco) 28 de Dezembro

Desde a infancia que este sonho me perseguia: em vez de camisolas, camisas, peúgas e cachecóis, receber do pai Natal um saco de livros. Este ano, enfim, fui ouvido, lá no local onde esta matéria é deliberada. E o trenó que pousou na minha varanda era portador de uma sábia mensagem: "deixa os trapos para a época de saldos (que agora principia na última semana do ano) e aprecia estes livros". Abri o pacote, com sofreguidão. O volume era sólido, variado, interessante. Vejamos:
- Gore Vidal, Navegação Ponto por Ponto. Memórias 1964-2006 . Um escritor fascinante, este primo de Al Gore, que faz da América da segunda metade do século passado um dos retratos mais fortes e argutos. Encaro estas memórias com grande expectativa.
- António Reis, Retrato de Portugal . Desde finais do século XIX que se edita este tipo de obras, onde se procede a uma apresentação sumária do País. Muitas delas resultaram de encomendas dos Governos, associadas a participações portuguesas em grandes exposições internacionais. Eu próprio colaborei numa delas, promovida pelo pavilhão do ICEP na Expo98. Este Retrato de Portugal foi encomendado pela Presidência Porttuguesa da União Europeia. Sou um coleccionador inveterado deste tipo de publicações.
- Maria Filomena Mónica, Cesário Verde, Um Génio Ignorado . Este pequeno livrinho publicado pela nova editora de Zita Seabra, Aletheia, é irresistível. Sobre Cesário Verde não diz muito mais do que o que já se sabia, mas a descoberta quase ingénua de um grande poeta que morreu jovem sem ter saido de Lisboa e Linda a Velha constitui um relato notável. A autora, como se sabe é uma intelectual formada no ambiente académico britânico, cultiva um certo elitismo cultural e naturalmente desdenha do provincianismo nacional. Imaginem-se as surpresas em que tropeçou!
- Rainer Maria Rilke, O Pintor das Nuvens e Outros Contos . Já tinha sido editado em 1946, pela Editorial Inquérito, este livro de um dos poetas "obrigatórios" para a minha geração, apesar de falecido em meados da década de 1920. Rilke teve um grande tradutor para a lingua portuguesa no Professor Paulo Quintela. Mas a tradução destes, pelo filósofo José Marinho, não lhe fica atrás.
- Fernando Rosas, Lisboa Revolucionária . Em 1820, a revolução principiou no Porto, foi mais tarde secundada em Lisboa e o acordo entre os emissarios dos dois focos celebrado em Alcobaça. D. Pedro desembarcou no Mindelo (Porto), à frente das tropas liberais, em 1832. O 31 de Janeiro de 1891, a primeira tentativa revolucionária republicana, foi desencadeado no Porto. Mas não teve êxito. A partir daí, Lisboa é o cenário e o motor das revoluções.
- António Pedro Vicente, Guerra Peninsular: 1801-1814. Napoleão recusou-se a assinar o tratado que ultimou a primeira invasão, em 1801. "Que o meu nome só costuma estar ligado ao que possa ser útil para a Nação e honroso para o Povo Francês", argumentou.
- Jorge Morais, Regicídio, Contagem Decrescente. A 1 de Fevereiro de 1908, fará 100 anos em breve, o Rei D. Carlos e o seu filho, Luis Filipe, são mortos a tiro na Rua do Arsenal, em Lisboa. Tratou-se de um assassinato político, predecessor e modelo para outros assassinatos perpetrados com carabina. A Monarquia não lhe sobreviverá.
- Adelino Gomes, José Pedro Castanheira, Os Dias Loucos do Prec . Uma crónica escorreita, factual, sem deixar de ser inteligível, das 37 semanas políticas que vão de 11 de Março de 1975 a 29 de Novembro do mesmo ano. Para quem as viveu, memórias. Para os outros, histórias. Para todos, um registo do que fomos e não fomos capazes.
-Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE . O meu interesse pelo livro não foi despertado pela polémica gerada pela atribuição do Prémio Pessoa à Irene Pimentel. Conheço a obra anterior desta investigadora, rigorosa e competente. A história da PIDE precisava de uma dedicação assim.
- Maria Fernanda Sampaio, Sabores do Índico . Podem crer: da única vez que fui a Maputo, em 2003, passei uma manhã no Mercado Municipal (não é nos mercados que se sonda o coração das cidades?). Pois aí adquiri um "montinho" de folhas verdes de mandioca, um saquinho de farinha de amendoim e dois cocos. Carreguei este precioso conjunto de ingredientes para tentar obter confeccionar um dos mais saborosos pratos moçambicanos: a matapa. A obra de Maria Fernanda Sampaio baseia-se exclusivamente em receitas africanas adoptadas pelos europeus. Mas é uma boa introdução ao tema.

 
Um ano depois 26 de Dezembro

Faz um ano que inesperadamente Rafael Salinas Calado nos deixou. Perda pesada, para a família, para os amigos, para a cultura, para o espaço público. No meu caso, enquanto caldense e estudioso da cerâmica, bem senti a sua falta neste ano de 2007. Senti também que poderíamos ter ido mais longe na homenagem pública de que é merecedor. Caldas e Torres Vedras têm acrescidas responsabilidades face à memória de Rafael Calado.

 
Comemorações e História (2) 24 de Dezembro

Em 2010 completar-se-á um século sobre a implantação da República em Portugal. O Governo anunciou a intenção de adoptar um programa comemorativo e formou uma Comissão de Projectos que sujeitou à discussão pública o seu relatório. Aguarda-se que daí resultem iniciativas a desenvolver ao longo de 2008, 2009, 2010 e 2011.
Entretanto, instituições culturais e até órgãos de soberania avançaram com programas próprios, susceptíveis de se articularem com o programa nacional. A Biblioteca Nacional decidiu organizar uma exposição anual tendo por tema o ano correspondente de 1900. E a Assembleia da República, além de um vasto projecto editorial, organizará também exposições nos seus espaços nobres, a primeira das quais, sobre José Relvas e a Revolução Republicana, terá lugar no final do primeiro semestre de 2008. Esta exposição foi alvo de um protocolo entre a Assembleia da República e a Câmara Municipal de Alpiarça.
Nas Caldas da Rainha, como noutros concelhos da região, as comemorações republicanas também poderiam constituir um ensejo para estudar a história contemporânea, mobilizar instituições culturais e educativas para o conhecimento histórico e elaborar projectos de animação em torno de figuras e acontecimentos do passado que se projectaram até aos nossos dias.
O vereador Nicolau Borges defendeu a criação de uma comissão municipal, patrocinada pela Câmara, que se ocupasse das comemorações republicanas. Mas a sua boa intenção arrisca-se a só ecoar no deserto. De facto, se só virmos as comemorações históricas pelo lado do cerimonial, ainda falta muito tempo (político) para chegar a Outubro de 1910. Só para quem entende que as comemorações são oportunidades para aprofundar o conhecimento é que começar a trabalhar agora pode até já ser tarde.
De facto, se pretendessemos evocar seriamente a República nas Caldas, deveriamos começar por, já em 2008, tratar historicamente o monarca D. Carlos e as eleições municipais que tiveram lugar nesse ano. O Rei foi, como se sabe, alvo de um assassinato político em Fevereiro de 1908. Cascais prepara-se para organizar um seminário sobre esse tema, depois de ter patrocinado a publicação de estudos sobre relação entre D. Carlos e o mar. Tendo em atenção a presença assídua de D. Carlos nas Caldas de finais do século XIX e princípios do século XX, teria cabimento que as Caldas apoiasse o estudo dessas visitas - a vida de corte nas Caldas, as relações sociais que institui, as personagens que recebiam ou acompanhavam os monarcas. E talvez fosse possível patrocinar a edição de um album sobre D. Carlos e a fotografia.
Mas em 1908 a projecção pública do Partido Republicano Portugês obteve um impulso decisivo com a vitória eleitoral em Lisboa para a Câmara Municipal. Um dos vereadores republicanos eleitos foi precisamente Francisco de Almeida Grandela. Grandela tinha já descoberto a Foz do Arelho, mas foi a partir daí que a sua presença nas Caldas adquiriu uma dimensão política inequívoca. Alguns aspectos dessa presença foram estudadas por Vasco Trancoso e por mim próprio, e até objecto de uma exposição na Galeria Municipal. Mas muito ficou ainda por estudar, nomeadamente, quanto à sua obra escolar na Foz do Arelho e no Nadadouro, antes ainda do 5 de Outubro de 1910.
A revolução republicana não se fez sem confronto e até violência. Mas também se fundamentou em ideais generosos e originou projectos de modernização muito ousados. Refiro-me a projectos escolares, projectos urbanisticos e até projectos globais de desenvolvimento local e regional. Esses projectos mobilizaram instituições - como a Câmara e o Hospital Termal, as Juntas de Freguesia, a Associação Comercial e Industrial, as escolas, os jornais. Importaria conhecer melhor as vicissitudes da implantação da República nas diversas freguesias rurais do concelho (estudei o caso de Santa Catarina, mas há documentação para A-dos-Francos e provavelmente Alvorninha). Alguns desses projectos representam visões estratégicas que importaria compreender melhor, nos seus argumentos e nos seus pontos fracos.
O exercício do conhecimento histórico é um exercício necessário para as sociedades. Com ele, percebem melhor os caminhos seguidos, as opções tomadas, as razões do que aconteceu. Graças a ele, tornam-se sociedades mais informadas e reflexivas.
Comemorar a República é, neste sentido, um repto não apenas científico mas cívico. Tendo fracassado a intenção do vereador Nicolau Borges de ver instituido um programa comemorativo a partir da autarquia, não seria a altura de avançar a "sociedade civil"? Associações e escolas das Caldas: estão disponíveis para elaborar em conjunto esse programa?

 
Natal 20 de Dezembro

Tenho observado com atenção a zona central da cidade, agora em busca de uma nova vocação. Apesar de alguma euforia da quadra natalícia, não vejo sinais de mudança consistentes. Falta, julgo, um projecto integrado que faça acreditar os investidores e puxe pela conservação dos imóveis e pela modernização dos negócios.
Esta euforia pode ser o canto do cisne, se as contrapartidas dos shopings do próximo ano não forem atempada e rigorosamente negociadas. E se a autarquia não se convencer que, tendo feito alguma coisa, está longe de ter definido uma política urbanística para centro histórico da cidade.

 
Comemorações e História (1) 15 de Dezembro

Exibe ainda o ex-libris da "Tertúlia Artes e Letras" a edição que possuo do ensaio do Professor Vitorino Magalhães Godinho intitulado Comemorações e História (A Descoberta da Guiné) . Editado em 1947, pela "Seara Nova", devo pois tê-lo adquirido em meados da década de 1960.
Dele retive, até hoje, esta observação pertinente: "A história não é comemoração, nada tem a ver com comemorações, é somente esforço de compreensão do passado para integrar o presente numa linha ou feixe evolutivo e para conhecer as leis dessa evolução com as quais se possa forjar o porvir. Menos ainda se compadece a história com certezas intangíveis e com a determinação dos factos à força de decretos. E que tem a ver a vida, as preocupações de todos os homens, com as flores de retórica que, quando se convenciona comemorar algum feito, profusamente se derramam sobre o seu mito ou a sua miragem romântica"? Insurgindo-se contra o tradicionalismo que imperara nas comemorações oficiais do centenário da descoberta da Guiné, no ano anterior, Magalhães Godinho escrevia: "Esse espírito saudosista de comemorações incríticas significa que há interesse em desviar as atenções das questões actuais, em evitar que se reflicta clarividentemente e se colham informações objectivamente sobre elas; representa o esforço de impedir que o presente se transforme em futuro, o esforço de fazer regressar hoje ao que foi outrora". Para este historiador, "Os aniversários e centenários só podem ser úteis se constituirem ensejo para estudar problemas, meditar directrizes, criticar certezas dgmáticas; caso contrário, munificam os vivos, sem ressuscitar os mortos".
No respeito por este princípio, enunciado por um dos mais importantes historiadores portugueses, participei em diversas iniciativas de evocação de factos e personalidades históricas. Todas elas permitiram formar ou ampliar equipas de trabalho, explorar fontes até então ignoradas, discutir sínteses apressadas ou mal fundamentadas, propor novos caminhos analíticos.
Em 1984, por ocasião do centenário do nascimento de Raul Proença, fiz parte de uma Comissão, com, entre outros, José Luis Almeida e Silva e Mário Tavares, que promoveu a inscrição no espaço público urbano de diversas marcas de reconhecimento por aquele pensador nascido nas Caldas e organizou uma exposição e um colóquio ao qual apresentaram comunicações historiadores como Fernando Piteira Santos ou António Reis, escritores como Natália Correia ou Castelo Branco Chaves.
No mesmo ano, assinalando-se o cinquentenário da morte de José Malhoa, colaborei na redacção de uma revista dedicada ao pintor, editada pela "Gazeta das Caldas".
Acompanhei, de uma posição mais distante, o V Centenário do Hospital, em 1985, que originou diversas publicações (como as respeitantes aos azulejos das Enfermarias do antigo Hospital Termal e à Igreja do Pópulo), seminários (como o "Das termas à cidade" que decorreu na Casa da Cultura) e levantamentos de fontes (com destaque para os efectuados por Lucilia Verdelho da Costa e Saul António Gomes, este último dando mais tarde origem a uma obra fundamental sobre os primeiros séculos caldenses).
Cumpria-se em 1987 meio século sobre a morte de mestre Francisco Elias: ocasião para organizar uma exposição sobre aquele antigo discípulo de Bordalo Pinheiro, dedicar-lhe, em espaço público da cidade, uma referencia escultórica e publicar novos ensaios sobre a sua obra de ceramista.
Em 1993, no dia em que perfazia um século sobre a respectiva inauguração, publiquei, em colaboração com o Arq. Jorge Mangorrinha, o resultado de uma investigação sobre o Hospital de Santo Isidoro.
Rodrigo Maria Berquó, autor do projecto deste Hospital, foi evocado em 1996, ano do centenário da sua morte com a edição de duas obras, da autoria uma, coordenada outra - na qual, de resto, colaborei - pelo Arq. Jorge Mangorrinha, sobre a actividade daquele administrador do Hospital. Também neste caso a memória do homem foi traduzida numa intervenção escultórica em espaço público.
Coordenei com o Director do Instituto Portugês dos Museus, Dr. Manuel Bairrão Oleiro, as comemorações nacionais do centenário da morte de Rafael Bordalo Pinheiro, em 2005. O programa que então foi possível organizar, com a cooperação de inúmeras instituições e organizações locais e nacionais, traduziu-se num conjunto importante de estudos que representam outros tantos novos contributos para o aprofundamento do conhecimento sobre a obra gráfica e cerâmica daquele criador.
Pesando, ao longo destas duas décadas, o reflexo que as diversas comemorações tiveram na minha actividade de historiador, julgo ter sido fiel - eu e todos aqueles que comigo colaborarm - às palavras do Professor Magalhães Godinho. Os aniversários e centenários tomámo-los como oportunidade para investigar e estudar, para procurar mais informação e produzir mais conhecimento.

 
Irene Pimentel 14 de Dezembro

O prémio de Irene Pimentel reconhece a qualidade e o rigor do trabalho desta historiadora e põe em destaque que essas qualidades não são incompatíveis com o empenho cívico e a identificação com causas como a da liberdade e igualdade. Para quem teve o privilégio de a ter como aluna, sendo praticamente da mesma idade, este acto também sublinha que o esforço e dedicação intelectuais não são exclusivos de uma geração.
Na nossa cidade, esteve em Julho de 2006, para lançar o seu livro sobre a passagem de judeus por Portugal durante a Segunda Guerra (texto de apresentação disponível na página aqui), e, em Novembro de 1996, para apresentar uma comunicação ao Seminário sobre Refugiados, organizado pela associação Património Histórico.

 
Uma bica no Arquivo Distrital 12 de Dezembro

Uma Bula de 1496

Leiria, sessão do programa "Uma Bica no Arquivo Distrital", dedicada à Bula dada pelo Papa Alexandre VI em 3 de Setembro de 1496.
Oportunidade para ver o documento e ouvir Nicolau Borges numa informada e viva evocação dos primórdios do Hospital e das Caldas, dos intervenientes às suas criações, da história institucional à história cultural e artística. Um profundo conhecedor do património do hospital e da arte portuguesa dos século XV-XV prendendo a sala e suscitando interessante debate final.

Transcrição parcial, em ortografia actual:

"Como pois nos fosse dito a nossa muito amada, em Cristo filha, Leonor Rainha Ilustre, mulher que foi de El Rei D. João de Portugal. Considerando que em o termo da vila de Óbidos do arcebispado de Lisboa, em o lugar chamado das Caldas, eram certos banhos destruídos e quase de todo para cair, os quais por desfalecimento de casas de que o dito lugar era minguado não eram por os homens usadas, nem a eles iam as pessoas para cobrar saúde. E por tal que as ditas pessoas aos ditos banhos fosse para cobrar saúde. Ela, movida por piedosa devoçao, reparara os ditos banhos às suas próoprias despesas e fizera em eles câmaras e casas para as pessoas enfermas que eles fossem, e uma Capela em honra , sob a invocação da muito gloriosa Virgem Maria do populo, em a qual missas e ofícios divinos se celebrassem".

Arquivo Distrital
Programa 2007/08
Leiria: arquitectura e urbanismo 7 de Dezembro
Jantar promovido pela ADLEI. Registe-se o motivo: homenagear João Belo Rodeia, novo bastonário da Ordem dos Arquitectos. João Rodeia ofereceu uma palestra ao auditório. Escolheu o tema da desregulação do território. Apesar da selecção das palavras e da perspectiva histórica, o tema era crucial. Em Portugal, o fim do mundo rural ocorreu num tempo muito curto e as cidades absorveram mal as mudanças impostas do exterior. Ocuparam o território agrícola em seu redor, sem plano e sem cuidar do controlo do mercado imobiliário. As cidades urbanizaram-se loteamento a loteamento, em geral desarticulados entre si. O Estado autorizou o crescimento brutal de uma estreita faixa litoral que vai de Setúbal a Viana e conformou-se-se com a desertificação do restante. Os Planos Directores Municipais continuaram o problema, em vez de serem parte da solução (se todos os licenciamentos previstos em PDM fossem efectivados, o parque habitacional cresceria 4 vezes). Que fazer? Como lidar com esta situação? O conferencista falava em Leiria (um caso exemplar de desregulação), para uma plateia maioritariamente composta por habitantes de Leiria. Confesso que as respostas que ensaiou me pareceram tímidas e o debate que se seguiu foi complacente e exibicionista. Mas a pergunta é pertinente e o Bastonário dos Arquitectos vai agora conviver com ela todos os dias.  
Mário Cesariny - A um rato morto encontrado num parque (o poema que está na origem de Belarmino) 6 de Dezembro

Este findou aqui sua vasta carreira
de rato vivo e escuro ante as constelações
a sua pequena medida não humilha
senão aqueles que tudo querem imenso
e só sabem pensar em termos de homem ou árvore
pois decerto este rato destinou como soube (e até como não soube)
o milagre das patas - tão junto ao focinho! -
que afinal estavam justas, servindo muito bem
para agatanhar, fugir, segurar o alimento, voltar atrás de repente, quando necessário
Está pois tudo certo, ó "Deus dos cemitérios pequenos"?
Mas quem sabe quem sabe quando há engano
nos escritórios do inferno? Quem poderá dizer
que não era para príncipe ou julgador de povos
o ímpeto primeiro desta criação
irrisória para o mundo - com mundo nela?
Tantas preocupações às donas de casa - e aos médicos - ele dava!
Como brincar ao bem e ao mal se estes nos faltam?
Algum rapazola entendeu sua esta vida tão ímpar
e passou nela a roda com que se amam
olhos nos olhos - vítima e carrasco
Não tinha amigos? Enganava os pais?
Ia por ali fora, minúsculo corpo divertido
e agora parado, aquoso, cheira mal.
Sem abuso
que final há-de dar-se a este poema?
Romântico? Clássico? Regionalista?
Como acabar com um corpo corajoso e humílimo
morto em pleno exercício da sua lira?

 
Belarmino 6 de Dezembro
Sessão muito especial a de segunda-feira do ciclo “cinema e debate” que decorre na ESAD, dedicada a “Belarmino”, com a presença do autor, Fernando Lopes. Este filme-documentário (de 1964) integra o lote das obras fundadoras do Cinema Novo português (com “Verdes Anos” de Paulo Rocha (1963) e “Domingo à tarde” de António Macedo (1965). Quarenta e três anos volvidos, Belarmino exibe não apenas os traços das rupturas e inovações que o singularizaram, como as qualidades que fazem dele hoje um clássico do cinema documental. Madalena Gonçalves, num excelente texto de apresentação do realizador e do filme, aponta-o como um “estudo magistral sobre coreografia dos gestos – quer humanos, quer físicos – estes visíveis nos ângulos da câmara que acompanha, com extremo rigor, o traçado da cidade, a arquitectura das fachadas, as ruas, as praças, os recantos, os cafés”. Neste sentido, de facto, Belarmino, sobre ser um retrato de um personagem – um antigo campeão em declínio –, é um retrato de uma cidade, Lisboa. Uma Lisboa dos anos 50/60, uma “Lisboa vadia”, na expressão do próprio Fernando Lopes, uma Lisboa hoje praticamente desaparecida. Um retrato também do país, do país cinzento como referiu Madalena Gonçalves, do “país de sufoco”, nas palavras de Fernando Lopes. Com o auxílio (por vezes emocionado) do realizador, esta sessão permitiu registar decisivos aspectos instrumentais deste documentário, como a fotografia (de Augusto Cabrita), a música (de Manuel Jorge Veloso), ou a montagem (de Manuel Ruas), e, sobretudo, descobrir nos olhos de Belarmino, que a câmara não larga, os olhos de um autor que ama, grita, se enternece, solidariza e recusa. “Vou fazer campeões”, promete Belarmino na entrevista que Baptista-Bastos conduz como se um combate de boxe se tratasse.  
Do "nimby" ao "yimby" 5 de Dezembro

O acrónimo nimby ("not in my back yard" - não no meu quintal) designa a oposição que os residentes movem à instalação de equipamentos ou serviços públicos nas imediações do local onde vivem. Nesta região, assistiu-se recentemente a manifestações dos habitantes da Benedita (Alcobaça). No passado, recordamos, por exemplo, os protestos dos habitantes do Vilar (Cadaval).
Estes movimentos sociais, revelando tensões resultantes da modernização, obtêm imediata projecção na comunicação social, o que reforça o seu impacte político. De facto, o sistema representantivo tem dificuldades em absorver estas irrupções. Os representados recusam decisões legítimas dos seus representantes, procurando fazer valer o princípio de que o interesse geral (o transporte de alta velocidade ou o tratamento de resíduos) tem de ser compatível com o interesse particular (a Benedita que se acha prejudicada pelo TGV, ou o Vilar que considera que a sua qualidade de vida é afectada pela proximidade do aterro). Um dia um Presidente designou este tipo de contestações por "direito à indignação", atribuindo-lhe foros de cidadania.
Um dos processos "nimby" que acompanhei foi o da co-incineração. Vale a pena recordar os factos essenciais. Em Junho de 1997, o Governo (o XII, chefiado por António Guterres) aprovou uma Resolução definindo uma nova política de gestão de resíduos industriais perigosos, optando pela co-incineração em unidades cimenteiras nacionais, como forma preferencial de tratamento. Em Setembro do ano seguinte, publicou a legislação definindo as condições em que aquela opção podia ser aplicada e ordenou a realização de ensaios em Souselas, Maceira, Alhandra e Outão. Iniciaram-se então as contestações, com origens tanto em sectores políticos como técnico-científicos, tanto em grupos regionais como económicos. O Parlamento, tirando partido do facto de o Governo não dispor de maioria absoluta, usou da faculdade que lhe permite pedir a ractificação de diplomas do Governo e votou a suspensão do decreto-lei. Prevendo esta derrota, o Governo acordou com a maioria parlamentar que se lhe opunha que fosse constituída uma comissão científica independente para relatar e dar parecer relativamente ao tratamento de resíduos industriais perigosos. Estávamos já em Abril de 1999.
A referida Comissão concluiu os seus trabalhos um ano mais tarde, em Maio de 2000, recomendando a adopção da co-incineração em fornos de unidades cimenteiras, por não ver nesse método nenhum inconveninte ambiental ou económico. Todos os grupos que se tinham erguido contra a co-incineração em geral e contra a co-incineração em cada uma das cimentiras se ergueram de novo para criticar as conclusões da Comissão Cientifica. Os seus pressupostos foram questionados, a honestidade intelectual dos seus membros posta em dúvida, a competência técnica e científica das suas análises arrasada. No meio da exaltação da troca de argumentos, professores universitários acusaram outros professores universitários de recorrerem à fraude para fazer valer o seu ponto de vista.
Depois, foi o que se viu. O Parlamento voltou à carga e exigiu mais estudos, agora relativos ao impacte da co-incineração sobre a saúde das populações. O Executivo ordenou esses levantamentos, mas, entretanto, uma nova maioria política, resultante de eleições, chegou ao Governo e encerrou o processo, declarando-se a favor de uma outra metodologia de tratamento de resíduos industriais perigosos: a incineração dedicada. Antes, porem, que esta nova solução fosse aplicada, a formula governativa foi de novo alterada e a hipótese co-incineração voltou a estar em cima da mesa. Que se saiba, o problema do destino dos nossos resíduos industriais perigosos não está resolvido. Há 10 anos que estamos enredados no próprio processo de decisão.
Imaginemos agora que nos competia tirar ilações deste processo. Constatamos, em primeiro lugar, que as instâncias de carácter técnico-científico não podem ser chamadas a intervir para produzir um consenso. Quando são apanhadas no meio de uma controvérsia, como sucedeu na co-incineração, os seus argumentos tornam-se parte do conflito: são aceites por uns e recusados por outros. De facto, e esta é a segunda ilação, não há um critério técnico-centífico, supostamente verdadeiro e como tal por todos reconhecido. Há diversas perspectivas técnico-científicas, ancoradas em pressupostos, análises e perspectivas disciplinares distintas. E em diferentes valorizações de factores. E por isso vimos especialistas em tratamento de resíduos perigosos a favor de cada uma das soluções: co-incineração e incineração dedicada.
O Engº José Sócrates, Secretário de Estado e mais tarde Ministro do Ambiente que se defrontou com a co-incineração, adoptou, quando enfrentou como Primeiro Ministro uma situação assimilável, a da localização do novo aeroporto de Lisboa, aquela mesma metodologia de decisão. Confiou a um Laboatório independente a decisão controvertida.
Tudo indica que as consequencias serão equiparáveis. Qualquer que seja a palavra final do LNEC, a opinião técnico-científica está perfeitamente compartimentada. Porque é que o argumento desta equipa ou deste engenheiro (ou mesmo deste ministro) há-de prevalecer sobre o daquela equipa ou daquele engenheiro (ou daquele ministro)? E se o LNEC quiser evitar as labaredas que se atearam am redor da Comissão Científica da co-incineração, pode sempre limitar-se a enumerar as vantagens e desvantagens de cada uma das opções de localização do aeroporto e remeter para o poder político a escolha final.
Uma coisa é certa: este processo é agora menos consensual que à partida. A instância técnico-científica segmentou-se, reforçou os argumentos de cada um dos segmentos e enquistou-os. Os cientistas são os piores ouvintes da sua tribo. No passado conseguiram projectar todos os que estavam dispostos a gritar "no meu quintal não". Agora fizeram o mesmo a todos aqueles que gesticulam "No meu quintal sim".

A música 4 de Dezembro

A minha incapacidade de cantar ou tocar um instrumento é humilhante. Mas é frequente a música pôr-me "fora de mim", ou, mais exactamente, numa companhia muito melhor do que a minha. Materializa o oximoro do amor, essa fusão de dois indivíduos na unicidade, sendo que cada um deles, mesmo no momento do uníssono espiritual e sexual, conserva e enriquece a sua identidade. Ouvir música com o ser amado é estar numa condição simultaneamente privada, quase autista, e todavia estranhamente envolvida com o outro (a leitura a dois em voz alta não atinge o mesmo grau de fusão). Daí que a colaboração interactiva, como sucede entre a voz e o piano num "Lied" ou a execução de um quarteto de cordas, seja talvez o fenómeno mais intrincado de todo o Planeta, absolutamente arisco a qualquer análise. Aliás, uma vez que cada incidência deste fenómeno é irrepetível, é bem possível que seja mais complexo do que a dança das galáxias. Uma caixa de música envernizada, uma tripa de gato ou um arame, um martelo com ponta de feltro, a inflexão do pulso do intérprete, a vibração das cordas vocais geram ondas cujas curvas e função algébrica podemos, efectivamente traçar, mas cujos "significantes", cujo poder de transformar os estados físicos e psíquicos, não podemos explicar. Pelo que suponho serem forças fundamentalmente "des"-humanas.
É por isso que as interacções entre a música e as outars artes, entre a música e a poesia, são sempre fascinantes. Na grécia pré-clássica, o filósofo podia ser também um rapsodo. Cantava os seus pensamentos. Os argumentos filosóficos desde a antiguidade até aos nossos dias - de Platão, de Nietzsche, por vezes de Wittgenstein - podem ter uma cadência e musicalidade distintas. As afirmações de que a arquitectura é "música congelada", de que a poesia aspira à condição da música enquanto tautologia perfeita de forma e conteúdo (senso que na música a forma é o conteúdo e vice-versa), são imagens que exprimem verdades profundamente sentidas, mas não fundadas na razão. Quem pode definir a "alma"? Mas quem é que não percebe intuitivamente a apóstrofe de Shakespeare contra aqueles que não têm "música na alma", uma ideia cristalizada pela designação "música soul"?

George Steiner, Errata. Revisões de uma Vida. Lisboa, Relógio D'Agua, 2001, p. 96-97

 
Numa das volutas que ornamenta o bojo da jarra Beethoven, pode ver-se um quarteto de cordas tocando uma peça daquele compositor. Trabalho de Rafael Bordalo Pinheiro, datado de 1902, que pode ser visto na Casa Museu dos Patudos em Alpiarça. Um estudo sobre a jarra está agora disponível aqui ao lado em Cerâmica.